terça-feira, janeiro 19, 2010

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Ainda não avistei uma única pessoa a ler Roberto Bolaño em lugares públicos. Que conclusões se podem retirar daqui? Rigorosamente nenhumas.
DIZ QUE DISSE: Pelos vistos, o fact-checking não é actividade muito prezada nos selectos clubes ingleses que João Carlos Espada frequenta. Nesta crónica, o homem que semanalmente explica Popper e Hayek (o Friedrich, não a Salma) às criancinhas e às massas baseia a sua argumentação sobre a liberdade e os seus inimigos numa citação atribuída a Afonso Costa, que teria proclamado alto e bom som a sua intenção de acabar com a religião católica em Portugal em duas gerações. Este é um dos mitos mais fortemente enraizados na história da 1ª República. Chamo-lhe "mito" porque nunca li qualquer confirmação, devidamente fundamentada, desta suposta afirmação. O mito encontra-se desmontado aqui. Não sou historiador; ignoro se existem teses alternativas. Mas acho sintomático que nunca os críticos da 1ª República se dêem ao trabalho de conspurcar os seus imaculados artigos de opinião com uma referenciazita bibliográfica, uma migalha de legitimidade historiográfica que transmitisse ao leitor a impressão de estar perante factos, em vez de meras ideias feitas com um grau de veracidade comensurável com o milagre de Ourique. Como toda a crónica do Prof. Espada se servia como alicerce dessa alegada intenção de aniquilar o catolicismo, a sua validade sofre um certo abalo. O que é pena: os devaneios sobre Isaiah Berlin, liberdade positiva e liberdade negativa merecem ser seguidos, quanto mais não seja para aferir até onde pode ir uma retórica em roda livre, singularmente refractária à realidade. As conclusões, essas, não surpreenderão os leitores habituais do Prof. Espada, entre os quais, bem entendido, tenho a honra de me contar: só na Inglaterra e nos Estados Unidos se vive bem. Aliás, a Inglaterra é amiúde apontada pelo Prof. Espada como exemplo, embora as descrições que dela faz mais depressa evoquem uma nação imaginária (onde imperam o bom senso e a benevolência, onde gregos e troianos convivem pacificamente sob o olhar amável dos bobbies, e onde todos vivem e deixam viver) do que a Inglaterra real, um país que vem no mapa, que tem 51 milhões de habitantes, cuja capital é Londres e onde sucedem coisas como esta. (Francisco Sarsfield Cabral também se juntou ao número dos que atribuíram a Afonso Costa o mesmo propósito explicitamente catolicida. Foi no Público, penso - não tenho o link.)

quinta-feira, janeiro 14, 2010

"RAYUELA", NOTAS DE LEITURA: Ao contrário do que seria de esperar, gostei mais da parte do livro que se passa na Argentina, depois do regresso de Oliveira do exílio parisiense. O convívio com o amigo Traveler e com Talita, a mulher deste, dá origem a páginas de uma profundidade de observação e de uma invenção cómica desconcertantes. É particularmente notável o capítulo 41 (ao que parece, aquele que Cortázar escreveu em primeiro lugar), todo ele um prodígio de burlesco e absurdo, onde Talita se empoleira numa ponte improvisada entre duas janelas de terceiro andar, apenas para entregar a Oliveira um pacote de erva-mate, e onde se aprende mais do que em qualquer outro lugar acerca dos complexos laços que unem o triângulo e do desespero sobre o qual se recortam todas as acções de Oliveira. Gekrepten, a noiva de Oliveira que por ele esperou durante o exílio, poderia ser o vértice que faltava para o triângulo se transformar em quadrado, decerto mais estável e menos atravessado por tensões. Mas Gekrepten é uma personagem insípida, deliberadamente menorizada. Gostaria imenso de saber a origem deste nome, tão invulgar, aparentemente tão pouco devedor da eufonia, e que contudo tanto gosto de repetir. Gekrepten, Gekrepten. O Google, por uma vez, não ajudou.
SOMETIMES IT'S WISER TO BE TRUTHFUL THAN TO LIE, SO YOU WON'T BE BELIEVED. DON'T YOU BELIEVE ME?: Ainda não consegui reunir a coragem para escrever sobre Rohmer, por isso fico-me por esta chamada para um artigo brilhante sobre os paralelismos entre "Triple Agent" e um conto de Nabokov. Outra vez o paradoxo do bluffer sincero, outra vez esta frase, uma das minhas preferidas de toda a obra de Rohmer. Já não me lembrava da cena do jogo de xadrez.

