sábado, janeiro 31, 2009
segunda-feira, janeiro 26, 2009
FADO, FÁTIMA E GODARD: A minha parte preferida do trailer de "Amália" é aquela em que um espectador, erguendo-se da plateia com um ímpeto que denuncia a mais genuína indignação, urra "FASCISTA!!!".
Faz-me recordar uma outra cena, de um filme de Godard ("Masculin Féminin", se não me falha a memória cada vez mais falível). Jean-Pierre Léaud está sentado num cinema, na marmelada com uma jovem. Um espectador, sentado algumas filas mais atrás, pede-lhes silêncio. Léaud volta-se e sai-se com um "Cala-te, trotskista!".
domingo, janeiro 25, 2009
CUIDADO COM AS IMITAÇÕES: Há cerca de uma semana, fui assistir a uma peça pelo grupo norte-americano Elevator Repair Service. Poucos dias depois disso, vi-me na contingência de telefonar para o serviço de reparação de elevadores. Se isto é a vida a imitar a arte, não poderia a vida fazer um trabalhinho mais escorreito?
terça-feira, janeiro 20, 2009
SARILHOS GRANDES: O cidadão José Policarpo, a cujas perorações a comunicação social continua a atribuir relevo desproporcionado à importância e ao tino da personagem, tem arrobas de razão. Uma mulher católica arrisca-se a um sem fim de sarilhos se se casar com um muçulmano. A inversa não é menos verdadeira. O mesmo se aplica a uma católica que case com um xintoísta, a um amish que se case com um bahá'í ou a uma testemunha de Jeová que se case com um cristão ortodoxo. Todas as decisões importantes da vida acarretam o potencial para a desgraça ou para a felicidade. Não há antídoto contra o risco, mas há coisas que podem ajudar. Por exemplo: ter sempre em conta que o casamento é uma união entre duas pessoas livres, que se amam e querem construir uma vida em comum; dispensar a canga de preceitos, atavismos e prescrições que as religiões insistem em associar ao matrimónio; ignorar as cristalizações sectárias e mesquinhas com que a sociedade, os cleros e a tradição conspurcam a união entre dois seres.
Se não estivesse tão ocupado a tactear, à socapa, os seus próprios telhados de vidro, o cidadão José Policarpo talvez libertasse uma parcela do seu discernimento e se recordasse de todas as mulheres catolica, apostolica, submissa e romanamente casadas que, século após século, se meteram em "sarilhos" inenarráveis por culpa de uma mentalidade misógina que a Igreja raramente hesitou em sancionar.
EXTREMOS, NÃO SEI SE SE TOCAM OU NÃO: Depois de acabar "Myra", de Maria Velho da Costa, cuja redacção foi concluída a 25 de Julho de 2008, li "Gliglois", romance arturiano de autor anónimo, escrito na primeira metade do século XIII. Não me move a ambição de bater recordes de separação epocal entre leituras consecutivas, mas registe-se.
(Não sei se ainda está na moda a expressão "from Beowulf to Virginia Woolf" para descrever certos programas de literatura inglesa.)
domingo, janeiro 18, 2009
YOKNAPATAWPHA MEU AMOR: Local: Grande Auditório da Culturgest. A poucos minutos do início da peça "The Sound and the Fury (April Seventh, 1928)", pelo grupo norte-americano Elevator Repair Service, um espectador da primeira fila, talvez impaciente com a espera, decidiu levantar-se e passear-se pelo cenário. Este impulso de mergulhar no imaginário faulkneriano pareceu-me uma coisa nobre e espontânea, e certamente não merecedora do olhar horrorizado do arrumador, que se apressou a pôr na ordem o transgressor. Como tributo, foi pelo menos tão sincero, e certamente mais inócuo para o próprio, do que este.
RECTIFICAÇÃO: Da entrevista a V.S. Naipaul publicada na última edição da revista "Ler" consta, a páginas tantas, o seguinte: «Hardy parou de escrever romances em 1895, quando tinha 25 anos. Não morreu. Tornou-se um homem bastante velho. Escreveu poesia nos seus dias de idade mais avançada.» Algo não batia certo. Escrever "Far From the Madding Crowd", "The Return of the Native", "Tess of the D'Urbervilles" e "Jude the Obscure" antes dos 25 anos representaria um caso de precocidade inverosímil. Nem foi necessário, auxílio online, bastou o meu fiel "Concise Oxford Companion to English Literature". Foi aos 55 anos que Hardy abandonou a ficção e se dedicou à poesia. Resta saber se o lapso se deveu a erro de transcrição ou à falibilidade da memória de "Sir Vidia". Em todo o caso, um pouco mais de genica no fact-checking não teria ficado mal à "Ler".
terça-feira, janeiro 13, 2009
FILMES DO ANO (2): Siga o rol, agora com filmes vistos em festivais e nas formosas instalações da Barata Salgueiro. Ordem cronológica.
