segunda-feira, fevereiro 27, 2012

FRACTURAS: Detesto a expressão "tema fracturante". No seu uso corrente, o termo abrange assuntos com o suposto potencial de dividir a sociedade, causar alvoroço, subverter a moral, voltar pai contra filho e irmão contra irmão. Quase sempre, esses temas alegadamente fracturantes relevam da esfera dos costumes. Como se a macroeconomia, a divisão administrativa, o trabalho, não albergassem igualmente o poder de dividir, minar alicerces, fracturar.

A adopção por casais do mesmo sexo foi chumbada na Assembleia. Foi uma decisão errada sob todos os pontos de vista: social, jurídico, científico. Não faltaram as vozes que clamam por mais debate (obviamente "alargado" e "aprofundado") ou que alegam dúvidas ou estados de alma, ao sabor da consciência libertada das peias da disciplina partidária. (Já para não falar da invocação ao Criador por parte do deputado Telmo Correia - argumento tão poderoso e ribombante que decerto entrará na história da retórica portuguesa.)

Como eu gostaria de ver um nível de escrúpulo, dúvida metódica e cepticismo comparáveis, quando se trata de votar projectos sobre temas menos escabrosos mas não menos fracturantes e decisivos. Por exemplo: sobre as leis laborais, sobre o enriquecimento ilícito, sobre os horários do comércio, sobre o arrendamento urbano...

(PS Como sempre, vale a pena ler o que escreve a Isabel Moreira.)

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Eterno, imortal, inimitável, necessário.

O maior (único?) génio da música popular portuguesa do século XX morreu há 25 anos.

Esta canção mantém o poder de me provocar arrepios, e duvido que alguma vez o perca.


PARAFILIA: No romance "Il Fu Mattia Pascal", de Pirandello, há uma personagem (secundaríssima) que está apaixonada pelo número 12.


domingo, fevereiro 19, 2012

REDUCTIO AD MONTEIRUM: A lei de Godwin afirma que a probabilidade de alguém, numa discussão online, mencionar Hitler ou o nazismo se aproxima de 100% à medida que a discussão se prolonga.

A mesma lei se aplica a discussões sobre o cinema português e à menção ao filme "Branca de Neve". Normalmente, essa menção ocorre ao fim de poucas dezenas de comentários. (Ver aqui um exemplo recente.)
IRRELEVANTES?: O filme "Tabu" ganhou o prémio FIPRESCI e o prémio Alfred Bauer, no recente festival de cinema de Berlim. O filme "Rafa" recebeu o Urso de Ouro das curtas-metragens. Serão estes feitos suficientes para livrar os respectivos autores, Miguel Gomes e João Salaviza, do doloroso estigma da irrelevância? Aguarda-se ansiosamente a resposta do oráculo Alberto Gonçalves.

terça-feira, fevereiro 14, 2012

C'EST VRAI. TOUT LE MONDE PLEURERA:


O grande Pierre Renoir e a sublime Winna Winifried em "La Nuit du Carrefour", de Jean Renoir.



Sabe tão bem quando as expectativas relativas a um fillme, longamente alimentadas a ditirambos alheios, acarinhadas e encorajadas, são cumpridas em pleno aquando do primeiro visionamento.

Qualquer que seja o desenrolar do ano cinéfilo, este será um dos pontos altos.



terça-feira, fevereiro 07, 2012


DESTE ACORDO SOU A FAVOR: Há lá coisa mais bela do que uma mulher ou um homem a ler? Talvez haja, mas não muitas. Com uma pequena história a acompanhar, as fotografias ganham ainda mais força. Quantas vezes lamentei ficar sem saber nada sobre alguém que descobri a ler em público: o que o/a levou a escolher aquele livro, se está a gostar, etc.

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

POLAR OU SIBERIANA?: Afinal esta massa de ar frio é polar ou siberiana? Terei razão ao supor que estes qualificativos se transformaram numa espécie de superlativo para uso de jornalista, sem qualquer conteúdo geográfico?
IRRELEVÂNCIA: Alberto Gonçalves qualifica de "assalto" o novo plano de financiamento do cinema apresentado pela Secretaria de Estado da Cultura. Faz-lhe, aparentemente, muita confusão que o Estado subtraia 50 milhões de euros anuais à frágil economia de empresas e particulares e que os entregue de mão beijada aos profissionais do cinema, esses parasitas. Não há nada aqui que surpreenda quem conhece a personagem; não contem com Alberto Gonçalves para brincar com a sua coerência, consolidada ao longo de incontáveis crónicas hebdomadárias no "Diário de Notícias", onde aliás está em valorosa companhia.

Onde AG descarrila um tudo-nada (atrevo-me a dizê-lo) é quando acusa de irrelevância os criadores de cinema português, aparentemente apenas com base em critérios de bilheteira (seria uma maldade imperdoável pedir a AG um argumento de natureza estética). AG é um homem de lucidez comprovada, que nada há demasiado tempo nas águas aprazíveis da sua própria irrelevância para que um juizo tão distorcido lhe seja relevado. Mais para benefício do eventual leitor desprevenido do que do principal interessado, que certamente deu pela argolada em menos tempo do que leva a escrever isto num teclado, vamos então à clarificação que se impõe:

  • Realizador português: Manoel de Oliveira, João César Monteiro, João Botelho, João Canijo, Pedro Costa, Teresa Villaverde, Margarida Gil, Miguel Gomes, João Nicolau, ETC ETC - Trabalho sério, assistido por uma equipa de profissionais,  frequentemente em condições precárias, para produzir algo de belo e complexo - Obras-primas como "Francisca", "Vale Abraão", "A Comédia de Deus", "Noite Escura", "Aquele Querido Mês de Agosto", ETC, ETC - Reconhecimento nacional e internacional - Obra feita. >>>>>>> RELEVANTE
  • Alberto Gonçalves - Artigos de opinião semanais num diário que já conheceu melhores dias - Vagamente conhecido pela ironia romba, pelas comparações apressadas, pela frouxidão dos raciocínios, pela insuportável indulgência com que brande as suas armas contra os dogmas do Portugal bem pensante (os existentes também, mas sobretudo os inexistentes, que têm outro éclat) - Nenhuma obra, nenhuma credibilidade a não ser a que lhe concedem os seus pares (que, sem serem legião, fazem algum barulho). >>>>>>> IRRELEVANTE

Dispenso-me de fazer um desenho.


quinta-feira, fevereiro 02, 2012

DO PATNA AO COSTA CONCORDIA: Não alinho em julgamentos na praça pública; não sei se o capitão Schettino (descrito como "o homem mais odiado de Itália", o que mais parece o título de uma futura biografia ou adaptação ao cinema) é ou não culpado de abandono do navio que estava sob sua responsabilidade máxima. O que sei, o que a grande literatura ensina, é que os falhanços morais mais atrozes podem ser seguidos, muito mais tarde, por actos de heroísmo supremo e absurdo, como um eco invertido da cobardia primordial.

Nunca subestimem os extremos a que pode levar o desejo de redenção, nem a generosidade com que o destino concede as ocasiões para isso.

Basta recordar o Lord Jim de Conrad.

(E tomara aos media internacionais a lucidez e a lentidão do narrador Marlow.)