domingo, junho 28, 2009

É ASSIM MESMO: «O filme não apresenta a legenda "fim". Não se trata de corte. É assim mesmo a sua conclusão.» (aviso ao espectador na folha da cinemateca do filme "O Último Tango em Paris")

quarta-feira, junho 17, 2009

Il ne sait pas si c'est le monde qui est en train de devenir rêve ou le rêve, monde. (JLGodard)

(Henri Matisse, "A Cortina Amarela", 1914-15)

terça-feira, junho 16, 2009

MORANGOS COM AÇÚCAR: Nesta série da TVI, tão do agrado do público mais jovem, muito pranto e ranger de dentes se tem feito ouvir, por causa de um acidente da responsabilidade do António, alcoólico em vias de recuperação. A Beatriz, que ia com o António, sofreu ferimentos que deixaram sequelas, sob a forma de uma alegada cicatriz no pescoço. Digo "alegada" porque, não obstante todos os meus esforços nesse sentido, nunca consegui ver a cicatriz. A cicatriz deveria ser desfigurante, a ponto de justificar todas as recriminações que o António dirige a si mesmo, mas não se vê. Chego ao ponto de ver abaladas as minhas certezas quanto à existência da cicatriz, sendo obrigado a refugiar-me na fé. Chego ao ponto de comparar o estatuto ontológico da cicatriz com o da bola de ténis da sequência final de "Blow Up", de Michelangelo Antonioni.
AND NO MORE TURN ASIDE AND BROOD/UPON LOVE'S BITTER MYSTERY: O Bloomsday original foi há 105 anos. Hoje foi dia de andar com uma batata num dos bolsos, e com uma carta pseudónima noutro bolso, e de caminhar pela praia de olhos fechados, e de comer rim de porco ao pequeno-almoço e pão com queijo ao almoço e de beber cacau à ceia. E de olhar com secreto despeito para todos aqueles que, na convicção de ser este um dia igual aos outros, não se entregaram a estes rituais.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Nos degraus de entrada da Faculdade de Belas-Artes, uma jovem lia um volume de poemas de Robert Burns, no original, assim respondendo categoricamente, e na afirmativa, à pergunta que brota de todos os lábios: será que ainda alguém lê Burns nos dias de hoje?

domingo, junho 14, 2009

RECORDAÇÕES DE PARIS (7): A música tocada ao vivo nos transportes públicos era, regra geral, de fraca qualidade, repetitiva e interpretada sem paixão. Foram poucas as ocasiões em que dela retirei genuíno prazer. Uma dessas vezes ocorreu num dos muitos trajectos Paris-Orsay que efectuei. Um guitarrista solitário tocou e cantou "Don Juan", que é desde então uma das minhas canções preferidas de Brassens. Gloire à qui freine à mort, de peur d'ecrabouiller Le hérisson perdu, le crapaud fourvoyé Et gloire à don Juan, d'avoir un jour souri A celle à qui les autres n'attachaient aucun prix Cette fille est trop vilaine, il me la faut
RECORDAÇÕES DE PARIS (6): Dos 15 dias que passei na residência de estudantes dinamarqueses, na Cité Universitaire, recordo sobretudo duas coisas: a vaga de calor que Paris atravessava, por essa altura, e os dois únicos CDs que tinha comigo ("Impromptus", de Schubert, por Radu Lupu, e uma antologia de France Gall). Havia também umas uvas deliciosas, precioso auxiliar na luta contra o calor e a sede.

quinta-feira, junho 11, 2009

WHAT'S NOT TO LIKE ABOUT THESE GUYS?:
Não era precisa (mas lá que ajuda ajuda) a expressão destas afinidades electivas, com destaque para a número 3, para eu gostar dos Nature Theater of Oklahoma. Bastava ter visto "Romeo and Juliet" a produção que trouxeram recentemente ao Teatro Maria Matos. "Romeo and Juliet" baseia-se em conversas em que era pedido aos interlocutores que contassem, de memória, o enredo da peça de Shakespeare. Num autêntico golpe de génio, os actores (magníficos Anne Gridley e Robert M. Johanson) dão voz a essas conversas, às hesitações, tropeços e fantasias típicas de quem se tenta recordar de uma história (aprendida outrora, na juventude, no liceu...) com a ênfase e a dicção de actores Shakespeareanos, um tudo-nada cabotinos. O efeito de distanciamento é desconcertante. Em vez do amor entre Romeu e Julieta, em vez da Verona dos Capuletos e dos Montecchios, o que é trazido à cena é a tragédia processada pela falível memória humana, pela invenção, pelo esforço inglório de reconstrução de um enredo de que apenas restam algumas balizas, uma ou outra personagem, um punhado de citações, alguma cena mais forte (a varanda, sempre a varanda). A aposta é claramente ganha: recordo-me de poucas peças em que um efeito cómico imediato (muito se riu na plateia completamente cheia, nessa noite) seja conjugado de forma tão feliz com a inteligência formal.

(Sentir-me-ia mal com a minha consciência caso não deixasse uma palavra de apreço para a terceira personagem da peça: um ponto vestido de ave que parecia saída da Rua Sésamo. A sua dança silenciosa arrancou algumas das mais sonoras gargalhadas da noite.)