quinta-feira, fevereiro 27, 2014

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Um leitor lia contos de Eça de Queiroz, de pé, no cais da estação de metropolitano do Campo Grande (linha amarela, sentido Rato).

Ignoro se lia por prazer, por obrigação escolar ou por outro motivo. Pouco importa. Todos os pretextos e razões são bons para ler Eça de Queiroz, sem qualquer excepção.

domingo, fevereiro 23, 2014

PÉROLAS DA PARIS REVIEW

INTERVIEWER: How about the Beats? Someone like Jack Kerouac, for instance, who died a few years ago?

P.G. WODEHOUSE: Jack Kerouac died! Did he?

INTERVIEWER: Yes.

P.G. WODEHOUSE: Oh... Gosh, they do die off, don't they?


(...)


P.G. WODEHOUSE: No. He [Somerset Maugham] was all right to me. We got along on just sort of "how do you do" terms. I remember walking back from a cricket match at Lords in London, and Maugham came along on the other side. He looked at me and I looked at him, and we were thinking the same thing - Oh my God, shall we have to stop and talk? Fortunately, we didn't.

(The Paris Review Interviews, Vol. 4)

sábado, fevereiro 22, 2014

A FLORA DA ÁFRICA DO SUL, INIMIGA DO ERÁRIO PÚBLICO

Vivemos tempos muito interessantes, tempos em que, do cidadão comum aos mais altos magistrados, se hesita cada vez menos em proclamar alto e bom som aquilo que vai na alma. As fasquias do pudor, da decência e da razoabilidade andam numa roda-viva.

A senhora deputada do PSD Maria José Castelo Branco acha que o estudo das espécies vegetais na África do Sul não é um tema "premente", deixando subentendido que financiar um pobre bolseiro que se dedique a essa actividade de lunáticos é contrário ao Bem da Nação.

Há uns anos, a candidata à vice-presidência dos EUA Sarah Palin apresentou o financiamento estatal para investigação sobre "fruit fly" como o zénite do desperdício de dinheiros públicos. (Ao que parece, referia-se à "mosca-da-azeitona", e não à arqui-conhecida Drosophila, mas isto não torna menos indesculpável a sua falta de cultura científica e populismo.)

Maria José Castelo Branco terá ainda muito que penar até alcançar este nível de ignorância, mas revela-se claramente uma adversária capaz de dar luta.

Felizmente, recebeu resposta à altura (vale a pena ver o vídeo até ao fim).

Ler também: "o PSEM"

domingo, fevereiro 16, 2014

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Na linha vermelha do metropolitano, uma leitora lia contos de Machado de Assis.

Neste mundo conturbado, ler Machado de Assis é ainda uma das acções mais sensatas a que nos podemos entregar.

quinta-feira, fevereiro 13, 2014

ESTATISMO E TOLERÂNCIA

Os sinais exteriores de desalinhamento com a realidade podem ser espalhafatosos ou quase invisíveis de tão discretos. No caso de João Carlos Espada, esses sinais disfarçam-se de bom senso e de serena consciência civilizacional.

«Não é difícil encontrar inúmeros exemplos recentes desta atitude estatista. Nos últimos meses, assistimos a um regresso do estilo revolucionário do PREC a propósito do famoso “corte brutal” das bolsas da FCT. Mas não ouvimos qualquer proposta para diminuir a dependência das instituições de investigação relativamente a verbas governamentais. Também as universidades protestam contra a redução da sua parte do Orçamento do Estado. Mas também não ouvimos qualquer proposta para aumentar as receitas próprias, designadamente através do aumento das propinas — as actualmente cobradas são puramente simbólicas — e da criação de um vasto sistema de bolsas de estudo para quem precisasse.»

