domingo, novembro 26, 2006
PROVAVELMENTE, A MELHOR REVISTA DO MUNDO: Correm por aí alguns rumores segundo os quais existem maneiras mais proveitosas de ocupar o tempo do que ler a revista "Aguasfurtadas". São opiniões, que eu respeito. Sem querer entrar em estéreis trocas de argumentos, limito-me a fazer notar aos incréus que o número 10 desta revista inclui um ensaio de Manuel António Pina sobre o ursinho Winnie-the-Pooh. Parece-me não haver nada mais a acrescentar, a não ser que um vídeo de apresentação desse mesmo número 10 está disponível aqui.
quarta-feira, novembro 22, 2006
SORRISOS DE UMA NOITE DE VERÃO (2): Do blog John, Elias and Michelle (não conhecia, e recomendo - aliás como resistir a um título onde entram três personagens do "Elephant" de Gus Van Sant?) fazem-me notar que Pedro Costa não é tão avesso à tentação cómica como eu o pintei. São apontadas como provas cenas dos filmes "No Quarto da Vanda" e "Onde Jaz o Teu Sorriso?", que são precisamente aqueles que eu não conheço. Fica, pois, o reparo.
"Onde Jaz o Teu Sorriso?" poderia ser o título deste post e do anterior, aplicado ao cinema português em vez de à personagem de "Sicilia!" de Huillet/Straub.
segunda-feira, novembro 20, 2006
SORRISOS DE UMA NOITE DE VERÃO: São deploráveis as declarações do realizador de "O Filme da Treta", no sentido de ser esse um filme que contraria uma suposta proibição não escrita de fazer humor que condicionaria o cinema português.
Infelizmente, estas afirmações nada têm de original. Vinda de numerosos quadrantes, é recorrente a acusação de sisudez crónica dirigida ao cinema português. Trata-se, como é óbvio, de uma daquelas ideias feitas de enorme conveniência para todos aqueles que preferem a facilidade da bojarda de efeito imediato à seriedade e ao estudo minimamente objectivo de uma questão.
Para perceber que não existe incompatibilidade entre a gargalhada e os realizadores portugueses (mesmo entre aqueles a quem se colou a tenebrosa reputação de "intelectual"), basta pensar em como, com poucas excepções, todos eles contam na sua filmografia com obras em que o humor é nota marcante. E não falo apenas de um registo de farsa: falo de comédia franca e explícita. Pensemos no Manoel de Oliveira de "Party", "O Passado e o Presente" e "O Meu Caso", pensemos em todo o João César Monteiro tardio, no João Botelho de "A Mulher que Acreditava Ser..." e de "Tráfico", em Paulo Rocha, em José Fonseca e Costa... Quanto às gerações mais novas, se é certo que alguns dos seus chefes de fila parecem desprovidos de qualquer veleidade cómica (Pedro Costa, Teresa Villaverde...), nomes como os de Joaquim Sapinho (de "Corte de Cabelo"), Miguel Gomes e João Nicolau são outros tantos contra-exemplos a opor ao estereótipo de um cinema português sorumbático e grisalho.
(Não é que eu tenha alguma coisa contra filmes sombrios e austeros, por São Bergman e São Tarkovsky! Mas deixemos a minha opinião de lado, neste caso.)
