quarta-feira, agosto 31, 2005
VERSOS PORQUE EM FORMA DE LÁBIOS ABERTOS: Mais uma instância de boca descorporalizada, depois deste, e à espera de outros que, à maneira do gato da Alice, se dignem recortar o ar no futuro.
Ternos amantes!
Vós competis com o violino
e com timbales competem os boçais.
Mas como eu não podeis fazer?
Ser todo lábios, sem pesado corpo?
(Vladimir Mayakovsky, extraído do poema "A Nuvem de Calças". Tradução de Manuel de Seabra. Da antologia "Poetas Russos", Relógio d'Água, 1995.)
CASTANHO POR FORA, MAS NÃO VERDE POR DENTRO: Finalmente, uma das minhas perguntas sobre Viena à espera de resposta obteve resposta! A sugestão, avançada pelo Digitalis, de que a ausência do interior verde nos bombons Mozart se deveria à incúria dos confeiteiros, demasiado ávidos de delícias melómanas para se demorarem na escolha de pistáchios devidamente coloridos, parece-me perfeitamente plausível! E atrevo-me até a alvitrar uma variante: a falta de zelo na confecção dos fabulosos bombons teve como origem directa uma acalorada discussão sobre qual das versões do "Don Giovanni" leva a palma sobre todas as outras. Enquanto se discute música, as delicadas minudências da gastronomia passam para plano secundário.
segunda-feira, agosto 29, 2005
PERGUNTAS SOBRE VIENA À ESPERA DE RESPOSTA (6/10): Como é que possível que uma das obras-primas da pintura universal esteja exposta num museu instalado numa academia de Belas-Artes (a Akademie der Bildenden Künste), com um funcionário de bilheteira que se encarrega ao mesmo tempo da venda de postais e do bengaleiro, e com casas-de-banho decrépitas e pejadas de graffiti (alguns dos quais, e não dos menos ordinarões, redigidos em português)?
Hieronymus Bosch, Tríptico do Julgamento Final (painel central), 1504-1508
"JOURS LE JOUR"(3): Um dos aspectos que mais me impressiona no livro de Michelle Grangaud é a maneira como, em certas entradas, a autora sabota o assunto que parecia estar a esboçar, abandonando-o em favor de uma deriva, de natureza verbal, conceptual ou híbrida, tudo isto sem o mínimo rumor, sem sombra de fractura ou solução de continuidade.
Não sei se terá sido essa a sua intenção, mas este procedimento parece-me emular os processos cognitivos de uma pessoa mergulhada no ruído branco do quotidiano, e de uma atenção solicitada por mensagens, notas mentais, estribilhos, signos e movimentos, numa catadupa incessante que esbate hierarquias e prioridades, oferece enlevos transitórios, prodigaliza sucessivos centros de gravidade para o pensamento.
Estamos aqui igualmente longe do pathos de filiação trágica mais ou menos explícita, e desse lirismo quotidiano, que tão prontamente degenera em abjeccionismo ou em detestável irrelevância.
Neste limbo, nesta estreita faixa neutra e pudica que "Jours le Jour" habita, forma e conteúdo são fantasmas diáfanos que se acariciam sem nunca romperem nem consumarem. E a melancolia que se desprende, longe de corresponder à nostalgia por uma época ou cidade gratificante e úbere de sentido, tem algo de resignação apaziguada, tem algo até de esperança.
Dois extractos:
«Petite flaque, cité Blanche. La jeune caissière qui a des lunettes et qui louche un peu (mais gentiment) me demande si c'est bon, le surgelé que j'ai pris. Je ne sais pas, c'est un essai. Elle commente d'un ton de reproche, tout le monde me répond la même chose. Pendant ce temps Couplan, Moudang et Louron forment la Neste d'Aure qui descend du mont Perdu pour se jeter dans la Garonne.»
