sábado, abril 22, 2006

Cansado de forjar alusões oblíquas, tangentes e assimptóticas às razões por detrás da sua escassa produção, o escrivão contenta-se com recomendar que não contem demasiado com ele nas próximas semanas. E deixa um quadro de Correggio, para deleite visual dos leitores frustrados.

Correggio, "O Rapto de Ganimedes", c.1531-1532.

Melhores dias virão!

segunda-feira, abril 17, 2006

BECKETT: Acreditem, dedicados leitores, que só algo de sério e poderoso me poderia ter impedido de assinalar o centenário do nascimento de Samuel Beckett na data devida, 13 de Abril. Aqui fica, com quatro vergonhosos dias de atraso, a menção, à falta de mais, ou de melhor, ou pelo menos de mais esforçado. Durante alguns tempos, o lema deste blog passará a ser "No symbols where none intended", que é a última frase do romance "Watt".
HISTÓRIA ALTERNATIVA: Luís Delgado é um reconhecido perito em história alternativa, com a particularidade picante de confundir com a realidade as alternativas engendradas pela sua fértil mente. Desta vez, LD vem-nos dizer que «Já todos percebemos que quem "ganhou" as eleições italianas, na verdade, e para todos os efeitos mediáticos, foi Berlusconi». É particularmente de apreciar a generosidade com que LD nos abrange na sua clarividência: não só ele, mas todos nós, teremos percebido que quem "ganhou" foi Berlusconi. Deve ter a ver com as aspas. Na realidade, a leitura de LD não é de todo ilegítima. Partindo do princípio que, ao seu modo, ele pretende transmitir a ideia de que a vitória de Prodi, escassíssima e apoiada numa coligação volátil, foi uma vitória de Pirro, não se pode dizer que se trate de uma visão totalmente descabida. Porém, daí a metamorfosear a derrota de Berlusconi numa vitória, com ou sem aspas, vai um passo que só os afoitos se atrevem a dar; e LD é-o (afoito). Aliás, duvido que algum membro do estado-maior da Forza Italia ou de outra das agremiações do aglomerado "Casa das Liberdades" hesitasse um segundo em trocar esta "vitória" de que fala LD por uma vitória sem aspas, traduzida singelamente por uma maioria de votos expressos. Quer-me parecer que, em todo o mundo, só duas pessoas acreditam que as eleições de 9 e 10 de Abril tiveram como resultado uma vitória de Berlusconi: o próprio Berlusconi e Luís Delgado. O primeiro na realidade, o segundo em metáfora. Um pouco à maneira do conto de Kafka sobre as parábolas, neste caso nenhum deles tem razão. Nem na vida nem na metáfora.

terça-feira, abril 11, 2006

ABBIAMO VINTO!:
  • Durante anos, senti relutância em visitar a Itália, país que muito amo, e onde tive o privilégio de passar alguns meses da minha vida. E essa relutância devia-se a um único homem: Silvio Berlusconi, uma das mais repugnantes figuras da política europeia.
  • Por um feliz acaso, Berlusconi perde as eleições legislativas algumas semanas antes de eu voltar a Itália, por motivos profissionais. Dificilmente eu poderia pedir uma situação mais saborosa.
  • A meu ver, o repúdio que merece Berlusconi deveria transcender ideologias e clivagens esquerda-direita: é uma questão de mera decência rejeitar a sua herança de incompetência, prepotência, vulgaridade e arrogância, assim como a dos tristes figurões que o acompanharam nesta desventura.
  • Berlusconi parece incapaz de reconhecer a derrota, e menciona o exemplo da Alemanha para sugerir uma grande coligação. Talvez, com efeito, a situação alemã seja um bom termo de comparação: se Berlusconi quer imitar Schröder, e, como ele, agarrar-se ao poder a todo o custo, e até aos limites da humilhação, que lhe faça bom proveito.
  • Pelos vistos, a Itália está cheia de coglioni. Suficientes, embora à tangente, para dar maioria à coligação de Prodi no parlamento. Quanto ao Senado, acreditou-se durante muito tempo que nele ficariam em maioria os aplicados discípulos de "Sua Emittenza", mas eis que os votos dos italianos no estrangeiro fizeram pender a balança para o outro lado. Pelos vistos, os italianos que emigram são mais coglioni do que os ficam.
  • Regozijo-me mais com a derrota de Berlusconi do que com a vitória de Prodi. Porém, acredito que Prodi, graças à sua experiência e prestígio, poderá reunir as melhores condições para congregar esforços e unir interesses diversos de modo a chefiar um governo durável e forte.
  • E agora, deseja-se que não se faça esperar em demasia a estreia do último filme de Moretti!

ALFARROBA 1, MORANGOS 0: Num restaurante, durante a refeição, eu distraía-me com um episódio dos "Morangos com Açúcar" transmitido por um aparelho de televisão com o som no mínimo. A dada altura, aparecem três personagens que eu não conhecia. Três, de uma assentada. Calmamente sentados num esplanada. Como se nenhum problema do mundo os atormentasse. Como se fossem inocentes de violação de um espaço ficcional que eu julgava auto-suficiente. A consternação durou até à surpreendente fatia de tarte de alfarroba.
É A TAXONOMIA, ESTÚPIDO!: Na parede do bar da Faculdade de Ciências, alguém colou um cromo do Bollycao, representando, alegadamente, um "Tubarão Branco". Mas eis que uma alma caridosa (membro, quiçá, do departamento de Biologia Animal), corrigiu a legenda para "Tubarão de Pontas Brancas do Recife". E você, quantos cromos do Bollycao corrigiu hoje?

terça-feira, abril 04, 2006

PERCUSSÃO NA BARATA SALGUEIRO: No filme "Out 1", a música ritmada de que se serve o grupo de Lili para o aquecimento antes dos ensaios dos "Sete Contra Tebas" resulta da percussão de um zarb, um tipo de tambor persa também chamado tonbak. Li isto algures, e tentarei confirmar.
LIVROS DE AUTORES ITALIANOS DO SÉCULO XX VERTIDOS PARA LÍNGUA ESLAVA EM LUGARES PÚBLICOS: Na livraria Escolar Editora, único foco civilizacional do moribundo centro comercial Caleidoscópio (ao Campo Grande), existe uma surpreendentemente vasta colecção de livros em russo, incluindo um de Alberto Moravia!
ALIÁS: De resto, perante garotices tão nauseabundas como esta, a minha vontade de chapinhar na vasta e azul-topázio piscina da blogosfera não é desmesurada.
O TEMPO DESENCONTRADO: Não há tempo para actualizar o blog, nem para os serviços mínimos, mas ainda dá para espremer os minutos suficientes para comunicar que não há serviços mínimos.