quinta-feira, fevereiro 28, 2008

ANÚNCIO POR CAUSA DA MORAL:

Grande venda de obras de arte.
Todas as peças a €20.

Fotografias, pinturas, ilustrações, pautas musicais originais, manuscritos, etc., etc.

Só autores famosos.

Inauguração no dia 1 de Março, pelas 16h00, na Galeria do JUP (Rua Miguel Bombarda, 187, R/C, no Porto).

O produto das vendas será aplicado na produção da revista "aguasfurtadas" 11.


DE VOLTA: Regressei a Portugal e deixei de escrever no blog. Não tenho paciência para escrever.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

FRUTOS VERMELHOS COM SACAROSE: Sempre ambicionei começar um post com uma frase deste tipo: "Um leitor manifestou o seu espanto por eu não falar de... (inserir tema de actualidade, daqueles em que urge malhar enquanto o ferro está quente)". Eis que soou a minha hora. Um leitor manifestou o seu espanto por eu não falar dos "Morangos com Açúcar". Como sublinha, e bem, uma ausência do país não constitui justificação aceitável. A essência dos "Morangos" é algo de imaterial, que transcende a realidade quotidiana dos episódios que a TVI transmite. Os motivos são outros. Os "Morangos" transformaram-se numa máquina de produzir universais. As personagens são meras instâncias de ideias de personagem, essas formas puras, entre o realista e o folhetinesco, que presidem aos seus movimentos como severos anjos da guarda. Quando acompanhávamos as desventuras da simpática Matilde, a sua espessura humana e o seu papel na economia narrativa global do projecto "Morangos" equilibravam-se com graciosidade, nutriam-se mutuamente. Agora, as personagens parecem paralisadas pela necessidade de significarem algo, de estarem à altura das poderosas linhas de argumento que os ultrapassam, sufocantes na sua ominipresença. Torna-se também consternante para o espectador ter de se conformar com a arbitrariedade com que certas personagens são dispensadas, ao passo que outras, sem que nada justifique o tratamento diferenciado, são retidas. Exemplo: os irmãos João e Pulga sobreviveram à última hecatombe, mas o que é feito do progenitor, superiormente interpretado por Marcantonio Del Carlo? Finalmente, abandonar a zona de Cascais foi um trágico passo em falso. Só alguém completamente desfasado do espírito dos "Morangos" pode admitir que abdicar dos salpicos de água salgada e da pele bronzeada do João Catarré e da Diana Chaves e mergulhar numa weltschmerz urbana e macilenta pode representar um upgrade. Enfim, não me parece, como dizer?, bem.
OS ANTAGONISTAS DA GUERRA DAS CIVILIZAÇÕES NÃO SÃO QUEM SE PENSA: As declarações do arcebispo da Cantuária sobre a eventualidade (e conveniência) da introdução da sharia em Inglaterra demonstram aquilo que entra pelos olhos dentro de qualquer pessoa minimamente atenta ao que se passa no mundo. As quezílias locais e transientes entre religiões diferentes não passam de batalhas de flores quando comparadas com a guerra permanente entre as religiões organizadas e os estados seculares. Esta guerra só ocasionalmente surge sob as luzes da ribalta, mas não conhece tréguas, e os seus intervenientes estão cientes da sua importância vital. Líderes de religiões que supostamente se antagonizam assumem opiniões que parecem cópias conformes umas das outras. Alianças tácitas são estabelecidas com surpreendente facilidade, quando o objectivo é o de lançar areia para a engrenagem dos estados de direito e o de promover mundividências de cariz confessional sobre as leis e instituições democraticamente eleitas. Ainda mais reveladora do que a sua admissão de que a adopção de certas partes da sharia, no seio do sistema legal inglês, é "inevitável", é esta frase de Rowan Williams: «[an approach to law which simply says] there's one law for everybody and that's all there is to be said, and anything else that commands your loyalty or allegiance is completely irrelevant in the processes of the courts - I think that's a bit of a danger» É difícil ser mais transparente no repúdio do princípio basilar do estado de direito.