sábado, novembro 18, 2006
BALZAQUIANO UMA VEZ, BALZAQUIANO PARA SEMPRE: Recentemente, a Cristina publicou uma lista de filmes que tiveram a felicidade de contar com o talento magistral de William Lubtchansky na sua fotografia. O primeiro citado, e mais recente, é um certo "Ne touchez pas la hache". Ora, este filme não é outro senão o último de Jacques Rivette, adaptação de "La Duchesse de Langeais" , ainda por estrear. É a terceira vez que Rivette se baseia em Balzac, depois de "Out 1" ("Histoire des Treize") e de "La Belle Noiseuse" ("Le Chef-d'œuvre inconnu"), em ambos os casos de forma extremamente livre. Estou muito curioso por saber se, no caso de "La Duchesse de Langeais" (que aliás é parte integrante da "Histoire des Treize") , Rivette e os seus habituais colaboradores Pascal Bonitzer e Christine Laurent serão mais fiéis à obra original. No elenco, encontramos uma cúmplice de longa data, Bulle Ogier ("L'Amour Fou", "Out 1", "La Bande des Quatre"...), dois repetentes (Jeanne Balibar, depois de "Va Savoir", e Michel Piccoli, depois de "La Belle Noiseuse"), e um estreante em lides rivetteanas: Guillaume Depardieu. Quase não se encontra nada sobre este filme na Internet. Espero que as revelações não tardem, e que a estreia em Portugal não se faça esperar mais do que o razoável.
("Ne touchez pas la hache" é o título da primeira edição de "La Duchesse de Langeais". Regra geral, os títulos finais das obras da Comédia Humana parecem-me superiores aos que Balzac originalmente lhes atribuiu. Esta pode muito bem ser uma das poucas excepções.)
UM INIMIGO DA ESCOLA PÚBLICA: Há pessoas que desconhecem os talentos que possuem. Pergunto-me se André Abrantes Amaral estará ciente da sua superlativa capacidade para a distopia. Capacidade involuntária, presumo-o, visto que parece ser de inteira boa fé que ele propõe (suplemento "Dia D", "Público" de 27/10) um sistema de ensino inteiramente privado, e o fim total do monopólio estatal na educação. AAA começa, pouco originalmente, por agitar os espantalhos do corporativismo, do estatismo, da burocracia e dos abusos dos sindicatos para convencer o leitor da iniquidade do sistema actual. Se tais argumentos, embora minados pelo simplismo (próprio de quem deseja demonstrar, num artigo de página, uma tese sobre um tema de enorme complexidade), não são totalmente incompatíveis com o bom senso, rapidamente o leitor começa a ser brindado com pérolas às quais não falta o seu quê de sinistro.
AAA escandaliza-se com o facto de o Ministério da Educação se considerar mais bem preparado que os pais para decidir o que os alunos devem estudar. Pelo que me toca, não só isso não é minimamente chocante, como qualquer alternativa me pareceria inquietante. Quem, senão o Ministério, poderia assumir esse papel de liderança na condução das políticas da educação? A resposta de AAA é categórica: quem dela precisa, ou seja os alunos e os pais. Não passaria pela cabeça de ninguém, julgo, pôr os contribuintes a decidir a política fiscal, ou deixar que os enfermos definissem os moldes de gestão do parque hospitalar. Quando se trata da educação, porém, os liberais de serviço estão dispostos a ir até ao fim, e raramente hesitam (AAA não está certamente sozinho nesta cruzada intelectual) em proclamar a excelência absoluta do princípio do utente-decisor. Deixar que os pais tivessem voto de qualidade na organização do sistema educativo, e em particular na elaboração dos programas escolares seria, para mim, um erro de extrema gravidade. A privatização total do ensino, com "programas diferentes de escola para escola, numa livre concorrência e sempre salutar" teria o potencial para criar focos de proselitismo, sectarismo e comunitarismo, já para não falar nos prejuízos óbvios que traria para a mobilidade social. AAA afirma que "o seu [do Estado] interesse sempre foi bastante mais obscuro: Ele teme que os pais não incutam nos filhos o conceito de pertença ao Estado, mas antes à sua família e comunidade de vizinhança." Apetece-me dizer: et pour cause! Não me admira (e acho até desejável) que o Estado se dê a tais trabalhos para evitar derivar comunitárias, atendendo a tudo aquilo que de potencialmente explosivo encerra, nas sociedades de hoje, a sobreposição dos valores do grupo (religioso, étnico ou social) aos valores da sociedade e da nação. E desafio AAA a apontar seja o que for de tenebroso ou compulsivo nesse conceito de "pertença ao Estado", tal como este é, diz ele, "incutido" nas jovens e maleáveis mentes. Estamos longe dos tempos em que se entoavam loas ao marechal Carmona nos manuais escolares.
