domingo, maio 13, 2012

CINEMA: Para o caso de me vir a faltar a paciência ou o tempo para escrever mais sobre este filme, aqui fica o essencial: "Era Uma Vez na Anatólia", de Nuri Bilge Ceylan, não só redime este realizador do decepcionante "Três Macacos", como se afirma desde já como um dos grandes filmes do ano, depois de "Tabu" e de "L'Apollonide - Souvenirs de la Maison Close".



Entre muitas cenas memoráveis, aquela em que a filha do presidente da junta aparece com o candeeiro e oferece bebidas aos visitantes é uma das mais intensas e extraordinárias que vi recentemente. Se não digo mais, é por receio de esgotar já aqui a quota de superlativos que me foi concedida para este ano.
ISTO COMEÇA BEM:

La première journée de François Hollande investi président de la République mardi sera "sobre" mais chargée de symboles: l'école, comme fondement de la République, et la laïcité et l'intégration, à travers un double hommage à Jules Ferry et Marie Curie.

É difícil imaginar um começo mais auspicioso para um quinquenato do que uma homenagem a Jules Ferry (o pai da escola laica e universal, uma das personalidades que mais admiro na história de França) e a Marie Curie (uma das figuras mais marcantes da história da Física nos últimos 200 anos, apesar da sua condição de exilada e de mulher, com toda a bateria de preconceitos associados).

A travers ces deux gestes, le nouveau chef de l'Etat entend faire retentir immédiatement les "priorités de son quinquennat" martelées pendant sa campagne, que sont "la jeunesse", "l'éducation" et le respect de la "laïcité".

Sim, isto começa bem. Sobretudo tendo em conta a maneira como, em França, nos últimos tempos, o tema da laicidade tem sido ignorado como se de um parente embaraçoso se tratasse, ou co-optado por indivíduos com agendas bem próprias, que de laicistas não têm mais do que o rótulo e a aura.

quinta-feira, maio 03, 2012

FERNANDO LOPES (1935-2012):

O cinema português deve-lhe muito. (Ou, o que vem a dar no mesmo: Portugal deve-lhe muito.) Com a sua doçura e inteligência, foi um dos que ajudou a fazer cinema num país onde só existia um sucedâneo deprimente de cinema. Fê-lo, ano após ano, com a naturalidade de quem faz aquilo que ama. Os seus filmes são e continuarão a ser antídotos contra a alarvidade que ocupa e corrói.


DEVOLVAM-NOS A FEIRA DE ANTANHO!: A tentação de estragar aquilo que está bom, ou menos mau, é uma dos traços de carácter mais bem distribuído, e revela-se tanto ao nível do indivíduo como da sociedade. Para encontrar um exemplo excelente, não é preciso ir mais longe do que o Parque Eduardo VII.

Ano após ano, a localização da Feira do Livro de Lisboa torna-se um pomo de discórdia tão poderoso que já faz parte da identidade nacional. Em contrapartida, a antecipação da Feira de Maio/Junho para Abril/Maio, que parece ter sido erigida a regra, tem suscitado um debate incomensuravelmente mais tímido. O resultado está à vista: chuva, frio e vento fazem com que uma excursão à Feira apareça como uma das maneiras menos apetecíveis de passar o tempo livre.

Claro que, mesmo em alturas mais tardias do ano, a Feira raramente se livra de alguns dias de tempo sofrível. Mas torna-se óbvio (excepto para aqueles que sustentam o mito de que Lisboa tem um clima ideal, perenemente soalheiro, invejado por todo o mundo civilizado) que as probabilidades de intempérie aumentam à medida que se recua no ano.

Devolvam-nos a Feira em finais de Maio, com o Verão à porta, as noites já a ficarem agradáveis e os jacarandás pujantes de floração colorida! Deixem de dar tiros nos próprios pés, deixem de afugentar os bibliófilos!

domingo, abril 29, 2012

ELEIÇÕES: No noticiário da SIC de hoje, afirmava-se que, caso François Hollande bata Nicolas Sarkozy na segunda volta das eleições presidenciais francesas, será a primeira vez, na "história recente" da França, que um presidente da República falha a sua reeleição. Não sei o que é que o autor da peça entende por "recente", mas não é preciso recuar gerações até encontrar um exemplo: Valéry Giscard d'Estaing (perdeu contra François Mitterrand em 1981).
CINEMA: Um bom artigo sobre "Céline et Julie Vont en Bateau", de Jacques Rivette. Gostei particularmente disto:

It’s not just that the film holds up to repeat viewings; its very point is its seemingly infinite repeatability, its mysterious capacity to surprise both first-time viewers and those who know it as well as a magician reciting an incantation.