domingo, fevereiro 10, 2008

TUBÉRCULOS COMESTÍVEIS - TODA A VERDADE: O programa editorial do 1bsk reza assim: «Blog sobre a vida e obra de Heinrich von Kleist, bolos de arroz, a arte pela arte, o Dr. Sousa Martins, e outras coisas começadas por "k". » Que coisas começadas por "k", pergunta-se legitimamente o leitor, provavelmente com um esgar de perplexidade estampado no rosto. Um excelente exemplo é o "East Anglia Potato Day". Intercâmbio de sementes, utensílios para o cultivo deste popular tubérculo, prova de batatas fritas, livros e aconselhamento. Os nomes das variedades de batatas fazem sonhar: Mimi, Riviera, Ulster Chieftain, Cosmos, Magic Red, Vivaldi, Yukon Gold, Bambino, Harlequin, International Kidney, Picasso, Druid, Golden Wonder, Pink Fir Apple, Sarpo Axona... Imaginem-se as longas discussões que se podem manter acerca dos méritos relativos destes tipos de batatas. Cabe-me informar com lástima (e um pedido de desculpas pela minha inépcia) que o "Potato Day" deste ano decorreu neste sábado, pelo que é tarde demais para se dirigirem a Stonham Aspal, North Stowmarket, Suffolk com o propósito honesto de degustar uma Vivaldi frita. "East Anglia Potato Day" não começa por "k", evidência que me parece difícil de negar. Mas seria mesquinho excluir este evento de uma lista de coisas começadas por "k" apenas com base nesse argumento.
ESVAZIAMENTO: Ricardo Bexiga diz que houve estratégia de «esvaziamento». Este blog, por norma, é hostil a trocadilhos envolvendo funções orgânicas. A excepção justifica-se, neste caso, porque a reverência perante o génio é mais forte do que os princípios. E se este título não é genial, não sei o que é o génio. Se o jogo de palavras foi propositado, revela, por parte do seu autor, uma auto-ironia que é apanágio de poucos. Caso contrário, há que prestar tributo à capacidade do ser humano para alcançar a grandeza de forma não premeditada.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

COMO DIZER MAL SEM DIZER MAL: «While Lessing has certainly earned her right to be considered an elder stateswoman of contemporary letters, this portentous and, irritatingly vague tale does not really show her at her best.» (Christina Koning, crítica a "The Cleft", de Doris Lessing, "The Times", 26/1/2008.) Há muitas maneiras de travestir uma falta de consideração em elogio. Neste caso, o disfarce é dos mais diáfanos. Partindo do princípio de que a sinceridade é um dos atributos do bom crítico (admito que este é um ponto não consensual), teria sido mais apropriado que a autora desta crítica exprimisse o seu desprezo sem se julgar obrigada a derivas eufemísticas. "Elder stateswoman" remete para o estatuto, ignorando o talento. É o tipo de qualificativo que nenhum autor sério ambiciona. Deixar subentender que os esforços de um escritor se orientaram para a obtenção desse estatuto é, no caso de alguém como Doris Lessing, tão falso como mesquinho. À falta de sinceridade, outro dos predicados do bom crítico deve ser um conhecimento, pelo menos sofrível, das regras da pontuação. O excerto acima reproduzido nada indicia de lisonjeiro a esse respeito.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

LEI 37/2007: Também já tinha notado que o tema da legislação contra o tabaco nos lugares públicos é dos poucos (talvez o único) capaz de levar os mais cordatos e assisados a inauditos extremos de inanidade. À falta de comedimento e coerência, seria ao menos de esperar que estes diligentes artesãos da opinião dessem mostras de alguma criatividade. Mas o despeito tem como efeito secundário restringir o campo visual aos chavões mais à mão. Não me lembro de ter lido um único artigo contrário à nova lei que não empregasse uma ou mais das palavras "fascismo", "nazismo", "fundamentalismo", "taliban", "apartheid", "ghetto" ou seus derivados. A história continua a ocupar, destacada, o primeiro lugar entre os fornecedores de termos de comparação prontos-a-usar. O último a juntar-se a esta iracunda galeria foi Vasco Graça Moura que, na sua crónica do "DN" nos brinda com um texto muitíssimo engraçado. Entre fazer notar ("a quem possa interessar") que «o conceito de "tabagismo passivo" foi formulado pela primeira vez na Alemanha hitleriana» e alegar, em tom de trágica vitimização, que «[os fumadores] de há muito que se disciplinaram, habituando-se a não fumar nos transportes, em serviços de atendimento ao público, em restaurantes fora das zonas reservadas, etc., etc.» (por "disciplinaram" entenda-se, presumo, "passaram a cumprir a lei, como é obrigação de qualquer um"), VGM, com a verve pletórica que todos lhe reconhecem, encadeia grande parte das keywords que a tradição já exige: estrela amarela, fundamentalismo, ghetto, repressão, politicamente correcto, lei seca, novamente fundamentalismo, novamente ghetto, novamente repressão (VGM não teria à mão um dicionário de sinónimos?) e, qual cereja em cima do bolo, a jihad. O sentido das proporções é um dos nossos bens mais preciosos. Vê-lo soçobrar tão espectacularmente em pessoas inteligentes é deveras embaraçoso, um pouco como observar alguém a falar sozinho em público.

