segunda-feira, janeiro 17, 2011

UMA LUZ NO NEVOEIRO: Está resolvido o mistério do ensaio de Manuel António Pina sobre Winnie-the-Pooh. Continua por resolver o mistério da relação entre "American Beauty" e Kant.

quinta-feira, janeiro 13, 2011

REGRESSO AO PASSADO: Lembram-se dos primeiros tempos da blogosfera portuguesa? Ah, as saudades! Os bloggers activos eram tão poucos que se conheciam quase todos pelo nome e apelido (ou por um "nick" bem esgalhado), os insultos choviam (desse ponto de vista, pouco mudou), trocavam-se parabéns nos aniversários, não havia "tag clouds" nem aquelas irritantes e inúteis sugestões no fim dos posts ("Poderá também gostar de..."). Um dos entretenimentos mais populares dessa altura consistia em recensear as palavras-chave mais bizarras cuja busca tinha levado um internauta a um dado blog. Nunca participei nessa actividade lúdica porque não sabia como se fazia, e tinha vergonha de perguntar. Agora, o próprio Blogger permite fazê-lo, com uma facilidade descoroçoante. Por isso, com anos de atraso, aqui ficam as minhas homenagens aos leitores do 1bsk que aqui chegaram graças às seguintes buscas:
  • "bombons garoto" (Parabéns pelo bom gosto.)
  • "american beauty saco de plástico kant" (Finalmente alguém percebeu que o filme de Sam Mendes é uma longa paráfrase da "Fundação Metafísica dos Costumes".)
  • "autor da letra da canção a 13 de maio" (António Botto, creio.)
  • "ensaio winnie the pooh manuel antonio pina" (Deve ter ficado desiludido/a, mas despertou a minha curiosidade.)
  • "laurence sterne diário para eliza" (Vide "bombons garoto".)
THINK: Mas que taluda cretinice. As obras literárias (fiquemo-nos por essas) que devem quase tudo ao pensamento, à premeditação, à "self-conciousness" são em número suficiente para, se transformadas em adobes, construir um T5 com boas áreas e generoso pé-direito, capaz de alojar a família de Ray Bradbury, os amigos de Ray Bradbury e o próprio Ray Bradbury, deambulando de sala em sala à espera da inspiração e do fluxo de criatividade livre do espartilho medonho da reflexão. Abdicar da faculdade de reflectir sobre as coisas é o atalho mais directo para produzir, em vez de literatura, uma papa gelatinosa que nem se aguenta numa estante, à falta de coluna vertebral.

quarta-feira, janeiro 12, 2011

GUIRAUDIE FOREVER: "Le Roi de l'Évasion", de Alain Guiraudie, teve uma passagem relativamente discreta numa sala de Lisboa, no final do ano passado. Muito do que se escreveu sobre este filme, em Portugal e extra-muros, deu destaque ao facto de Guiraudie oferecer uma perspectiva sobre a homossexualidade, (provinciana, protagonizada por homens idosos ou de meia-idade) distante do paradigma dominante (urbano, jovem, chic). Contudo, para mim, a importância e beleza deste filme vão muito além desta constatação sociológica. "Le Roi de l'Évasion" é um filme de uma liberdade formal exaltante, que se desenrola ao sabor das pulsões, da consciência, das pressões sociais e do desejo, numa interacção complexa que é no fundo aquela de que padece qualquer ser humano. É, como é habitual em Guiraudie, uma obra pontuada por diálogos luminosos, de uma comicidade que nunca oculta observações agudíssimas sobre as contradições do amor. "Du Soleil pour les Gueux", realizado por Guiraudie 2001, passará na Cinemateca no dia 26 (escolha de Miguel Gomes). Apetecia-me dizer que todas as desculpas para não ir ver este filme são, por definição, pífias, mas infelizmente sucede que eu próprio deverei estar impossibilitado de me deslocar à Barata Salgueiro neste dia. Fica o apelo, com toda a ênfase e poder de persuasão que tenho para dar: vão ver. Claro que há sempre este prémio de consolação: ("Tout Droit jusqu'au Matin", uma pequenina obra-prima.)