Mais do que qualquer outro que eu conheça, "Céline et Julie" é um filme que nunca se acaba de ver e que envolve o espectador na sua estrutura, que é ao mesmo tempo cíclica, linear, aleatória e ucrónica.

Envolve para toda a vida, quero eu dizer.

Dominique Labourier e Juliet Berto em "Céline et Julie Vont en Bateau", de Jacques Rivette.


quarta-feira, abril 25, 2012

HOJE: O dia inicial, inteiro e limpo. Estas palavras já quase soam a banalidade, mas o uso não lhes arranha a autenticidade nem o poder.

segunda-feira, abril 23, 2012

ONDE MENOS SE ESPERA: Os tempos exigem que se esteja de olhos bem abertos. Nesta Páscoa, em pleno centro comercial Via Catarina, no Porto, havia muitos livros da Agustina à venda pela quantia ridiculamente baixa de quatro euros e noventa cêntimos. Esta pechincha facilmente passava despercebida no meio de um oceano de livros de mesa de café, manuais práticos, histórias infantis e livros de culinária.

Comprei "As Relações Humanas" e "O Concerto dos Flamengos".

segunda-feira, abril 02, 2012

VOMITED MY MOUSSAKA: Folheio a colectânea "Selected Poems", de Denise Levertov, antes de me dedicar à sua leitura. Leio os seguintes versos:

and soon after
vomited my moussaka
and then my guts writhed
for some hours with diarrhea

No que me estarei a meter?


LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um leitor lia "Diálogo Sobre a Ciência e os Homems", de Primo Levi e Tullio Regge. Foi na linha verde do metropolitano de Lisboa. Também no metropolitano, mas desta vez na linha vermelha, uma leitora lia "Um Coração Simples", de Flaubert.

E porém nem toda a grande literatura do mundo consumida por olhos dedicados e vorazes me consola do choque de ter de pagar 29 euros por um passe mensal que ainda há tão poucochinho custava 16.
PORTUGAL NÃO É A GRÉCIA: Repetem-nos até à saciedade que Portugal não é a Grécia. Parece um mantra. Mas será verdade que Portugal não é a Grécia? Certas correntes de opinião defendem que as cenas iniciais de "O Apicultor", do recentemente falecido Theo Angelopoulos, poderiam ter sido filmadas em Ponte da Barca.



(O filme, diga-se de passagem, infelizmente não fez senão confirmar a impressão pouco positiva que eu guardara do já longínquo "A Eternidade e Um Dia".)

terça-feira, março 13, 2012

TÍTULO PARA UM QUADRO (QUE POR SINAL IMITARIA A VIDA, SE EXISTISSE, COMO É PRÓPRIO DOS QUADROS):

Leitor de Chekhov sobre fundo de leitores de George R. R. Martin.

quarta-feira, março 07, 2012

CHEGA DE REBALDARIAS ou THE SECOND FROM THE TOP BUTTON: A União Europeia de Xadrez decidiu que está na hora de pôr cobro às poucas-vergonhas e instituiu um código vestimentário. A leitura deste é razoavelmente desopilante; o inglês esfarrapado ajuda à festa.