- "L'Amour par Terre", de Jacques Rivette
- "The Scarlet Empress", de Josef von Sternberg
- "True Heart Susie", de D.W. Griffith
- "Distant Voices, Still Lives", de Terence Davies
- "The Wind", de Victor Sjöström
- "Paris Vu Par...", de Douchet, Rouch, Pollet, Rohmer, Godard e Chabrol
- "10 on Ten", de Abbas Kiarostami
- "Muriel ou le Temps d'Un Retour", de Alain Resnais
- "Le Genou d'Artemide"/"Itinéraire de Jean Bricard", de Straub e Huillet
- "Un Baiser s'il vous Plaît", de Emmanuel Mouret
- "L'Aimée", de Arnaud Desplechin
EM CÂMARA LENTA, COMO NA TV: Sem surpresa, de todas as resoluções de novo ano publicadas pelo jornal "Metro" no passado dia 11, as de Rui Reininho (53 anos, músico) são as únicas dignas de citação.
«Agora que estou mais tempo em Leça, vou ver se retomo o tai-chi-chuan, a arte marcial em câmara lenta, que para o equilíbrio é muito boa.»
A associação entre Leça e tai-chi-chuan, que na boca de qualquer outro seria um dislate lamentável, parece fazer sentido (e quiçá harmonizar-se com a ordem cósmica) quando o seu fautor é Rui Reininho.
domingo, janeiro 11, 2009
FILMES DO ANO: Não tenho pudor em, à minha modesta escala, produzir umas gotículas de história. As experiências que vivi terão, mais tarde ou mais cedo, de se transmutar em filamentos da história pessoal - ou então serem aniquiladas. Tanto faz ser agora, e sob esta forma consagrada pelos cânones, do que noutra altura e de outra maneira. Qualquer benefício colateral, para mim ou para o leitor, é bem-vindo, mas é de alimentar um cânone íntimo que se trata.
Começo pelos filmes estreados em 2008 (ordem cronológica):
- "Syndromes and a Century", de Apichatpong Weerasethakul (em Cambridge)
- "No Country for Old Men", dos irmãos Coen
- "Ne Touchez Pas la Hache", de Jacques Rivette (em Cambridge)
- "Three Times", de Hou Hsiao-Hsien
- "I'm Not There", de Todd Haynes
- "Nightwatching", de Peter Greenaway
- "Les Amours d'Astrée et de Céladon", de Éric Rohmer
- "Aquele Querido Mês de Agosto", de Miguel Gomes
- "Mal Nascida", de João Canijo
- "La Frontière de l'Aube", de Philippe Garrel
Seguir-se-á a lista dos filmes vistos na Cinemateca ou em festivais.
MORANGOS COM AÇÚCAR: A mãe da Catarina (cujo nome me escapa) empregou, numa cena de há dias com o pai da Beatriz (cuja graça também não me acorre à lembrança, neste momento) uma expressão deliciosa: "Homem de Deus!". A par de "Homessa!" e "Criatura!", é uma das expressões que mais merece ser acarinhada, e encorajada pelos autores de ficção televisiva nacional.
Entretanto, a Madalena e o Rodrigo, claramente um dos casais nucleares desta série, já caíram nos braços um do outro. Estamos em Janeiro. Até ao Verão, haverá tempo de sobra para uma zanga e uma reconciliação. Que os "Morangos" funcionam por ciclos e contraciclos românticos é algo que se tornou evidente desde os tempos fundadores do Catarré e da Benedita Pereira.
quinta-feira, janeiro 08, 2009
DE UM TEMPO AUSENTE: A livraria Lello, no Porto, é considerada por muitos uma das mais belas do mundo. Outro dia, descobri nas suas estantes um exemplar do meu romance "Benoni", esgotado há anos. Este desconcertante anacronismo não deixou de contribuir, aos meus olhos, para o encanto muito peculiar desta livraria. A capacidade de inverter a seta do tempo é virtude tão ou mais recomendável do que uma sumptuosa escadaria de madeira maciça.
LEITURAS DE NATAL:
- "Americana", de Don DeLillo
- "O Homem ou É Tonto ou É Mulher", de Gonçalo M. Tavares
- "Paisagem Sem Barcos", de Maria Judite de Carvalho
E ainda "Antigos Mestres", o meu primeiro Thomas Bernhard. Um dos melhores livros que me passou ultimamente pelas mãos. Espero escrever alguma coisa sobre ele, em breve.