Isto para mencionar apenas os argumentos com uma vaga aparência de cabeça, tronco e membros. Passo em silêncio tiradas como "Ao ser afastado o dirigismo central, desaparecem os compadrios e os interesses obscuros". Demonstrar talento para o humor involuntário é uma coisa; fazer concorrência ao Gato Fedorento é outra. Não se pedia tanto a AAA.
Se não fossem as fotografias (e o que valem elas, na era do PhotoShop?), seria capaz de pensar que todos os cronistas/bloggers do "Dia D" não passam de heterónimos de uma só pessoa, optimista e hiperactiva.
(O artigo em questão encontra-se disponível neste blog, numa entrada do dia 30/10. Não consigo fazer o enlace directo.)
DESILUSÕES HERTZIANAS: O segundo canal da RTP, chame-se ele RTP2, TV2, 2:, "a dois", ou qualquer uma das muitas designações com que o têm ataviado ao longo dos anos, possui um historial de dar tiros no próprio pé que tem que se lhe diga. Da eliminação quase total do cinema à menorização e abandono do formato do magazine cultural diário (embora se deva dizer que o recente "Câmara Clara" me parece ser aposta ganha), passando pelos surtos de desprogramação inopinada de séries e pela inenarrável "Hora Discovery", têm sido legião as opções questionáveis. Daí que, infelizmente, não se possa classificar como totalmente inesperado aquilo que sucedeu à série "Curb Your Enthusiasm" ("Calma Larry!" em português): a meio da quarta série, mais exactamente após a exibição do sexto de dez episódios, eis que desapareceu da programação sem deixar rasto. Se a RTP adquiriu a totalidade dos episódios, porque não os exibe? Se não os adquiriu, por que diacho não o fez?
Não sou fã de séries. Raras vezes me deixo prender por uma. Nunca os (escassos) visionamentos que fiz de "Seinfeld" me despertaram algo que se pudesse confundir com entusiasmo. Mas a minha fidelidade ao "Curb" já se traduzia em nervoso miúdo sempre que, aos sábados à noite, me encontrava longe de casa e da televisão ao aproximar das dez e meia. Acho admirável a maneira como Larry David mistura os registos da sitcom e da reportagem em directo, e a forma como o tom de improvisação potencia os argumentos perversamente bem arquitectados. Vou ter saudades.
(Em condições normais, pensaria em escrever ao provedor da RTP, mas perdi a confiança nele desde que se declarou a favor das transmissões de tourada na televisão, com o argumento de se tratar de um espectáculo legal e de grande adesão popular. Estamos mal quando um provedor se abstém de considerar critérios éticos, e se fica pela vertente jurídica e pelo êxito de bilheteira. Mas divago.)
terça-feira, novembro 14, 2006
CINEMA: Terminei recentemente a leitura de um livro de memórias de Suso Cecchi d'Amico, sob a forma de conversas com a sua neta, Margherita d'Amico. Suso Cecchi d'Amico é uma figura incontornável do cinema italiano, tendo colaborado, como argumentista, em filmes de De Sica (entre os quais "Ladrões de Bicicletas"), Antonioni, Lattuada, Comencini, Zurlini, Rosi e muitos outros. Porém, a sua mais frutuosa relação profissional foi com Luchino Visconti, para quem escreveu ou co-escreveu os argumentos da quase totalidade dos filmes, incluindo obras-primas como "Senso", "Le Notti Bianche", "Rocco e i suoi Fratelli", "Il Gattopardo" e "Gruppo di Famiglia in un Interno".