segunda-feira, janeiro 10, 2011

OS TRÊS JOSÉS: José Manuel Fernandes, Joseph Ratzinger e José Policarpo partilham mais do que o nome próprio: o autor dos seus discursos, artigos homilias e outras intervenções não pode deixar de ser a mesma pessoa, a acreditar na frequência insistente com que as mesmas teclas são batidas. Esse esforçadíssimo "negro", nos últimos tempos, acumula os exemplos destinados a provar que os cristãos se mantêm firmes no topo do pódio do martírio a nível global, e que nenhuma outra comunidade religiosa é mais ferozmente perseguida. Nesse exercício de puxar dos galões, contudo, o excesso de zelo é péssimo conselheiro. Meter no mesmo saco atentados, massacres e medidas de separação entre Igreja e Estado é um tour-de-force retórico tão ousado que quase se poderia confundir com má-fé. O laicismo ou a laicidade (distinção que este prolífico autor nunca deixa de fazer) não matam. Aplicar leis emanadas de corpos legislativos, eleitos por vontade popular, não equivale a uma perseguição. Faz parte da natureza das religiões hostilizarem-se e combaterem-se mutuamente em nome da posse da Verdade suprema que reivindicam para si. Atestam-no os milhões que, em nome da religião, morreram ao longo dos séculos e continuam a morrer ainda hoje. Nunca me esquecerei das palavras que li no prefácio a uma edição da Bíblia que uma vez folheei: "Este é o livro da Verdade" (cito de memória, mas a essência era esta). Eis algo que os adocicados discursos ecumenistas nunca poderão disfarçar: as religiões separam os Homens porque se reclamam as únicas detentoras da Verdade revelada, imutável e incontestável. Não são a lei, a laicidade ou o ateísmo que matam, mutilam e escorraçam. Os 3 Josés e os seus satélites (Helena Matos, o bispo de Leiria-Fátima...) precisam, com urgência, de alinhar o seu discurso por um diapasão comum, mais devedor do justo sentido das proporções do que dos delírios centrífugos de um escrevinhador de discursos em roda livre.

quarta-feira, janeiro 05, 2011

MORANGOS COM AÇÚCAR: A personagem Mariana, superiormente interpretada pela actriz Lia Carvalho, não tem vida emocional própria. A sua função exclusiva parece ser a de receptora dos desabafos alheios ("an emotional soup-kitchen", na expressão de John Osborne citada por Doris Lessing a propósito dela própria). O ridículo e fugaz episódio da tentativa de reaproximação aos pais não fez mais do que confirmar isto mesmo. Talvez tenha sido por isso que os argumentistas decidiram, ainda na temporada anterior, casá-la com o cabeça oca do Leo. Não existe sombra de química entre os dois, mas assim se arrumou a questão do par romântico da Mariana, que passou a estar disponível a tempo inteiro para a sua função de confessionário ambulante.
LISTA DE FILMES DO ANO, O FILME QUE FALTAVA: Está encerrada a votação para a eleição do filme que ocupará o 10º lugar da minha lista de melhores do ano. A contagem dos votos forneceu o seguinte resultado. Vencedor: Defensor de Moura. Em segundo lugar, e 1º na categoria de filmes, ficou "La Danse", de Frederick Wiseman, com escassíssimos 2 votos de vantagem sobre "Todos os Outros". A realizadora deste filme, Maren Ade, já veio a público atribuir as responsabilidades pela derrota às empresas de sondagens. Obrigado a todos os que participaram.

domingo, janeiro 02, 2011

LEGITIMIDADE REVOLUCIONÁRIA: Na sua autobiografia ("Under My Skin"), Doris Lessing oferece alguns exemplos de argumentos que eram por vezez usados, nos meios comunistas, para justificar a admiração e a legitimidade de autores desinseridos do cânone revolucionário:
  • D.H. Lawrence? Filho de um mineiro. (Logo, proletário.)
  • T.S. Eliot? Descrevia a decadência da burguesia, não era?
  • Yeats? Irlandês, logo membro de um povo oprimido.
  • Virginia Woolf? Mulher.
  • Orwell? «At that time [meados dos anos 40] he was being insulted by the Party, because he had told the truth about Spain. The trouble was some of us admired him. How did we get around this? I forget.»
MAIS PÉROLAS DA "PARIS REVIEW": STEPHEN KING: When I read Tess of the d'Urbervilles, I said to myself two things. Number one, if she didn't wake up when that guy fucked her, she must have really been asleep. And number two, a woman couldn't catch a break at that time. That was my introduction to women's lit. I loved that book, so I read a whole bunch of Hardy. But when I read Jude the Obscure, that was the end of my Hardy phase. I thought, This is fucking ridiculous. Nobody's life is this bad. Give me a break, you know? James Wood, Harold Bloom, pensem seriamente em pendurar as chuteiras: têm aqui um rival à altura.