«Villa Brune. Allô, passez-moi la maternité. C'est toujours la même erreur. J'avais eu du mal à m'endormir. Le réveil lumineux affiche l'heure en rouge, un mauvais œil insomniaque, 3 h 55, et les secondes qui défilent, elles ne défilent pas, on dirait plutôt une espèce de palpitation comme si c'était toujours la même seconde qui simplement changeait de forme. Le rêve disait: succession d'instants ou succession d'instantanés? Cherchez la différence. J'espère pouvoir mourir avant d'être tout à fait vieille.»
quinta-feira, agosto 25, 2005
PERGUNTAS SOBRE VIENA À ESPERA DE RESPOSTA (5/10): Os cavalicoques atrelados às caleches que efectuam os passeios turísticos pelas ruas de Viena têm um modo peculiar de repousar: assentam um (e apenas um) dos seus cascos sobre a aresta frontal, como que desejosos de esgravatar no asfalto, ao passo que os restantes cascos ficam assentes normalmente no solo.
Posição natural, ou resultado de um treino exaustivo, num país com tradições na arte do ensino hípico?
(Nem sequer sei se aquilo são caleches, mas não é essa a pergunta.)
"JOURS LE JOUR"(2): Seguem-se dois excertos do livro, retirados daqui (onde também podem encontrar a tradução para inglês):
Tourbillon, passage de l’Aurès. Les bureaux de poste, fermés hier dans toute la France,rouvrent aujourd’hui. On distribue le courrier à La Tronche, La Pomme,La Table, La Chaise, La Flotte, La Châtelaine, La Fermeté, La Force,La Possession, La Veuve, La Morte, La Trinité, La Compote, on reçoit des lettres à Sarcelles Biches Agneaux Bourdon Ver Faucon Cigogne, Autruche Caille Colombes Merles Merle Canari Grives Chatte Mouches Mouettes Mouton Poisson, des cartes postales affluent d’Italie, d’Espagne,de Turquie, de Grèce, ils sont en Islande, en Écosse, en Autriche, au Portugal, au Mexique, en Hongrie, en Charente-Maritime, en Finlande,au Brésil, dans le Vaucluse, au Japon, d’où ils envoient leurs amitiés, combien d’amitiés se sont croisées en route sans se reconnaître, ils partent en Chine, ils partent en Floride, ils retournent en Afrique du Sud, ceux qui ne partent pas ne reçoivent que très peu de courrier, c’est la loi des vases communicants, biscotto salato tradizionale en polonais le déluge se dit potop et s’accommode à merveille avec du vin ou toute autre boisson apéritive.
La nuit, Villa Brune. Écoute : triolet, strette, gruppetto, appoggiature, scherzo, arpège,capriccio, roulade, antienne, andante, pizzicato, crescendo, aforzando,staccato, trille, fugue, contrepoint, coda, comptine, blues, partita, cantilène, sérénade, écoute les bruissements du vent.
LEITURAS: Acabei de ler, há já uns mesitos, um livro de uma beleza e inteligência fulgurantes, de que não queria deixar de vos falar. Intitula-se "Jours le Jour", e tem como autora Michelle Grangaud.
Grangaud é uma escritora dificilmente classificável, devido à natureza heterogénea da sua obra, mas é comum vê-la citada entre os representantes mais destacados da poesia contemporânea francesa. O seu gosto pelas experimentações linguísticas levou-a, com naturalidade, ao contacto com o grupo OuLiPo ("Ouvroir de Littérature Potentielle"), de que é membro desde 1995.
(Sobre o OuLiPo, do qual fizeram parte Raymond Queneau, Georges Perec e Italo Calvino, entre outros, talvez chegue um dia o momento de discorrer com mais demora.)
Como transmitir uma ideia da natureza de "Jours le Jour"? Servindo-me de uma metáfora que os quase três anos de blogosfera lusa desgastaram até à medula, poderia sugerir que se assemelha a um blog: textos soltos, entradas individualizadas, um registo diarístico não explicitado, trivialidade cortada por derivas na direcção de algo subitamente mais profundo ou penoso.
Abundam as enumerações, as associações de ideias inesperadas, as aliterações, as descrições do quotidiano, os jogos de palavras gratuitos, tudo sobre um fundo de paisagem urbana parisiense, ao mesmo tempo inebriante e desconcertante. As vivências de um narrador (ou de vários, possivelmente) são-nos transmitidas numa primeira pessoa incapaz de polarizar numa identidade um qualquer esboço de enredo ou acção. Os pontos de referência temporais e geográficos aparecem-nos, na sua sistematicidade aparente, como esparsos e contraditórios.
