A HORA RIVETTE(5): Às vezes, a leitura das folhas da Cinemateca torna-se uma experiência penosa. Por exemplo, a folha dedicada a "L'Amour par Terre", de Rivette, da autoria de Antonio Rodrigues, repleta de afirmações no mínimo contestáveis.
Pascal Bonitzer será um "bom crítico"? O extraordinário livro que Bonitzer dedicou a Éric Rohmer parece-me demonstrar à saciedade que o adjectivo "bom" é, neste caso, um brutal eufemismo. Trata-se de uma questão de opinião, bem entendido. Qualquer um é livre de chamar a Bonitzer um "bom crítico", assim como qualquer um é livre de chamar a Sven Nykvist um "técnico competente".
Bonitzer será "um daqueles franceses pedantes, mas com estofo, que sabe do que está a falar"? Eu diria, isso sim, que Bonitzer é um daqueles franceses (como se a nacionalidade fosse aqui relevante) suficientemente inteligente, erudito, agudo e articulado para ser apodado de "pedante" por aqueles a quem a inteligência, a erudição, a agudeza e a articulação excessivas causam escândalo.
Bonitzer é "péssimo realizador"? Dos
seis filmes por ele realizados, apenas vi "Rien sur Robert" e "Petites Coupures". O primeiro é uma comédia vagamente existencial, que funciona também como engenhosa sátira do meio
intello parisiense, valorizada por esses actores geniais que são Sandrine Kiberlain e Fabrice Luchini. O segundo é uma exploração, densa e sombria, da fugacidade das relações humanas. Mais uma vez, trata-se de uma questão de gosto, mas diabos me carreguem se consigo conceber como é que alguém, de entre todas as combinações de adjectivo e grau que a riqueza da língua portuguesa coloca ao seu dispor, se lembra de "péssimo" para qualificar a obra de realizador de Pascal Bonitzer.
Bonitzer "tornou[-se] uma espécie de superego de Rivette"? Em psicanálise não me meto, mas caramba...
Rivette só utiliza, neste filme, actores que nunca tinham trabalhado com ele, à excepção de Jean-Pierre Kalfon? É falso. Já trabalhara com Geraldine Chaplin em "Noroît".
O cinema de Rivette fora, até então, "terrivelmente sério, desprovido da menor gota de humor"? É caso para perguntar se o autor desta folha viu mais algum filme de Rivette. "Le Coup du Berger", "Paris Nous Appartient", "L'Amour Fou" (recorde-se a cena das matrioskas), "Out 1" (recorde-se o inenarrável monólogo de Rohmer sobre Balzac, dirigido a um Jean-Pierre Léaud pretensamente mudo) e "Noroît" são filmes onde o humor se encontra presente, e não certamente em doses homeopáticas. Quanto a "Céline et Julie Vont en Bateau", qualificá-lo de outra forma que não de "comédia" é atentar ao seu espírito de forma flagrantíssima.
Felizmente, revi ontem "Haut Bas Fragile", filme que possui a virtude de atenuar todas as frustrações, contrariedades e arrelias.