terça-feira, dezembro 29, 2009

PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: "Rayuela", de Julio Cortázar. Com uma introdução de Andrés Amorós mais longa do que certos romances que já li (por exemplo, "Os Três Seios de Novélia"). A capa da edição que estou a ler é ligeiramente diferente (quadro de Bonnard em vez do jogo da macaca). O Natal é quando um homem quiser, ler a "Rayuela" é quando um homem quiser, e eu quis agora.
O PROBLEMA DA HOMOSSEXUALIDADE É COMPLICADO, OU RUI MACHETE NO SEU MELHOR:
«O casamento gay não é um problema nacional. Sou católico e acho que o casamento para os católicos não é o casamento gay. Não pode ser. Embora tenha respeito pelas pessoas e consideração pelas suas liberdades. Porque o problema da homossexualidade é complicado. Se o Estado acha que é verdadeiramente importante que se discuta e se faça, sobretudo se isso não significar, o que é difícil, um certo abaixamento do nível moral e dos costumes... Isso pode ser feito de várias maneiras, de uma maneira decente e de uma maneira menos decente, só que, de facto, esse não é o principal problema que nós temos.» (Entrevista ao jornal "Público", 27/12/2009.) Que pena é os entrevistadores não terem aprofundado este tema, em vez de (talvez por pressentirem a catástrofe iminente) mudar a agulhagem e abordar o tema do orçamento. Entre as questões que me surgiram, as que mais estimularam a minha curiosidade foram: a) Porque é que, na opinião do Dr. Rui Machete, a homossexualidade é um "problema complicado"? b) Porque será tão difícil que a aprovação do "casamento gay" ocorra sem "um certo abaixamento do nível moral e dos costumes"? Basear-se-á o Dr. Rui Machete na intuição, na dedução, ou na observação de exemplos como a Espanha, onde (é bem sabido) a dissipação e o deboche atingiram níveis históricos após a aprovação dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo? c) Quais são as maneiras "decente" e "menos decente" de promulgar o "casamento gay"? (Tremo só de pensar.)
BOM-SENSO SFF: Aqui há dias, saiu no jornal "Público" uma peça sobre as fases do processo legislativo relativo à alteração do Código Civil que permitirá o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Uma das principais preocupações do autor do artigo foi a de sondar as probabilidades de o processo estar concluído antes da visita a Portugal, prevista para Maio, do cidadão anteriormente conhecido por Joseph Ratzinger. Pasma-me a importância que se atribui a esta visita; mais do que pasmar, indigna-me que se admita sequer que a presença do regedor de um bairro romano (acessoriamente, chefe de estado de uma nação de duvidosíssima legitimidade) possa condicionar um processo que deveria depender apenas da constituição portuguesa e das decisões individuais dos magistrados competentes.

sábado, dezembro 26, 2009

PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: Processo de folheamento já concluído, em boa verdade. É o quarto e penúltimo episódio da saga de Tom Ripley. O quinto já está comprado, e não é de esperar que acumule muito bolor na lista de espera. A dada altura, Ripley está em Berlim, hospedado em casa de um indivíduo que se entrega ao tráfico de pedras preciosas. Sozinho no apartamento, Ripley decide inspeccionar aquilo que parecem ser as obras completas de Schiller, numa estante, convencido de que se trata de um esconderijo; afinal, são mesmo livros de Schiller. Um dos encantos do romance reside na maneira como a economia narrativa, as frases directas e isentas de ornamentação, o despojamento estilístico, coexistem com esporádicas incursões na irrelevância.

sábado, dezembro 19, 2009

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um jovem lia "Os Passos em Volta", de Herberto Helder, no metropolitano. Uma capa cor-de-laranja na linha verde, essa mesma que une Telheiras ao Cais do Sodré, e vice-versa.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

PIERRE MENARD, AUTOR DE "PIERRE MENARD, AUTOR DO QUIXOTE": Alguém, algures, alguma vez se atreverá a reescrever "Pierre Menard, autor do Quixote"? Uma pitada de recursividade não deixaria de realçar os atractivos deste imortal conto de Borges. (Nota: parte de um sonho.)

sexta-feira, dezembro 11, 2009

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Uma senhora lia "Marius", de Marcel Pagnol, na pastelaria Alsaciana. Ignoro se a incongruência geográfica era involuntária ou tongue in cheek. Um cavalheiro lia o "Mahabharata" no bar da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

terça-feira, dezembro 01, 2009

MINARETES E LAICIDADE: Como é seu costume, o Ricardo é certeiro naquilo que escreve sobre a polémica dos minaretes na Suíça (aqui e aqui). Concordo com tudo e assino por baixo. A transcrição dos excertos da Carta Constitucional e da Lei da Separação é oportuna, e serve para demostrar que, com o resultado deste referendo, a Suíça recuou, em termos de tolerância para com religiões não cristãs, para os níveis do Portugal pré-5 de Outubro de 1910. A verdadeira laicidade é incompatível com limitações à liberdade de culto, sobretudo se se tratar de limitações selectivas, ao sabor da evolução de sensibilidades islamófobas. Quanto àqueles que colocam no mesmo patamar a restrição à edificação de minaretes e a remoção dos crucifixos das salas de aula, ou bem que pecam por ignorância ou bem que pecam por pura e não adulterada má fé. Receio bem que os segundos sejam em número muito superior aos primeiros, e temo por isso que a límpida argumentação do Ricardo acabe por redundar em perda de tempo. Quem não vê algo de tão óbvio está para lá do alcance da lógica e da razoabilidade.