Mais do que qualquer experiência pessoal, o verdadeiro tema de "Jours le Jour" parece-me ser a cidade de Paris e a infinidade de encruzilhadas biográficas e mentais que ela propicia, assim como o conflito entre a esfera privada (os sentimentos, as relações, os objectos e preocupações do quotidiano) e a esfera pública (publicidade, transportes, notícias, mobiliário urbano), que engendra numerosas soluções de continuidade quase-narrativa exploradas com uma sobriedade que não exclui algo de afim ao fascínio.
SEMPRE COM O POVO: Ao contrário de certos políticos pusilânimes, que parecem ter medo de se aproximar do povo, e isso, o Umblogsobrekleist está pronto para visitar o Mercado do Bolhão!
Não receamos escutar aquilo que a boa e generosa gente deste país tem para nos dizer! Não vivemos no alto de torres de marfim nem no interior de subtis redomas!
(Aproveito para exprimir o meu desejo ardente de que as obras no túnel da Avenida de Ceuta respeitem os princípios elementares do Feng Shui. Isto não vem a propósito, mas não me pareceu que merecesse um post separado.)
quarta-feira, agosto 24, 2005
PERGUNTAS SOBRE VIENA À ESPERA DE RESPOSTA (4/10): Os famosos bombons "Mozart Kugeln", ao contrário do que sugere (deveria dizer "promete"?) a respectiva embalagem, não apresentam um recheio verde vivo, algures entre os tons #8CCCCA e #A7D6D5.
A pergunta é esta: que é feito do recheio verde? Obstino-me em acreditar em que se trata de algo mais refinado e surpreendente do que um enfadonho caso de publicidade enganosa.
A RELIGIÃO DO LIVRO: Nos últimos tempos, as missas da paróquia de Telheiras têm vindo a ser celebradas no auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro. Prevê-se que esta situação se prolongue até ao final do mês de Novembro, enquanto decorrem obras inadiáveis na igreja paroquial.
Como laicista convicto, não posso deixar de torcer o apêndice nasal perante tal situação.
Sem embargo, cumpre-me saudar este exemplo de boa vizinhança, e enaltecer a nobreza subjacente a esta disponibilidade, manifestada pelo pelouro da cultura da C.M.L., cuja pugna em prol da saúde espiritual dos seus munícipes, pela amostra junta, não conhece tréguas.
Naturalmente, não duvido de que a paróquia de Telheiras saberá retribuir o favor quando a ocasião se apresentar, abrindo as portas da sua igreja para a realização se debates, comunidades de leitores, sessões de iniciação à Internet, ciclos de cinema e lançamentos de livros, sempre que as instalações da Biblioteca sofram um qualquer impedimento.
segunda-feira, agosto 22, 2005
COMO FAZER UM SINO:
(A propósito do filme "Andrei Rubliov", de Andrei Tarkovsky.)
Procurar um lugar para cavar o buraco para a fundição.
Se o lugar não for bom, procurar até encontrar.
Se mais ninguém se oferecer, pegar na pá e começar a cavar.
É melhor se não se conhecer o segredo, transmitido de boca em boca através das gerações.
Procurar argila para o molde.
Comprimir a argila entre os dedos para averiguar da sua qualidade.
Se a argila não for boa, procurar até encontrar.
Sem conhecer o segredo, é melhor.
Esperar que o príncipe forneça o cobre necessário, assim como a prata.
Se a prata não for suficiente, reclamar mais.
Mandar encetar a fundição.
Sem conhecer o segredo, é melhor.
Esperar que o molde seja quebrado, que o sino arrefeça e que seja erguido, com um difuso sentimento do dever cumprido e uma inquietude suspeita nas pernas.
Recusar aparecer como um exemplo de fé. Apenas conta o som da primeira badalada, audível à distância percorrida por um balão artesanal, que se esmaga na planície russa.
O MENINO KLEIST DANÇA?: A minha playlist mental deste Verão:
- "Sparring Partner", de Paolo Conte (brilhante canção que faz parte da banda sonora do filme "5x2", de François Ozon)
- "Karma Police", dos Radiohead (do CD "OK Computer")
- "Take this Waltz", de Leonard Cohen (do CD "I'm Your Man", esse mesmo, o da banana)
- "The Man Who Sold the World", de David Bowie, mas na versão dos Nirvana ("MTV Unplugged")
- "A Anita Não É Bonita", de Marco Paulo, em versão germanófona (não perguntem porquê, vá lá, sejam uns queridos, não perguntem...)