quarta-feira, janeiro 13, 2010

E OUTROS POSTS: Há também "Léah e outras histórias", do sempre recomendável José Rodrigues Miguéis. Claro que o cúmulo do refinamento seria um livro intitulado "Esta História e outras histórias". Sonhar não custa. E a propósito, deixa-me completar a frase que, decerto por culpa de compromissos inadiáveis, ou de um visitante de Porlock, foste compelido a truncar. «Os melhores autores de contos de todos os tempos foram o Isaac Babel e o Leonard Michaels, sem contar com a Katherine Mansfield, está bem de ver Era isto, não era?
MORTE AOS MITOS!: Um estudo recente colocou em causa a existência do ponto G. Eu sou a favor dos esforços de contestação das verdades adquiridas, desde que alicerçados no rigor e na objectividade. Por exemplo, dentro do mesmo espírito, estaria na altura de se averiguar, de uma vez por todas, se existe o famigerado "petit pan de mur jaune" a que o escritor Bergotte, na obra magistral de Marcel Proust, dedicava tão profunda admiração, . Tenho examinado longamente o quadro de Vermeer, e "petit pan de mur jaune" é coisa que não distingo, nem com a minha lendária boa vontade. Desconfio que o "petit pan de mur jaune" nunca existiu, e sinto-me aliviado por verificar que consigo viver com essa hipótese. Não sou eu o único a nutrir estas dúvidas cruéis, semelhantes a vermes em maçã Granny Smith.
PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: Continua a onda sul-americana.

segunda-feira, janeiro 11, 2010

ÉRIC ROHMER (1920-2010): Um dos maiores, um dos maiores de sempre, um dos maiores em tudo. Ainda não tenho palavras. Só o desgosto.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

LHASA DE SELA (1972-2010): Nunca fui fã. Porém, circunstâncias da minha vida obrigaram-me, a dada altura, a reservar-lhe um pequeno nicho no meu imaginário e no meu disco rígido. De entre as suas canções, a minha preferida é "My Name" (de "The Living Road").
E PRONTO: E pronto, já está. E eu, a quem a ideia de ter "orgulho em ser português" provoca algo de semelhante à náusea, e que só toco na locução "dia histórico" com uma vara de 5 metros, vejo-me à míngua de expressões que não sejam essas, para dar conta do que sinto. Foi um dia histórico. E sinto orgulho em ser português. Por uma vez. «...pour un instant. Pour un instant seulement» como dizia o Brel.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

BALANÇO DO ANO (LIVROS): Os livros lidos em 2009 de que mais gostei. Por ordem cronológica de leitura.
  • Antigos Mestres (Thomas Bernhard)
  • The Matisse Stories (A.S. Byatt)
  • Dream of Fair to Middling Women (Samuel Beckett)
  • Armance (Stendhal)
  • Fanny Owen (Agustina Bessa-Luís)
  • Dom Casmurro (Machado de Assis)
  • Bleak House (Charles Dickens)
  • La Princesse de Clèves (Madame de Lafayette)
  • Anatomy of Restlessness (Bruce Chatwin)
  • Les Plaisirs et les Jours (Marcel Proust)
  • Jacobo e outras histórias (Teresa Veiga)
Quanto à poesia, as minhas leituras foram menos sistemáticas e mais escassas, mas não queria deixar de salientar Blaise Cendrars e Rui Coias ("A Ordem do Mundo").
BALANÇO DO ANO (CINEMA): Os melhores filmes que vi em 2009, por ordem cronológica de visionamento: Estreias:
  • El Cant dels Ocells (A. Serra)
  • La Mujer Sin Cabeza (L. Martel) (talvez o melhor do ano)
  • Les Plages d'Agnès (A. Varda)
  • The Limits of Control (J. Jarmusch)
  • 35 Rhums (C. Denis) (não vi este filme belíssimo em nenhum top anual, shame, shame)
Festivais, cinemateca, etc.:
  • filmes de Angela Schanelec (Schöne Gelbe Farbe, Ich Bin den Sommer Über in Berlin Geblieben, Plätze in Städten)
  • Quatre Nuits d'Un Rêveur (R. Bresson)
  • I Clowns (F. Fellini)
  • Ashes of Time Redux (Wong Kar-Wai)
  • Comment Je Me Suis Disputé... (Ma Vie Sexuelle) (A. Desplechin)
  • Die Marquise von O... (E. Rohmer)
  • Ensayo de un Crimen (L. Buñuel)
  • Shirin (A. Kiarostami)
  • Partie de Campagne (J. Renoir)
  • L'Annonce Faite à Marie (A. Cuny)
  • Na Presença de Um Palhaço (I. Bergman)
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: No Alfa Pendular, entre Porto e Lisboa, uma senhora lia um livro de Günter Grass. Infelizmente, não consegui descobrir qual era o livro.
VAMOS A VOTOS: O 1bsk deseja a todos os seus leitores, amigos, conhecidos, assinantes, benfeitores, mecenas, colaboradores, pessoal administrativo, antigos alunos e agentes inflitrados um ano novo cheio de bolos de arroz, boas leituras, cinema de qualidade e a cores, boa comida, amor e carinhos vários, música do melhor que há, tudo sempre a abrir e sempre a bombar. Pelo que nos toca, continuaremos a dedicar-nos de corpo e alma à missão que nos propusemos há quase sete anos: escrever uns posts de vez em quando e publicá-los neste blog.