PLANO NACIONAL DE RELEITURA: Recebam a minha gratidão, autores do
Cine-Australopitecus e do
Design do Dasein, por se terem lembrado de mim. Como não vejo qual o interesse que poderia ter a lista dos últimos 5 livros que passaram pelas minhas mãos, prefiro elencar 5 dos livros que ambiciono reler num futuro não demasido remoto. (Não que esta lista possa, mais do que a outra, ser de molde a despertar paixões, mas pelo menos compromete-me perante o mundo.)
"Margarita e o Mestre", de Mikhail Bulgakov. O título deveria ser "O Mestre e Margarita"; nunca saberei por que motivo o tradutor português inverteu a ordem dos termos. (A propósito,
Rogério, afinal as notas de rodapé com explicações sobre trocadilhos no original russo são escassíssimas, ao contrário do que a minha claudicante memória me sugeria.) Para além de ser uma das histórias de amor mais improváveis e exaltantes da história da literatura, passar muitos anos sem recordar a passagem do diabo por Moscovo é nocivo a tudo o que seja órgão, sistema e víscera.
"The Life and Opinions of Tristram Shandy, Gentleman", de Laurence Sterne. Li-o demasiado jovem; impõe-se uma segunda dose. A ousadia não deve, só por si, ser uma virtude nas artes, mas pode ser um dos principais auxiliares do génio. Dá ainda que pensar o facto de este prodígio de invenção e humor, repleto de convoluções narrativas e retóricas, ter sido redigido no século XVIII e ter tornado o seu autor famoso. Bela negaça ao lugar-comum do autor incompreendido no seu tempo e exaltado pelos seus vindouros.
"Ulysses", de James Joyce. Passou, julgo, suficiente tempo desde a última leitura para que a próxima se assemelhe à primeira, o que acarreta um deleite ímpar que me entretenho (perversamente?) a antecipar. Talvez desta vez seja de evitar a controversa edição revista por Hans Walter Gabler.
"La Vie Mode d'Emploi", de Georges Perec. Se alguém, alguma vez, me pedisse (isto nunca aconteceu) para me definir em X palavras, ofereceria a essa pessoa um exemplar de "La Vie Mode d'Emploi". Não só seria a atitude mais correcta e menos morosa, como seriam elevadas as probabilidades de fazer um novo amigo.
"Ficções", de Jorge Luis Borges. Antes de ter nas mãos pela primeira vez este livro, as referências que dele me chegavam faziam-me supor um calhamaço com centenas de páginas. Lendo-o, maravilhou-me esse talento quase sobrenatural de Borges para sugerir os abismos do infinito por meio da brevidade, da alusão, da elipse e de um comedimento vagamente cabotino. Será essa a sensação que esperarei reencontrar quando encetar a releitura. O facto de "Pierre Menard, autor do Quixote" ser um dos textos mais subtis e empolgantes que conheço não é detalhe de importância menor.
(Ah, e não passo a ninguém este desafio, nem o original que declinei. Talvez seja caturrice minha, mas acho que a blogosfera estaria mais fresca e airosa sem estes memes, versão mais sofisticada e tongue-in-cheek das cartas em cadeia exortando à oração a São Judas Tadeu.)