PERGUNTAS SOBRE VIENA À ESPERA DE RESPOSTA (3/10): Neste retrato de Lorenzo Lotto (um dos meus pintores preferidos da renascença), a lâmpada acesa (quase invisível, no canto superior direito) será redutível à categoria de efeito estético, ou constituirá um detalhe de alcance psicológico (e francamente dispensável, na opinião indignada de quem redigiu um dos guias do museu Kunsthistorisches)?
Lorenzo Lotto, "Retrato de Jovem sobre Cortina Branca", c. 1508
PERGUNTAS SOBRE VIENA À ESPERA DE RESPOSTA (2/10): Obrigar os visitantes de um museu (o Kunsthistorisches, no caso vertente) a depositar no bengaleiro os sacos e mochilas volumosos, mediante pagamento, mas subtraindo-se a qualquer responsabilidade legal por perdas e danos, será legal, ou mesmo constitucional?
PERGUNTAS SOBRE VIENA À ESPERA DE RESPOSTA (1/10): Que razões (culturais? históricas? sociológicas?) estarão na origem da extraordinária profusão de cães que desfilam pelas ruas de Viena, conduzidos por donos ciosos de proporcionar uma intensa e rica vida social aos seus fiéis companheiros quadrúpedes?
domingo, agosto 07, 2005
KLEIST, MODO HIBERNAÇÃO: Vamos de férias, o que implica alguns dias de silêncio, dias dedicados à meditação e à auto-descoberta, em paragens distantes, rodeado pela agreste natureza.
São ocasiões como esta que pedem uma vistosa imagem deixada para fruição dos leitores. Uma paisagem marítima gloriosamente matizada de azuis, ou uma ave de rara plumagem, por exemplo. Mas não tive tempo.
Boas férias a todos.
sexta-feira, agosto 05, 2005
A ANATOMIA DO TROCADILHO: Um blogger meu amigo confiou-me, há não muito tempo, uma assombrosa teoria pessoal, segundo a qual o nome do KingKard seria um trocadilho com "Kierkegaard".
O nome desse blogger? Calo-o, de modo a não o prejudicar nos elevados círculos onde ele habitualmente se move.
É destas iluminações que depende o progresso do Homem, da pedra lascada ao Yahoo! Messenger. Estamos a falar de uma linhagem onde moram Copérnico, Newton, Pasteur, Freud, Sousa Martins...
terça-feira, agosto 02, 2005
CRIATURAS MARINHAS 'R' US: Finou-se mais um blog, o Jaquinzinhos. Nunca fui cliente assíduo deste blog, mas recordá-lo-ei para sempre como aquele onde o enlace aqui para o 1bsk aparecia numa sub-lista intitulada "Golfinhos e toninhas".
Eu mais depressa identificaria este nosso blog com um cachalote: antigo, pouco dado a minudências, monótono (praticamente só se fala aqui da vida e obra de Kleist), mas indestrutível.
A MOÇA MAILINDA: Num encontro/entrevista de Carlos Vaz Marques a Maria do Rosário Pedreira, que a SIC-Mulher emitiu recentemente, a conhecida autora e editora manifestou uma indignação e reprovação inesperadamente virulentas contra este verso de Florbela Espanca:
«Ser a moça mais linda do povoado»
Para MdRP, este verso conteria no seu bojo tudo o que de mau e vicioso a poesia pode reservar, e constituiria o exemplo vivo daquilo que não se pode escrever, por amor à decência.
Discordo. Fraco conhecedor da obra espanciana, sempre gostei deste verso. Talvez pela candura ofuscante, que imagino (provavelmente sem razão) que nunca poderia ser em primeiro grau. Talvez pela simplicidade brutal da asserção, inclusivamente ao nível gramatical. Talvez, mais simplesmente, por uma questão de eufonia. A sonoridade deste verso parece-me, a todos os títulos, muito bem conseguida. E agrada-me a palavra "povoado": tem um não sei quê de redondo e cheio, e um travo vetusto que não chega para o banir do vocabulário corrente.
