sexta-feira, abril 27, 2007
JÁ PARA NÃO FALAR DO COLEÓPTERO NA VARANDA DO SÃO JORGE: Local: Lisboa. Ocasião: filme de Hal Hartley no IndieLisboa, com presença do próprio, que é como quem diz do mesmo. Hartley, altíssimo, desengonçado, com cara de eterno adolescente, revela à audiência aquilo que as pessoas dizem do seu filme: que é "funny and sad", e que as pessoas falam muito depressa. Toca o telemóvel do apresentador português. Hartley: "Your cell phone is ringing. It's someone to tell you that: the film is funny and sad".
Antes do filme propriamente dito, o público é entretido com sugestões publicitárias. Luís Represas canta e interrompe-se no anúncio da cerveja Bohemia. Há quem se dê ao trabalho de bater palmas trocistas, para gáudio de muitos. Hal Hartley deve ter ficado com a impressão de que Luís Represas é um ídolo de portentosa envergadura, e que os portugueses são um povo que ama os seus trovadores com paixão.
O filme é bom, talvez demasiado na linha de "Henry Fool", de que é uma sequela explícita. Parker Posey é uma actriz que dá gosto ver. Constrói uma personagem perante os nossos olhos, mas dando a impressão de a habitar desde sempre. Corresponde na perfeição ao ideal hartleyano de lisura expressiva e bizarria isenta de cabotinismo.
Os meus filmes preferidos de Hartley são "Simple Men" e "Flirt".
E POR FALAR EM TEATRO: Vem estrondosamente a propósito mencionar este blog, de um veterano nestas andanças, onde é divulgado teatro intra e extra-Porto.
TUDO É SUSCEPTÍVEL DE TEATRO: E, com Rivette como patrono, tudo fica mais suculento e resplandecente.
MAS SÃO TRÊS DESEJOS, NÃO É POSSÍVEL: Ribeiro e Castro selou o seu destino quando comparou Paulo Portas a um ovo Kinder. Fosse eu militante de um partido político, perante a contingência de escolher um novo líder, não hesitaria entre um ser de carne, osso e tendão e um ovo de chocolate com surpresa no interior.
Não há indeciso que resista a estes tristes golpes de retórica.
domingo, abril 22, 2007
segunda-feira, abril 16, 2007
domingo, abril 01, 2007
MANET NUM DOMINGO EM TELHEIRAS COM MUITO VENTO:
Nunca tinha prestado atenção a este quadro ("Le Christ Aux Anges", de Manet) até o ver mencionado e comentado por Delfim Sardo, durante o ciclo de conferências sobre arte contemporânea que decorreu recentemente na Culturgest.
Nunca tinha prestado atenção a este quadro ("Le Christ Aux Anges", de Manet) até o ver mencionado e comentado por Delfim Sardo, durante o ciclo de conferências sobre arte contemporânea que decorreu recentemente na Culturgest.
Citando de memória, e confundindo, provavelmente, as ideias de Sardo com as do crítico Thierry de Duve (que ele mencionou), a singularidade deste quadro assombroso reside, antes de mais, na posição do Cristo: sentado, numa postura que possui o abandono do cadáver, mas à qual não falta uma certa majestade. O tema da ressurreição iminente (ou já a decorrer) encontra um equivalente pictórico na ambiguidade da postura. Afastando-se das representações consagradas pela pintura ocidental, nomeadamente as "pietà", Manet denota a mortalidade do filho do Homem através da lassidão muscular que desmente aquela que poderá ser a primeira impressão de um espectador que descubra o quadro: a impressão de estar perante um rei sentado no seu trono.
A esta ambiguidade latente, Manet acrescenta um nível suplementar, de natureza cronológica: o corpo do Cristo sofre um processo que se prolonga no tempo. Ao passo que o corpo é o de um homem morto, as feições evidenciam já o regresso à vida. A presença dos dois anjos (o da esquerda ainda atormentado pelo desgosto, o da direita ciente do que está a ocorrer) reforça a existência de dois momentos, um antes e um depois que enquadram o processo contínuo da ressurreição.
Assim, à execução deste quadro terá presidido a ambição de representar um processo dinâmico, o movimento de um estado de coisas para um novo estado. Tendo em conta aquilo que a evolução da Arte trouxe nos cento e tal anos que se seguiram a este quadro (que data de 1864), não será exagerado atribuir a este propósito de Manet um potencial revolucionário.
(A ferida no flanco de Jesus aparece, no quadro, do lado esquerdo. Tratou-se de um erro factual perfeitamente deliberado da parte do artista, talvez no intuito de traduzir por meio de uma inverosimilhança histórica o carácter conceptualmente invulgar do quadro.)
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