quarta-feira, dezembro 20, 2006

E POR FALAR EM RENAS...: Depois do ritmo alucinante destes últimos dias, o 1bsk parte para merecidas férias, longe da Internet. Que os leitores passem umas Festas felizes e tranquilas, é o nosso desejo sincero.
A NÃO PERDER: Este post no Renas e Veados.
QUANDO O TELEFONE TOCA: Adivinho dever a uma posição alfabética cimeira em listas de contactos os numerosos telefonemas que recebo, resultantes, presumo, da manipulação descuidada de telemóveis subtraídos à vigilância paterna, por parte de filhos pequenos de amigos e conhecidos. Para pôr cobro a este problema, apenas me ocorrem duas soluções: mudar de nome para Zulmiro Zueberbriggen, ou apresentar aos meus amigos (sobretudo aqueles com descendência recente e orientada para as novas tecnologias) um qualquer Aarão ou Abel recrutado para o efeito.
OBITUÁRIO DE XADREZ: Há uns dias atrás, dei por mim a enumerar mentalmente os meus ídolos de xadrez de todos os tempos. Lembrei-me de José Raul Capablanca, Akiba Rubinstein, David Bronstein, Mikhail Botvinnik e, obviamente, Anatoly Karpov. No mesmo dia, algumas horas mais tarde, eis que tomo conhecimento do falecimento de David Bronstein. David Bronstein esteve a um passo de entrar para o muito restrito panteão de campeões do mundo de xadrez quando, em 1951, empatou um match com o então detentor do título, Mikhail Botvinnik (as regras ditavam que, em caso de empate, o campeão mantinha o título). De então para cá, têm surgido ciclicamente rumores de que Bronstein teria sido pressionado pelas autoridades soviéticas para não ganhar o match. O próprio Bronstein nunca admitiu que isso tivesse sucedido, mas, por mais de uma vez, exprimiu-se em relação a esse assunto de forma algo ambígua. Independentemente desse ponto nebuloso da historiografia xadrezística, Bronstein tornou-se famoso pelo seu imenso talento, pelo carácter imaginativo das suas partidas, e pela autoria de dois dos livros mais famosos da história deste jogo: "O Aprendiz de Feiticeiro" e, sobretudo, o livro do torneio de candidatos realizado em Zurique, 1953. Comprei uma cópia deste livro em Nova York, há mais de 3 anos. Está desde então na minha estante, há espera da atenção que mereceria e que nunca lhe concedi. AQUI, uma extensa colecção de partidas de David Bronstein.
E VOCÊ, ONDE ESTAVA?: E você, onde estava quando soube que Manuel Cajuda se tinha demitido do Zamalek, garbosa agremiação com larga tradição no futebol cairota? Eu estava num táxi, a caminho da segunda circular.

