quinta-feira, abril 30, 2009

ESPREGUIÇAR-SE E ANDAR: Acho fascinante a graciosidade com que os gatos se espreguiçam em andamento, como quem procura poupar tempo conjugando dois gestos independentes. E se há coisa que não falte aos gatos é tempo livre.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um cavalheiro lia um livro de William Makepeace Thackeray, em versão original, no bar do cinema City Classic Alvalade. Pareceu-me tratar-se de "The Four Georges", recolha de conferências sobre os quatro primeiros reis da dinastia de Hanover. Vinte pontos de bónus. Na linha verde do metropolitano, uma senhora lia "Mau Tempo no Canal", de Vitorino Nemésio.

domingo, abril 26, 2009

MY OWN PRIVATE TWITTER: O que estás a fazer? Produção de adenosina trifosfato.
GRANDE PLANO: No romance de Abel Neves, "Corações Piegas", lê-se a páginas tantas: Faltava-me ali o puto e o Matias na janela a ler o bilhetinho. Plano aberto e depois insert do grande plano do rosto sofrido mas esperançado, à Carl Dreyer no seu Dies Irae. No entanto, na folha da Cinemateca dedicada a este filme, Manuel Cintra Ferreira afirma: Dreyer também se distancia de uma característica que fizera a fama de LA PASSION DE JEANNE D'ARC: a utilização do grande plano. A minha memória deste filme é demasiado longínqua e incompleta para me ser de algum auxílio.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha vermelha do metropolitano, um jovem lia "A Metamorfose", de Franz Kafka. Na mesma noite, desta vez na linha verde, foi avistado um jovem com um livro de Whitman, em versão original. Infelizmente, não o estava a ler, entregando-se a outras ocupações. Tratando-se de Whitman, a minha vontade de torcer as regras e contabilizar alguns pontitos de bónus à conta deste avistamento foi muita, mas as regras são as regras, e o resto é caos.
MEIOS E FINS: No documentário sobre Jorge de Sena, que a RTP2 transmitiu ontem, um dos episódios a que se fez alusão tinha a ver com a atribuição de um prémio literário ao romance "A Gata e a Fábula", de Fernanda Botelho, em detrimento da recolha de contos "Andanças do Demónio", de Sena, sob um pretexto com todas as aparências de artificialidade ad hominem. Este episódio era um, de entre muitos, evocado como exemplo da renitência dos conterrâneos de Sena em reconhecerem o seu génio. Não faltava um depoimento de José Saramago, onde este afirmava categoricamente que a escolha de "A Gata e a Fábula", uma «simples história bem contada», representava uma relutância tendenciosa do júri em recompensar o mérito de uma obra muito mais rica e complexa. Nunca li "Andanças do Demónio", mas li "A Gata e a Fábula", e julgo que qualificar este romance de historieta banal é de uma injustiça monumental. A ficção de Fernanda Botelho, de que esta obra não é certamente um dos exemplos menos conseguidos, é de uma subtileza e de uma profundidade que a deviam colocar ao abrigo de apreciações sumárias como esta. Opiniões são opiniões, mas não me parece sensato escamotear a dimensão de obra alheia com o fim de provar uma tese, neste caso a da colossal e permanente injustiça feita a Jorge de Sena.

