quarta-feira, janeiro 30, 2013

PROJECTO COLECTIVO: No "Prós e Contras" de domingo passado, a expressão "projecto colectivo para Portugal" circulava alacremente de boca em boca. Parecia reunir total consenso a ideia de que o tal "projecto colectivo para Portugal" é a solução para todos os desmandos e dissabores dos portugueses. Eu não sei o que é um "projecto colectivo para Portugal". Faço uma pequena e muito difusa ideia do que são os milhões de projectos individuais e o esforço quotidiano dos portugueses para conquistar o seu quinhão de felicidade, mas ignoro esse conceito de "projecto colectivo". Soa totalitário e arrogantemente "top-down". E como seria implementado? Um "crowdsourcing" do Minho ao Algarve, alimentado a entusiasmo e afã patriótico?

(Se continuar a usar aspas a torto e direito, qualquer dia oferecem-me o lugar do Vasco Pulido Valente na última página do Público!)

quarta-feira, janeiro 23, 2013

CRÍTICA LITERÁRIA: A melhor cena do filme "Silver Linings Playbook" é claramente aquela em que Pat (Bradley Cooper) acorda os pais (Jacki Weaver e Robert De Niro) às 4 de manhã para desancar com fúria e indignação no romance "A Farewell To Arms", de Hemingway. A crítica, que não descura os aspectos formais nem os morais, é seguida de um arremesso certeiro do livro em questão, num voo planado que atravessa a janela.

É refrescante testemunhar uma dessas raras ocasiões, ainda que neste caso seja fictícia, em que a literatura se mostra capaz de desencadear paixões destruidoras.

(Mais tarde, Pat substitui a vidraça, com grande destreza e competência.)
CUIDADO COM OS TERMOS DE SERVIÇO: O melhor blog português da actualidade e de sempre esteve indisponível durante alguns dias, aparentemente por ter violado os termos de serviço do Blogger. Não é nada que me surpreenda. Os leitores regulares deste blog são confrontados em permanência com um excesso de inteligência, bom gosto, subtileza e sentido de humor que não pode deixar de ser ilegal. A subversão paga-se, mais tarde ou mais cedo. As coisas são aquilo que são.

Mas eis que entretanto, para saudável júbilo de muitas famílias, o blog voltou a estar disponível para o mundo na morada do costume.

segunda-feira, janeiro 21, 2013

PREFÁCIOS: Se todos os prefácios fossem como o que Cynthia Ozick escreveu para "Seize the Day", de Saul Bellow, os meus preconceitos contra este sub-sub-género literário há muito que seriam coisa morta e esquecida. Cynthia Ozick vale por todas as resmas de prefaciadores-étoile todo-o-terreno que açambarcam as publicações nacionais, vale por 100 Marcelos, 200 Medinas Carreiras e 18 milhões de Joões Césares das Neves, providencia o antídoto contra os rosários de prefácios despachados em piloto automático que, não raro, merecem mais destaque na capa e na propaganda do livro do que o próprio autor.

O prefácio de Cynthia Ozick explica, comenta e ilumina sem impor uma visão nem sugar a vitalidade à obra. Mais do que isso: consegue a proeza de fazer acreditar que o mundo seria um bocadinho pior sem a sua existência.

As suas últimas palavras, em retrospectiva, provocam um arrepio: «So they live on, these two New York stories - as queerly close, in the long view, as the Twin Towers; two heartstruck urban tales made to outlast much else.» (As duas histórias são as de Tommy Wilhelm, protagonista de "Seize the Day", e a do Bartleby de Melville, que Ozick usa abundantemente como termo de comparação.)

quinta-feira, janeiro 17, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Linha verde do metropolitano. Leitor. De pé. "O Processo". Franz Kafka. Ele mesmo. Cuidado com as imitações.

terça-feira, janeiro 15, 2013

LEITURAS:


"Seize the Day" foi o quarto romance de Saul Bellow. Publicado em 1956, três anos depois do celebradíssimo "The Adventures of Augie March", está longe da prolixidade picaresca deste. É curto a ponto de pôr em causa a própria designação de "romance" (pouco mais de 100 páginas nesta edição da Penguin") e a sua acção ocupa menos de um dia. A mais notável proeza de "Seize the Day" é a maneira concisa e profunda como transmite o retrato mental de um homem (Tommy Wilhelm, a personagem principal) ao mesmo tempo agudamente consciente da sua condição de falhado e da sua incapacidade de agir para se libertar dessa condição. Trata-se de um processo que se estende indefinidamente na direcção do passado, e que se prolongará no futuro. O dia em questão é marcado por acontecimentos relevantes (uma discussão agreste com o pai, um falhanço espectacular num bizarro investimento em futuros de banha e centeio, uma crise de choro no funeral de um estranho), mas não por alguma epifania ou ruptura decisiva. O evento maior, que justifica a narrativa, é talvez a cedência final, em tom quase religioso, ao seu "heart's ultimate need", que talvez não passe de um demasiado humano medo de não ser amado por ninguém, núcleo comum de todas as declinações de frustração e angústia que o atravessaram ao longo do dia. «But a man's howl, of anguish and rage, belongs to the Furies, and is not a joke» (do excelente prefácio de Cynthia Ozick).

segunda-feira, janeiro 14, 2013

PEPA, RELATÓRIO DO FMI, MESMO COMBATE: A mala Chanel da Pepa e o relatório do FMI: dois temas que deram origem a discussões caudalosas, mas que teriam ficado muito melhor no seu nicho, a acumular pó. O primeiro demonstra, com nitidez arrepiante, a facilidade com se geram vórtices de irrelevância e futilidade com poder para açambarcar as redes sociais. O segundo serviu um propósito muito concreto: lançar a Discussão sobre a "refundação" (aspas vigorosas aqui) do Estado Social, menos para sugerir soluções viáveis ou realistas do que para impor a própria Discussão como uma evidência e nela envolver todos os que recusam a possibilidade da Discussão. Tratou-se de uma arma de arremesso, ponderada e estudada criteriosamente para engendrar uma "no-win situation": recusar falar do relatório implica fuga à Discussão, logo ignomínia; falar do relatório significa, mais do que aceitar a possibilidade da Discussão, ceder aos termos em que a Discussão foi lançada e aceitá-los como razoáveis.

De que falar, sem ser da mala Chanel da Pepa nem do relatório do FMI? Existem muitas possibilidades. Neste momento, o tema mais merecedor de discursos parece-me que terá de estar relacionado com a silhueta de Kim Novak recortada contra a baía de San Francisco, poucos segundos antes de se lançar à água.


terça-feira, janeiro 01, 2013

UM FELIZ E RUTILANTE 2013 ESPECIALMENTE PARA SI:

Ou, nas palavras imortais de Andersson e Ulvaeus:


Este blog continuará a ser essa espécie de avenida onde cabem todas as grandes correntes do pensamento universal a que os leitores se habituaram.