A ausência de propostas "para diminuir a dependência das instituições de investigação relativamente a verbas governamentais" só existiu na mundividência muito particular de JCE: não têm faltado essas propostas, e aliás muitas delas têm sido postas em prática ao longo dos anos, de tal modo que o aumento da percentagem das receitas próprias no financiamento das instituições de investigação e de ensino superior portuguesas é uma realidade continuada. Porém, o mais sugestivo aqui é a conclusão imediata de JCE: esta suposta falta de propostas revela "atitude estatista" e configura uma "ameaça à tolerância". Não parece passar pela cabeça de JCE que, se escasseiam as vozes apologistas de um (ainda) maior desinvestimento público na ciência e na investigação, talvez isso se deva a um consenso generalizado no sentido de esse desinvestimento ser uma coisa má e nefasta, sobretudo para um país fragilizado economicamente, no qual a aposta na inovação e no conhecimento deveria ser parte da solução.

(Vou passar em claro o qualificativo de "simbólico" aplicado às propinas cobradas actualmente pelas universidades portuguesas. Aqui já não se trata de alienação: estamos com os pés bem plantados no terreno da provocação e da injúria dirigida a todos os estudantes e encarregados de educação que sofrem privações para pagar essas propinas "simbólicas", ou que desistem dos cursos devido a incapacidade financeira. Ah, e esse "vasto sistema de bolsas de estudo" para a malta mais pobretanas que insiste em estudar já existe; mas não chega e deveria funcionar melhor.)

A frase final é elucidativa sobre o estado de coisas que, na óptica de JCE, seria um paraíso na terra, do qual apenas a "falta de tolerância" e a "atitude estatista" dos cidadãos nos separa, e que para mim se assemelha a uma distopia tenebrosa.

«Muitas iniciativas diferentes, frequentemente rivais, podem florescer e coabitar sem guerra civil — isso é possível porque basicamente cada uma depende dos seus próprios apoiantes, não da imposição coerciva sobre os impostos e a opinião dos outros.»

Ou seja: iniciativas, causas, apoios, dependeriam da capacidade dos seus proponentes em fazer um "marketing" compatível com a angariação de fundos suficientes. O Estado, enquanto emanação representativa da vontade de um povo, perderia o poder efectivo de promover a igualdade e a justiça social por via do orçamento. A sociedade estaria entregue às movimentações espontâneas, à popularidade das causas, à arbitrariedade. Não, obrigado. Assinado: um estatista intolerante. 

sábado, fevereiro 08, 2014

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Na linha amarela do metropolitano, um leitor lia Camilo José Cela, em versão original. Apesar dos meus melhores esforços, não consegui identificar a obra. Eis dada a machadada definitiva na teoria de que Cela foi um prémio Nobel imerecido.

Na linha vermelha, um outro leitor lia "Pão com Fiambre", de Bukowski, na edição da Ulisseia. Livros com nome de comida são uma das coisas que tornam suportável e interessante a condição de estar vivo.

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Na sempiterna linha verde do metropolitano, um leitor lia a "Crónica da Vida Lisboeta", de Joaquim Paço d'Arcos. Pareceu-me tratar-se do volume I da edição da Guimarães ("Ana Paula"/"Ansiedade"), mas não fiquei com a certeza absoluta.

Ver alguém a ler Joaquim Paço d'Arcos no metro é mais ou menos como ver alguém a ler Sá de Miranda num A380 a quarenta mil pés de altitude. É um choque entre dois mundos.

domingo, fevereiro 02, 2014

PHILIP SEYMOUR HOFFMAN (1967-2014)

Ver partir tão cedo um talento deste calibre causa dor e traz um sentimento de desperdício. Desapareceu um dos maiores actores da sua geração. As recordações mais imediatas e mais fortes que tenho do trabalho dele são dos filmes "The Master", "Capote", "Happiness" e sobretudo "Synechdoque, New York". Neste último, um dos filmes mais ousados e complexos dos últimos anos, assim como nos restantes, o desempenho de Philip Seymour Hoffman oscilava invariavelmente entre o excelente e o genial.

Philip Seymour Hoffman em "Synechdoque, New York", de Charlie Kaufman