(Não se veja neste post uma admissão implícita, por parte do seu autor, de ser espectador da SIC-Mulher. Nada disso! Completamente errado! Não é mesmo nada, nada, nada, nada disso! Com excepção do programa de Carlos Vaz Marques, e da série "Sex and the City", e de algumas outras séries, e de alguns telediscos, e de alguns minutos do programa da Oprah para acompanhar o pequeno-almoço, nunca sigo esse canal. Os meus propósitos na vida são outros, quase todos rectos, elevados e espirituais.)
segunda-feira, agosto 01, 2005
DOS VENTOS TEMPESTUOSOS QUE SOPRAM SOBRE A IMPRENSA ESCRITA: Os diários "O Comércio do Porto" e "A Capital" suspenderam a sua publicação.
Do primeiro, penso nunca ter comprado um único exemplar; mas entristece-me, ainda assim, a sua morte.
Quanto à "Capital", a relação que com ela mantinha era bem diferente.
Sem deixar de endereçar a minha solidariedade aos outros profissionais deste diário (por vezes criticado, quando não achincalhado, de uma maneira que sempre me pareceu exagerada e desproporcionada face aos seus defeitos e virtudes), era a página de xadrez semanal das terças-feiras, da autoria de Luís Santos, que me fazia leitor regular.
Durante mais de vinte e cinco anos (julgo não estar a exagerar), Luís Santos manteve este espaço onde divulgava notícias da modalidade, a nível nacional e internacional, e transcrevia e comentava partidas.
Esta longevidade, acrescida à elevada qualidade do trabalho produzido, e à fraca implantação da modalidade em Portugal, fizeram deste espaço um exemplo absolutamente notável. Nunca, nos meus contactos com imprensa escrita de outros países ocidentais, deparei com outra ocorrência de uma secção xadrezística regular, de página inteira. É provável que existam outros exemplos, mas não os conheço. (Por sinal, a coluna de xadrez do "Daily Telegraph" acaba de ser suprimida.)
Os tempos mudaram. Hoje em dia, os jogos completos dos principais torneios de xadrez mundiais chegam-nos no próprio dia, via Internet, e isto quando não são transmitidos em directo, para gáudio dos fãs. Existem milhares de sites dedicados às notícias do mundo das 64 casas. A globalização também se estendeu aos domínios da deusa Caissa.
Mas nada substituirá a sensação de abrir a secção de Desporto da "Capital" à procura do xadrez. E nada apagará as recordações do ano de 1991, desse inebriante torneio de Linares em que o meu ídolo Vassily Ivanchuk triunfou brilhantemente sobre Kasparov e Karpov, reavivando o interesse deste republicano empedernido pelo "jogo dos reis"; nem dos quartos-de-final do torneio de candidatos desse mesmo ano, em que "A Capital", comprada num quiosque de uma vila do litoral alentejano, era a minha única fonte de notícias sobre os desenvolvimentos desse quádruplo choque de titãs.
Tenho esperança de que "A Capital" regresse em breve às bancas, e que a página de xadrez de Luís Santos não falte à chamada.
COMO ESCARPAS CONTUDO: Sem menosprezo algum pelos excelentes artistas nacionais representados na exposição "Entre Linhas" (Desenho na Colecção da Fundação Luso-Americana, Culturgest Lisboa, até 25/9), o que mais fortemente me chamou a atenção nela foram as obras do suíço (radicado em Portugal) Michael Biberstein.
As suas "aguarelas metafísicas", que evocam aproximações miniaturais a improváveis penhascos, gargantas ou massas nebulosas, possuem um encantamento desolado feito de minúcia e de concisão. O pendor abstractizante que a elas parece presidir pode ser encarado como uma reinvenção, temporalmente remota, da tradição paisagística romântica de Friedrich. Um prolongamento supérfluo, mas também, à sua maneira, urgente.
Infelizmente, não consegui aceder na Internet a obras desta série, mas escolhi uma outra que não é totalmente alheia ao espírito destas aguarelas.
(Grey accelerator, 1994)
Ao leitor que desejar conhecer um pouco mais da obra de Biberstein, recomendo que clique aqui ou aqui com o botão esquerdo do seu rato.
Da exposição "Entre Linhas", também apreciei as composições de Pedro Proença, jubilatórias justaposições de significado, conceito e travessura pictórica. Quanto a Helena Almeida e Lourdes Castro, duas artistas que admiro, os trabalhos expostos parecem-me escassamente representativos.
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