terça-feira, dezembro 05, 2006

ROHMER, TUDO LIGADO: Recentemente, revi na Cinemateca a primeira longa-metragem de Éric Rohmer, "Le Signe du Lion". A folha que acompanhava este filme era da autoria de Antonio Rodrigues. Gostei bastante de a ler. Nela são feitos numerosos paralelismos entre este filme e obras posteriores de Rohmer, mas também são apontadas diferenças de monta. Ao ler a folha, porém, estranhei a omissão de uma referência (que eu recordava muito confusamente ter lido) à semelhança entre o motivo astrológico que preside ao filme (o signo do Leão) e outras manifestações de destino/azar/fatalidade que viriam a ser muito abundantes na obra rohmeriana. Onde teria eu lido essa referência? Ao chegar a casa, verifiquei que a folha emitida pela Cinemateca aquando da exibição do mesmo filme em Julho de 1999 era diferente, e tinha como autor João Lopes. Li-a com avidez compreensível. O principal elo apontado por JL entre este filme e os restantes deste cineasta tem a ver com a presença do elemento moral. Aqui, inclino-me mais a concordar com Antonio Rodrigues quando ele escreve que "Le Signe du Lion" «é um conto (nem moral nem moralista)». A existir em "Le Signe du Lion", a moral apareceria de um modo quase puritano (e pouco subtil), redutível ao repúdio pelo dinheiro, radicalmente diferente do prevalecente nos "Contos Morais", onde se exprime essencialmente ao nível dos comportamentos humanos, e da fugidia fronteira entre livre-arbítrio, determinação e aleatoriedade. Mas adiante. Continuava eu, depois disto, sem saber onde teria lido (se é que a li) a tal sugestão de analogia entre o Zodíaco, caprichoso e soberano, e os seus múltiplos sucedâneos que povoam os enredos rohmerianos. Continuo sem saber. Encontrar pontos de contacto entre "Le Signe du Lion" e outros filmes de Rohmer é um ensejo natural e compreensível. E não me parece tarefa particularmente complicada. Por exemplo, o súbito e inesperado desenlace (o protagonista, devido a um acidente de automóvel a muitos quilómetros de distância, passa da indigência à condição de herdeiro rico) pode ser aproximado ao reencontro entre a protagonista de "Conte d'Hiver" e o amante, perdido anos antes por uma estúpida questão de endereço enganado, ou então do também súbito (mas não totalmente inesperado) desenlace de "Le Rayon Vert", em que a personagem de Marie Rivière observa finalmente o fenómeno atmosférico que perseguia com obstinação. A ocorrência de uma improvável conjunção de acontecimentos que, à revelia da personagem principal, transforma um impasse num desfecho venturoso faz lembrar as cenas finais de "Conte d'Été" (os telefonemas recebidos por Melvil Poupaud, ultrapassado pelos acontecimentos mas, estranhamente, nunca parecendo deixar de ser dono do seu destino). O mais notável, no entanto, é sentir como esta tarefa transcende o âmbito da crítica, da historiografia e da paixão cinéfila, para se situar num plano onde a felicidade e a realização pessoal também ocupam o seu espaço. Como se encontrar coerência na obra de um realizador de cinema digno da nossa estima equivalesse a verificar a integridade de um vínculo de confiança que nos une a ele. (Éric Rohmer tem um novo filme em fase de acabamento. Chama-se "Les Amours d'Astrée et de Céladon".)
ENSINO SUPERIOR: Li recentemente dois desabafos sobre o ensino superior que revelavam tremenda falta de conhecimento de causa e leviandade. No primeiro, a propósito das denúncias de asfixia financeira por parte das universidades, sugere-se uma solução que aliaria a simplicidade à eficácia: aumentar as propinas, já que "nenhuma Universidade pública encosta as propinas ao tecto permitido" (um erro que o próprio autor corrigiu, mais tarde, por meio de contra-exemplos) e "quatro quintos dos alunos dispõe de viatura própria". Espanto-me com esta estatística, mas parto do princípio de que o autor se informou devidamente. Supondo que as universidades dispõem de margem de manobra para aumentar ainda mais as propinas, e admitindo que, de facto, 80 % dos estudantes universitário são felizes proprietários de um veículo motorizado, há que ter em conta duas coisas. Em primeiro lugar, é límpido para quem segue a questão com um mínimo de atenção que o aumento progressivo das propinas, aproximando-as do custo real do ensino oferecido, é mais um paliativo do que uma solução para o financiamento dos estabelecimentos de ensino superior, e costuma ser acompanhado por desinvestimento orçamental no sector. Por outras palavras, as propinas funcionam como legitimação de cortes no orçamento, sucedâneos de receitas próprias que empurram as universidades para uma pseudo-autonomia financeira à custa do bolso dos estudantes. (E muito haveria a dizer, aliás, sobre as míticas "receitas próprias", apontadas como solução milagrosa por muitos, mas viáveis apenas na medida em que o permitem estruturas e corpos docentes já sobrecarregados pela dupla incumbência de ensinar e investigar.) Em segundo lugar, a posse de carro, em muitos dos casos, será menos um sinal exterior de desafogo do que um imperativo por banais questões de mobilidade. Descrever os alunos universitários como meninos do papá birrentos é um lugar-comum que passa numa discussão de café, mas que convém usar com moderação quando o propósito é argumentar com um mínimo de seriedade. O segundo grito de revolta, li-o aqui. O autor insurge-se contra um doutoramento cujo tema é as construções nominais dos pronomes possessivos. Não vejo onde está o motivo de escândalo. O autor parece ter uma ideia muito aproximativa sobre o que é um doutoramento. Um doutoramento é um ciclo de estudos avançados que tem como fim, entre outros, demonstrar que o doutorando é capaz de conduzir investigação original sobre um determinado tema. Como estamos no século XXI, e não no século XIV, qualquer investigação com pretensões a originalidade deverá possuir um elevado grau de especialização. Só em casos muito específicos será de esperar que um tema de doutoramento tenha relevância imediata no contexto de um potencial emprego. Nesse caso, para que serve um doutoramento? Para demonstrar aptidões excepcionais ao nível da assimilação e resolução de problemas numa determinada área, e, desse modo, garantir um nível de desempenho condizente com expectativas elevadas por parte do empregador. Não nego que, frequentemente, uma pós-graduação pode ter significância nula para a formação de um indivíduo e para o seu sucesso na busca de emprego. Porém, é errado fazer recair as culpas sobre os temas de tese demasiado esotéricos e incompreensíveis para o comum dos mortais. (Alguém com conhecimento do assunto muito superior ao meu afiança-me que, longe de ser um irrelevante motivo de chacota, a investigação avançada ao nível de construções pronominais pode ser muito importante, por exemplo, para o aperfeiçoamento de correctores e analisadores morfossintácticos.)