domingo, fevereiro 03, 2008

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha de autocarro Citi1, um cavalheiro lia descontraidamente "The Emigrants", de W.G. Sebald. A colheita de leitores em lugares públicos cantabrigianos tem sido de uma parcimónia que contrasta cruelmente com as minhas esperanças iniciais. Pode dar-se o caso de estar demasiado ocupado com as minhas próprias leituras. Descobri, com efeito, que consigo ler no autocarro sem efeitos adversos para a minha disposição física, apesar da tortuosidade do trajecto.
MEIA DESFEITA: Comparar o template deste blog a meias enfeitadas com raquetes é um dos mais calorosos elogios que eu poderia esperar. As meias enfeitadas com raquetes representam uma maneira de estar na vida na qual me revejo, e o que seria de estranhar era que o template não reflectisse isso mesmo. Este template, com alterações meramente circunstanciais e de pormenor, acompanha-me há quase 5 anos. Muitas peúgas que andam por aí não chegam a durar metade disso, por muito que prometam no início. Dispersei-me um poucochinho, mas penso ter feito passar a essência daquilo que queria fazer passar.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

NO FILM FOR YOUNG MEN: O filme "No Country for Old Men" recebeu, no Reino Unido, uma classificação etária de maiores de 15 anos, ao passo que "Lust, Caution" ficou reservado a maiores de 18 anos. Partindo do princípio de que a classificação atribuída ao filme de Ang Lee se deveu ao seu conteúdo sexual (existe uma cena bastante violenta, mas quase corriqueira quando comparada com os padrões de tolerância actuais), esta discrepância leva a concluir que, para o British Board of Film Censors (BBFC, venerável instituição e pilar da sociedade que não é meu desejo pôr em causa), um adolescente de 16 anos pode ficar mais traumatizado com a ginástica erótica de Tony Leung e Wei Tang do que com a sangrenta chacina em série protagonizada por Javier Bardem. O leitor pode obter aqui e aqui (ver "Certification" em "Additional Details") indícios de que esta fobia relativamente às liberdades artísticas do foro carnal, associada a uma certa tolerância para com a violência no ecrã, parece ser uma especificidade anglo-saxónica. Se a função de um organismo que regula as classificações etárias dos espectáculos é a de reflectir os preconceitos e os pontos sensíveis de uma sociedade, o BBFC está a realizar um trabalho exemplar. De todas as sociedades de que tenho um conhecimento razoável, a inglesa é sem dúvida aquela em que mais se nota o embaraço no tratamento de tudo o que tenha a ver com sexo: a chalaça, a ironia, a esquiva, a brejeirice peso-pluma, tudo é válido quando o objectivo é evitar tratar com frontalidade e naturalidade assuntos de natureza sexual. O site do British Board of Film Censors confirma que a classificação atribuída a "Lust, Caution" se deveu a "strong sex", e a de "No Country for Old Men" a "bloody violence".
OS MILAGRES EXISTEM: Caída, a bem dizer, de pára-quedas, foi publicada na Chessbase uma reportagem sobre um torneio de xadrez realizado na Marinha Grande.
REGICÍDIO: A data que eu celebro é o 5 de Outubro, não certamente o 1 de Fevereiro. A primeiríssima razão é a convicção de que o homicídio é o pior dos crimes. Deixo para outros, com mais conhecimentos sobre o assunto e mais vagar, as considerações sobre a importância deste acto para o processo que levou à implantação de República. O ponto fulcral e inamovível é este: salvo em casos extremos e excepcionais, não me sinto capaz de exaltar a memória de alguém que matou voluntariamente outro ser humano.

Não celebrar não significa renegar. Sou contrário à ideia de que, de alguma forma, o regicídio macula moralmente a fundação da República. A discussão sobre a legitimidade moral do acto de Manuel Buíça e Alfredo Costa é, julgo, inconsequente. Faz tanto sentido como discutir se a aniquilação do Conde Andeiro foi um gesto reprovável. A História não se compadece com julgamentos de valor copiados e colados do nosso dia-a-dia.

Gosto de viver numa República. Gosto de viver num país cujo líder máximo usufrui da legitimidade do voto. Por mais contestável que esta possa ser, é infinitamente preferível à legitimidade do parentesco, essa ficção iníqua que, aqui e ali, continua a perdurar neste século XXI, como um sonho mau. Os avanços, recuos e arabescos laterais da História que transformaram Portugal naquilo que hoje é merecem, obviamente, estudo aprofundado, mas importam-me menos do que esta constatação: vivo num país cuja figura suprema, ao ser eleita pelos seus cidadãos, tem plena autoridade para os representar e actuar como garante das liberdades constitucionais, essa autoridade de que carece um monarca, bafejado apenas pelos arbítrios da hereditariedade e por uma sugestão, mais ou menos explícita, de Graça divina (o ingrediente mágico das monarquias).