Os excertos seguintes não dispensam, naturalmente, a leitura na íntegra:
  • for men dress trousers or jeans, a long-sleeve or shirt-sleeve dress shirt, alternatively T-shirt or polo, loafers or dressy slip-ons, socks, shoes or sneakers (no beach-wear slips, etc.) and, if appropriate, a sport coat or blazer. The trousers, the jeans as well as the shirts and polo’s worn should be crisp and show no excessive wear, no holes and shall be free of body odor
  •  for women blouses, turtleneck, T-shirts or polo’s, trousers, jeans or slacks, skirts, dresses, and appropriate footwear (boots, flats, mid-heel or high-heel shoes, sneakers with sock) or any other appropriate clothing modification.
  •  in respect to shirts, the second from the top button may also be opened in addition to the very top button.
  • sunglasses, glasses, neck ties can be worn during the games, no caps or hats, except for religious reasons.
Pergunto-me se o ornamento garrido desta jovem xadrezista cumpre os critérios tão estritos da UEX. Poderá sempre alegar que usa o laçarote por imperativo religioso


quinta-feira, março 01, 2012

OS INESPERADOS ATALHOS DA BLOGOSFERA: Nos últimos dias, as seguintes buscas trouxeram leitores a este blog:
  • "pietà de manet" (bravo, bravíssimo) (*)
  • "criança alérgica ao clavamox" (não sou especialista)
  • "fechaduras de alta segurança eléctricas em 2 pontos, sem cilindro, com chave telescópica" (há gente que sabe muito bem aquilo que quer)
  • "sofia escrito em chinês + tatuagem" (cantonês ou mandarim?)
  • "transporte para a escola delfim santos no alto dos moinhos" (lamento não ter podido ajudar)
Quem vem por bem é sempre bem-vindo, com maior ou menor pitada de serendipidade.

(*) Será que se queria referir ao quadro "Les Anges au Tombeau du Christ"?


DES-DESANIVERSÁRIO:

Este blog cumpre hoje precisamente 9 anos de existência.

Para que se fique com uma ideia do que representa este já graúdo lapso de tempo, recorde-se que, nesse  longínquo dia zero:
  • Jorge Sampaio era presidente de Portugal
  • José Barroso (na altura mais conhecido pelo pseudónimo "Durão Barroso") era primeiro-ministro
  • o treinador do Sporting chamava-se László Bölöni
  • o presidente dos EUA era George W. Bush
  • a versão de 64 bits do Windows XP acabara de ser lançada
  • o Facebook ainda não existia
  • o país ansiava (sem o saber) pela 1ª temporada dos "Morangos com Açúcar", que estrearia nesse ano de 2003, com Benedita Pereira e João Catarré como protagonistas.
As pessoas passam, o blog fica. Era aqui que eu queria chegar.

Este ano não há festividades, por causa da crise em que estamos mergulhados. Para o ano, em plena retoma, será organizada uma churrascada de arromba.

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

FRACTURAS: Detesto a expressão "tema fracturante". No seu uso corrente, o termo abrange assuntos com o suposto potencial de dividir a sociedade, causar alvoroço, subverter a moral, voltar pai contra filho e irmão contra irmão. Quase sempre, esses temas alegadamente fracturantes relevam da esfera dos costumes. Como se a macroeconomia, a divisão administrativa, o trabalho, não albergassem igualmente o poder de dividir, minar alicerces, fracturar.

A adopção por casais do mesmo sexo foi chumbada na Assembleia. Foi uma decisão errada sob todos os pontos de vista: social, jurídico, científico. Não faltaram as vozes que clamam por mais debate (obviamente "alargado" e "aprofundado") ou que alegam dúvidas ou estados de alma, ao sabor da consciência libertada das peias da disciplina partidária. (Já para não falar da invocação ao Criador por parte do deputado Telmo Correia - argumento tão poderoso e ribombante que decerto entrará na história da retórica portuguesa.)

Como eu gostaria de ver um nível de escrúpulo, dúvida metódica e cepticismo comparáveis, quando se trata de votar projectos sobre temas menos escabrosos mas não menos fracturantes e decisivos. Por exemplo: sobre as leis laborais, sobre o enriquecimento ilícito, sobre os horários do comércio, sobre o arrendamento urbano...

(PS Como sempre, vale a pena ler o que escreve a Isabel Moreira.)

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Eterno, imortal, inimitável, necessário.

O maior (único?) génio da música popular portuguesa do século XX morreu há 25 anos.

Esta canção mantém o poder de me provocar arrepios, e duvido que alguma vez o perca.


PARAFILIA: No romance "Il Fu Mattia Pascal", de Pirandello, há uma personagem (secundaríssima) que está apaixonada pelo número 12.