segunda-feira, abril 20, 2009

CINEMA: Tem graça. Quase sempre, quando surge um esboço de consenso em como um dado filme nada traz de novo à carreira de um realizador, quando este é acusado de se repetir, quando se fala em esgotamento criativo, começo logo a suspeitar de que o filme em questão me irá deveras agradar. Não me costumo enganar. Sucedeu mais uma vez com "La Mujer sin Cabeza", de Lucrecia Martel, como já sucedera com Wong Kar-Wai ("2046"), Greenaway, Rohmer, Kiarostami... "La Mujer sin Cabeza" é um filme magnífico. Gostei ainda mais dele do que de "La Ciénaga" e "La Niña Santa". Poucos realizadores contemporâneos correm de forma tão decidida o risco de filmar o invisível e o indizível. Martel aposta desassombradamente numa via abstractizante, mas servindo-se para isso da dimensão plástica, dos corpos e dos movimentos de câmara. Numa situação narrativa em que o colapso e a desagregação mental são uma ameaça permanente, o cinema e as suas improváveis lógicas aparecem, paradoxalmente, como a única hipótese de manter um símile de coerência. É essa a tensão que atravessa este filme, é essa a tensão que Martel não resolve nem liberta, até ao final. A maneira de filmar de "La Mujer sin Cabeza" pode ser vista como um amadurecimento do estilo que estava já presente nos filmes anteriores. Eu não chamo a isto "repetir-se". Chamo a isto perseverança, busca, fidelidade às ideias.
NÃO DIGAM QUE NÃO AVISEI: Certos admiradores incondicionais do Professor João César das Neves contam sofregamente os dias que os separam da segunda-feira seguinte, mal podendo aguardar pela sua dose semanal de analogias mancas, golpes de rins argumentativos, fogo-de-artíficio de non sequiturs, e no entanto ignoram que o mesmíssimo cronista ocupa uma coluna no "Destak" das quintas-feiras. Trata-se de uma imprudência grave. Com menos espaço do que o que lhe é concedido no "Diário de Notícias", JCN tem menos oportunidade para se espraiar nos seus fleumáticos rodopios retóricos, pelo que a indigência da sua prosa e do seu raciocínio vêm ao de cima com a naturalidade das coisas simples. Algumas destas crónicas não ultrapassam o nível de um banal desabafo; outras permitem-nos vaguear pelos tenebrosos compartimentos de uma mundividência desfasada de vários séculos deste mundo em que vivemos. No passado dia 19 de Março, a intervenção nevesiana foi subordinada ao tema da educação sexual nas escolas. Vale a pena ler o texto na íntegra: «O Parlamento discute o programa de educação sexual das escolas. O Ministério da Educação quer mostrar órgãos sexuais às crianças e explicar-lhes os detalhes de carícias, coito e métodos contraceptivos. Acha que a masturbação é natural, se deve promover o impulso sexual juvenil praticado com segurança e que todos os géneros e famílias são equivalentes. Até pode achar que a educação sexual é só informativa, não formativa. São opiniões legítimas e respeitáveis. Mas é bom lembrar dois pormenores. Primeiro, não são afirmações científicas e terapêuticas. São posições ideológicas, contingentes e discutíveis acerca do comportamento. Quem defende o oposto tem igual legitimidade e merece a mesma respeitabilidade O Ministério não pode impor ao País uma sua opinião como verdade comprovada e definitiva, para mais neste assunto. Segundo, as posições do Ministério não são maioritárias na sociedade portuguesa. Apesar do maciço bombardeamento cultural de televisões, revistas e discursos, Portugal acha que o pudor é uma atitude natural e civilizada, que o sexo deve ser praticado dentro de relação estável e duradoura, que o deboche e a pornografia são más. Em todo o mundo as juras de amor continuam a ser eternas. O espantoso é o Ministério não notar que neste tema está a ser tão tacanho e faccioso como era nos anos 1940. A orientação é oposta, mas a atitude é a mesma do livro único salazarista. Há aqui talvez um traço de carácter nacional. Não esqueçamos que os «Grandes Portugueses», eleitos por sufrágio televisivo em 2007, foram Salazar e Cunhal.» (O texto está também disponível aqui.) Quanto à forma, não há muito a dizer. JCN não foge ao seu método preferido, que consiste em caricaturar as posições dos adversários para mais comodamente argumentar contra elas. (E para quê abster-se de o fazer, se esse modus operandi lhe tem garantido influência e credibilidade, para além um nicho cativo num dos diários de referência do país?) No que ao conteúdo respeita, deixo ao critério do leitor a escolha do naco mais suculento:
  • a imagem de funcionários de ministério arquitectando estratégias para converter alunos das escolas 2+3 em debochados?
  • a alacridade com que o autor, depois de acusar o ministério de estar a impor ao país a sua ideologia, vem falar em nome de Portugal inteiro ("o pudor é uma atitude natural e civilizada")?
  • a singeleza com que proclama que "em todo o mundo as juras de amor continuam a ser eternas", enganando-se não só no século, como no planeta?
  • o gambito final, em que logra associar o puritano Salazar e o ascético Cunhal a uma diatribe contra a lascívia ensinada a petizes?

Perante isto, parece-me ocioso recomendar que não percam o "Destak" das quintas-feiras. Este jornal gratuito é distribuído em estações de metro, aglomerações, estabelecimentos comerciais e semáforos. É certo que as crónicas estão também disponíveis online, mas não é a mesma coisa, não, não é a mesma coisa.

MY OWN PRIVATE TWITTER: O que estás a fazer? Estou aqui ocupado com umas cenas minhas.

quarta-feira, abril 15, 2009

PTARMIGANS: "Ptarmigans". Nunca esta palavra me tinha chamado a atenção, e eis que ontem, no espaço de poucos minutos, a leio em dois sítios diferentes: num poema de Blaise Cendrars ("Lièvres arctiques perdrix de neige ptarmigans") e no almanaque "Schott's Original Miscellany", onde se fica a saber que o nome colectivo que designa um conjunto de "ptarmigans" é "covey". O "Concise Oxford" define assim "ptarmigan": Grouse of northern mountains and the Arctic, whose plumage is white in winter. A palavra deriva do gaélico tàrmachan. O nome científico é Lagopus mutus. É uma bonita palavra, e sinto-me feliz por tê-la aprendido.

terça-feira, abril 07, 2009

AUSÊNCIA: Vou estar sem acesso à Internet durante uns dias, mas nem assim deixarei de twittar, twittarei com alacridade todos os meus movimentos, inspirações, expirações, impressões, dilatações de pupila e pachorrentos meneares de cabeça. Offline twitter is the new black. Boa Páscoa.

domingo, abril 05, 2009

MY OWN PRIVATE TWITTER: O que estás a fazer? Estou a rodar em torno de uma estrela, a uma velocidade aproximada de 30 quilómetros por segundo.
SEM FALHAR: Não parece forçoso que toda a beleza deva ser inspiradora de espanto e trazer consigo um eco funesto. Essas manifestações não fazem parte da essência da beleza, e no entanto acompanham-na infalivelmente.