Procurando informação biográfica sobre esta senhora (ainda me recordo da ocasião em que descobri, para minha surpresa, que se tratava de uma mulher), constato que, aos 92 anos, acaba de assinar mais um argumento, para um filme, que se encontra em pós-produção: "Le Rose del Deserto". Quanto ao realizador, não é outro senão Mario Monicelli, outro histórico, que já completou 91 anos.
Quantos outros exemplos existirão, na história do cinema, de filmes realizados e escritos por nonagenários?
sábado, novembro 11, 2006
REDE ELÉCTRICA EUROPEIA: Afinal, ao que parece, o corte de corrente de há uma semana, que afectou vários países europeus, foi ocasionado pela desactivação de uma linha de alta tensão, por forma a permitir a passagem segura de um navio de cruzeiro por um rio alemão.
Uma manobra desastrada como esta pode acontecer a qualquer um. Ainda assim, tratando-se de uma intervenção de risco, não se percebe por que é que não aguardaram até ao final da exibição do filme na sala 3 do King. Teriam poupado o transtorno e a frustração a algumas dezenas de espectadores.
LIÇÕES QUOTIDIANAS DE GEOGRAFIA: Desde que os gatos Goneril e Jasmim aprenderam a saltar para a bancada da cozinha, abriu a época de caça aos ímanes do frigorífico. De entre estes, os mais vulneráveis, pela reduzida dimensão da superfície magnetizada, são uns que eu trouxe de França, e que vinham como brinde em artigos alimentares pré-cozinhados. Representam departamentos franceses, e estão ilustrados com atracções turísticas e ícones de região. Ultimamente, tem-se tornado ocorrência corriqueira encontrar a França aos pedaços disseminada pelas divisões da casa: Lozère na cozinha, Ardennes no hall, Côtes d'Armor no quarto, Loire Atlantique na sala, Lot-et-Garonne no escritório...
quarta-feira, novembro 08, 2006
CINEMA/LUGARES DE PARIS: No passado sábado, uma avaria eléctrica com origem na Alemanha originou um corte de corrente de grandes proporções, que se estendeu a vários países, e que afectou algumas zonas de Lisboa.
Para as bandas da Avenida de Roma, o corte de corrente ocorreu perto do final de uma sessão do filme "Paris Je t'Aime", no cinema King, mais precisamente durante o segmento realizado por Alexander Payne (o autor de "Sideways", que não vi mas queria ver).
Este episódio pareceu-me um dos mais conseguidos do filme. A história é de uma banalidade descoroçoante: Carol, uma carteira cinquentona de Denver conta, num francês trôpego e cheio de sotaque, as suas férias solitárias de uma semana em Paris. O tom monocórdico e as limitações linguísticas da narradora criam um distanciamento subtil que se coaduna de forma sedutora com a linearidade da narração, em jeito de álbum de memórias inócuo e vagamente ingénuo.
No fim do episódio, Carol, sentada num banco do Parc Montsouris (que é um dos melhores sítios que eu conheço para uma epifania), tem uma revelação que a reconcilia com a vida e com as suas memórias, mais ou menos recalcadas, mais ou menos dolorosas. Em consonância com o resto deste pequeno filme, tudo se passa de forma pudica e corriqueira, e o real significado do evento aparece filtrado pelas dificuldades de expressão em francês que Carol sente.
Por ironia, o corte do corrente, causado (ao que parece) por uma brusca quebra de temperatura em território alemão, coincidiu com o preciso momento em que Carol se preparava para contar a sua revelação.
Durante os minutos que se seguiram, os espectadores do cinema King hesitaram longamente entre partir ou ficar, na esperança de verem satisfeita a sua curiosidade quanto ao conteúdo de uma revelação fictícia de uma turista americana fictícia, no (felizmente real) 14ème arrondissement de Paris.
Aproveito para assinalar com agrado a reabertura da livraria do cinema King, após exasperantes meses de encerramento.
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