sábado, dezembro 02, 2006

LAURA RIDING: No "Mil Folhas" do passado dia 11 de Março, Eduardo Prado Coelho escrevia: «Quem é Laura Riding? Duvido que haja portugueses que a conheçam(...)». Posso garantir que alguns portugueses já conheciam esta autora, pelo menos aqueles que acompanharam este blog nas suas primeiras semanas de vida. Que moral se poderá retirar daqui? Absolutamente nenhuma. Porém, descubro agora, perturbado, que o rosa que escolhi para fundo da página de arquivo do 1bsk desse mês é muito semelhante ao do amaciador de roupa marca Carrefour. (Traduções de Riding para português aqui.)
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Há horas de rara felicidade na vida de um caçador de leituras em lugares públicos (lembram-se dos tractores Fiatagri?). No campus do Instituto Superior Técnico existe um edifício chamado Complexo Interdisciplinar. No pavilhão envidraçado da recepção, sobre uma secretária, na semana passada, viram estes meus olhos um exemplar de "Watt", de Samuel Beckett, na edição portuguesa da Assírio & Alvim. A euforia daí resultante não me fez esquecer esta questão de importância maior: será que a leitura de Beckett durante a actividade laboral, para além de obviamente louvável, é recomendável do ponto de vista do desempenho profissional? Povo de Portugal, de Norte a Sul: está aberto o debate.
NO PRÓXIMO FIM-DE-SEMANA: Terão lugar nos próximos dias 8, 9 e 10 as representações da peça "Um por um para dois", pelo grupo teatroàparte, baseada na obra "Talem (Leito Conjugal)", do espanhol Sergi Belbel. Todas as informações relevantes encontram-se na página do teatroàparte, grupo amador da Associação de Residentes de Telheiras, do qual tenho a felicidade de fazer parte. Frenética, pós-moderna, licenciosa, hilariante, inteligente: são os cinco adjectivos que me ocorrem para qualificar esta peça. Caso subsistam ainda algumas hesitações, penso que o facto de eu não fazer parte do elenco desta peça deve constituir argumento decisivo para ir assistir.