LAPSO SOBRE UM LAPSO: Durante algumas horas horrorosas, convenci-me de que tinha deslinkado por engano o "Dias Felizes". Afinal não passou de falso alarme, imputável ao frio polar e às arrelias da vida em geral. Mas custou-me deixar passar em claro uma oportunidade de dizer que o "Dias Felizes" continua a ser provavelmente o melhor blog português. E, se houvesse que retirar uma palavra à frase anterior, seria o "provavelmente".
Cuidado com os espectros garrelianos lá para as bandas do Campo Alegre.
quarta-feira, janeiro 07, 2009
PODIA REPETIR, FOR FAVOR?: Pode ter sido por falta de atenção da minha parte, mas não me passou pelos olhos uma única lista de melhores filmes de 2008 da qual constasse "Mal Nascida", de João Canijo. Talvez o principal motivo tenha sido, muito singelamente, um consenso crítico menos favorável do que o reservado a "Noite Escura". Quer-me parecer que uma outra razão possível terá sido a relativa semelhança de registos entre os dois filmes, que terá levado muitos a pensar estarem a assistir a uma mera recauchutagem do mesmo dispositivo formal por parte do realizador, que assim daria mostras de défice de criatividade. Se assim foi, não poderia estar mais em desacordo. "Mal Nascida" repete procedimentos de "Noite Escura" (o trabalho com o som, os movimentos de câmara aparentemente arbitrários mas sempre em profunda consonância com as tensões de cada cena), mas está longe de sugerir estagnação formal.
Vezes sem conta tenho constatado uma tendência para certos realizadores serem acusados de se repetirem, ou de fazerem sempre o mesmo filme, apenas porque retomam certos detalhes de estilo de uma obra para outra. Um bom exemplo disto foi o modo como "Aprile", de Moretti, foi acolhido com uma indiferença digna de um parente pobre, depois do triunfo de "Caro Diario". Felizmente, cineastas como Rohmer, Kiarostami ou Wong Kar Wai não se deixam apoquentar por opiniões tacanhas e continuam a filmar como muito bem entendem, repetindo-se gloriosamente e gloriosamente reinventando por completo a sua arte a cada filme.
TABUS: Nos dias que correm, nenhum jornal, revista, filme ou série comete o deslize de ter tabus. Melhor ainda, apregoam o seu estatuto livre de tabus com ponderado orgulho. A tal ponto se tornou banal esta reivindicação que a única maneira de ser original hoje em dia, logo ousado, logo verdadeiramente escabroso, é reclamar o tabu e a inibição como virtudes. Pessoalmente, eu dificilmente resistiria a ver, digamos, um talk-show assumidamente condicionado por tabus. Os convidados e o anfitrião discutiriam livremente, instalados em confortáveis sofás, até ao momento em que alguém aflorasse um dos tabus (publicamente assumidos, como é natural, à laia de estatuto editorial). O sangue afluiria mansamente às faces, os olhares acanhados divergiriam uns dos outros, e haveria uma minúscula pausa prenhe de pudor. Após o que alguém mudaria de assunto, com todo o tacto. Usar de rodeios seria não só permitido, como encorajado. A arte da elipse, do eufemismo, da litote, só teria a ganhar com tudo isto.
segunda-feira, janeiro 05, 2009
PUBLICIDADE ENGANOSA: Saiu finalmente (com semanas de atraso relativamente à data anunciada) a caixa "Contos Morais" de Rohmer, editada pela Atalanta e pela Fnac. No pequeno texto de introdução a "Ma Nuit Chez Maud", afirma-se que Rohmer recebeu o Óscar (TM, © e quejandos) de melhor argumento. A minha estupefacção foi, compreende-se, grande. Decidido a tirar tudo a limpo, fui verificar a veracidade da asserção. Enquanto se fazia ouvir aquele rumor muito meigo que acompanha o regresso das coisas à sua ordem natural, constatei que "Ma Nuit Chez Maud" foi meramente nomeado para o Óscar de melhor argumento original, relativo ao ano de 1970, tendo este sido atribuído a Francis Ford Coppola e Edmund H. North por "Patton".
Teve o seu encanto nutrir a visão de uma estatueta dourada no escritório de Rohmer, servindo de aperta-livros para a edição Pléiade das obras completas de Pascal.
PARECE QUE FOI NATAL, E QUE JÁ PASSOU: A pausa natalícia interrompeu o caudaloso fluxo de posts que tem caracterizado este blog, e os leitores não foram avisados, o que é uma vergonha.
Estimo que tenham passado uma agradável pausa natalícia e anonovícia.
Para este ano de 2009 não faço promessas, nem declarações de intenção. Apenas um grito que me sai bem do fundo das entranhas: Quero ver o filme "Ashes of Time Redux", de Wong Kar Wai!!!
Um portentoso ano novo para todos, e deixo-vos apenas com mais uma ideia: turrón de chocolate com licor Cointreau.
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