LLANSOL: Raras foram as reacções ao falecimento da escritora Maria Gabriela Llansol que não afloraram questões como o "hermetismo", a "inacessibilidade" ou até um suposto carácter "místico" da prosa desta autora. A obra de Llansol presta-se, certamente, ao debate relativo às exigências, de cariz mais ou menos explicitamente contratual, que um texto deve ou pode estabelecer com o seu leitor, e sem dúvida que dicotomias como "fácil"/"difícil", ou "acessível"/"hermético" podem servir como pontos de partida,
ainda que a um nível muito superficial, para uma discussão séria sobre um dado autor. Mas onde existirá, na imprensa de hoje, espaço para o aprofundamento destas discussões? Não existe, por maior que seja a boa vontade ou a preparação do crítico. Autores como Llansol, pouco mediáticos mas não obscuros, vêem as análises à sua obra confinadas a revistas da especialidade e colóquios, sendo que os fugazes episódios de exposição ao grande público (por ocasião de prémios ou do seu desaparecimento) de pouco servem senão para ajudar a cristalizar noções devidamente moldadas em chavões prontos a usar. Quase seria mais desejável um simples obituário, o mais lacónico possível, num canto de página. (Pelo menos, desta vez, não ouvi ninguém falar em "feminismo" ou em "experiência feminina".)
De certa forma, acho desconcertante que se fale de uma escrita "difícil" a propósito de Maria Gabriela Llansol. É redutor encarar-se uma obra literária como um mero desafio proposto ao leitor, dotado de um prémio final, qual pote de ouro por detrás do arco-íris, chame-se ele "sentido", "moral" ou "desenlace", mais ou menos fácil de alcançar consoante os caprichos do leitor ou o seu apetite pelas armadilhas. Em Llansol, a própria construção do texto, esse labor cuja extrema complexidade e morosidade poucos autores terão compreendido e aceite tão bem como ela, é o desafio permanente, um desafio para o qual o leitor é convocado ao mesmo tempo que o autor o vive. Longe de ser rebarbativa, a prosa de Llansol é atravessada por uma vontade de acolher e envolver. A agudíssima penetração da sua inteligência não é usada para alienar um leitor incapaz de tamanhos voos; serve, isso sim, para mostrar facetas insuspeitadas em noções e entidades, num espaço que é o do quotidiano mas também o da especulação. O sentido da prosa de Llansol é um sentido aparentemente precário e transiente, até mesmo arbitrário, mas ele alicerça-se numa meticulosa exploração das associações entre seres, conceitos, sensações, e as múltiplas manifestações da História e da vivência humana. Os seus livros são um permanente convite ao leitor. A leitura atenta de um livro de Maria Gabriela Llansol é uma das experiências mais gratificantes que a literatura portuguesa dos últimos 100 anos tem para oferecer.
(Não é de hoje, este conflito que eu sinto: por um lado, a certeza de que uma maior cobertura mediática de certos autores não faria mais do que acentuar o ruído de fundo de futilidades que disfarça o essencial da sua obra; por outro, o desejo de que, em Portugal, se soubesse reconhecer aquilo que aqui existe de único e irrepetível em termos de criação artística.)