sexta-feira, fevereiro 24, 2006

XADREZ: O mítico torneio de Linares, por vezes apodado de "Wimbledon do xadrez" por jornalistas sem imaginação, reparte-se, este ano, entre dois continentes: apenas a segunda metade decorrerá na vila espanhola que lhe deu o nome, ao passo que a primeira metade, que já se iniciou, está a ter lugar em Morelia, México. (Na era da deslocalização, tais tropelias já não são de molde a surpreender. Porém, todos esperamos que estas derivas geográficas não saiam dos limites do razoável. Nos dias que correm, os torneios até que poderiam decorrer via Internet, sem que cada jogador fosse obrigado a abandonar a sua cidade de residência. Transformar os grandes-mestres em trotamundos, para benefício de patrocinadores e edilidades, pode ter o seu encanto, e agradar aos fãs, mas corre-se o risco de transformar um torneio de xadrez numa manifestação circense.) Para já, o líder isolado é o húngaro Péter Lékó. O campeão do mundo Veselin Topalov está a realizar um torneio com mais baixos do que altos. Infelizmente, o meu ídolo Vassily Ivanchuk acaba de averbar duas derrotas consecutivas. E isto apesar do cuidado que coloca em limpar escrupulosamente o tabuleiro e as peças... ...chegando ao ponto de falar com elas, baixinho, talvez para lhes dar coragem, ou para as reconfortar antes da dura batalha que se avizinha. «Vá lá, querido peão, sê bonzinho... Sê ajuizado. Vai até à 8ª fila, promove-te, transforma-te em Dama para me fazeres ganhar este jogo tão importante...» (Fotos de Nadja Woisin.) (Podem ver aqui esta extraordinária performance, em vídeo.)
TOP 25 DO CINEMA PORTUGUÊS (1): No "JL" dos passados dias 1 a 14 de Fevereiro, foi publicada uma lista dos melhores filmes portugueses dos últimos 25 anos, resultante da votação de um painel composto por 19 críticos. Os resultados, a meu ver, forneceram uma proporção apreciável de surpresas. Mas vamos por partes. Antes de mais, para quem não teve acesso à lista, aqui ficam os 10 filmes mais votados: 1. Noite Escura (João Canijo) 2. Francisca (Manoel de Oliveira) 2. Recordações da Casa Amarela (João César Monteiro) 4. Os Mutantes (Teresa Villaverde) 4. Um Adeus Português (João Botelho) 4. Vale Abraão (Manoel de Oliveira) 7. A Comédia de Deus (João César Monteiro) 7. O Delfim (Fernando Lopes) 7. Ossos (Pedro Costa) 7. Vai e Vem (João César Monteiro). Da lista dos 25 melhores (na realidade são 28, devido aos empates) constam ainda os seguintes realizadores: Marco Martins, António Pedro Vasconcelos, Mário Barroso, Paulo Rocha, Margarida Cardoso, José Miguel Ribeiro, Manuel Mozos, António Reis e Margarida Cordeiro, João Pedro Rodrigues, João Mário Grilo, José Fonseca e Costa e José Nascimento. De entre as ausências mais notórias, permito-me salientar duas: Jorge Silva Melo e José Álvaro Morais. E se do primeiro ainda se pode dizer que tal se terá devido a uma obra relativamente esparsa, sem que nenhum filme se destaque marcadamente dos demais (mas nem "Ninguém Duas Vezes" nem "António, Um Rapaz de Lisboa" desmereceriam deste elenco), o caso de José Álvaro Morais assume, a meu ver, foros de escândalo. Como é possível que "O Bobo", esse filme imenso, não figure entre os maiores do cinema português, de todos os tempos? Isto sem menosprezo para com "Peixe Lua" e "Quaresma", bem entendido. (A Rodagem de "O Bobo" teve o seu início em 1979, embora o lançamento tenha ocorrido apenas em 1987. Espero não ter sido este um critério de exclusão, numa lista confinada aos últimos 25 anos.) (continua...)
CHOQUE E ESPANTO: Aqui há dias, na Antena 1, um repórter fez uma coisa extraordinária: não sei se por desleixo, se por falta de experiência, pediu desculpa ao entrevistado por o interromper. Está, nitidamente, a pedir um processo disciplinar.
PARA UMA ÉTICA E UMA ESTÉTICA DO GATO PERDIDO (2): (entrevistas de rua) «Gatos perdidos? Bem, eu tive um gato que era perdido antes de o ser. Mesmo dentro de casa, perdia-se com muita frequência. Era vê-lo, no corredor, de focinho alçado, com o ar mais compenetrado do mundo, incerto do caminho. Causava um certo dó vê-lo tão à míngua de olfacto, de instinto, e de outras coisas que os gatos costumam possuir em enorme abundância. E nem é que o apartamento fosse grande, não passava de um T2 nas Avenidas Novas. Bem, na realidade, estou a faltar à verdade. Não era um T2 nem era nas Avenidas Novas, era uma mansão colonial no Estado da Virgínia. E não era um gato, mas sim um porquinho da Índia. E nada disto se passou na realidade, trata-se de uma história curta da Carson McCullers, ou de um seu seguidor, dos mais talentosos. Carson parece nome de homem mas ela era uma mulher. Ah ah. Passe um bom dia.» (U.M., treinador de salto em altura, Vialonga.) «O que é um gato perdido? É um gato que não consegue encontrar o caminho de volta. Mas o caminho de volta, essa entidade ectoplásmica que tanta gente supostamente douta teima em reificar, exige alguém que o percorra, que o individualize de entre a miríade de caminhos que se abrem ao livre arbítrio humano, neste caso felino. Sem sujeito, não há caminho. Daqui decorre que um gato apenas se pode considerar perdido quando deixa de o ser, quando desbrava o espaço virgem que o separa do lar e do pirezinho de leite, conquistando o direito ao seu estatuto e ao mimo dos donos, que, por sinal, nunca é em quantidade suficiente.» (A. S., estenodactilógrafa, Dafundo.) «É interessante que me tenha colocado essa pergunta, pois encontro-me precisamente a redigir uma tese sobre a omissão de figuras felinas na história da arte ocidental. Ocupo-me sobretudo do período impressionista. Nem todos os amadores se dão conta da subtileza de que um Monet deu mostras ao evitar inserir gatos na sua série dos Nenúfares. Cada quadro traz consigo uma nova e original aproximação ao tema, uma nova forma de declinar o leitmotiv da ausência de corpo peludo e rechonchudo, vagamente entediado.» (R.C., funcionário dos serviços postais, Massamá.)

Claude Monet, "Nymphéas", 1916-1919.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

JARDIM PONGE(2): É de bom tom desconfiar sempre que algo, seja poeta ou perfume de gelado, aparece definido pela negativa. Mas há casos que manifestamente a tal se prestam. Ponge é um deles. Ponge desconfiava da famosa afirmação de Rimbaud «je travaille à me rendre voyant» (de uma carta a Georges Izambard de 1871, datada dois dias antes de uma outra, a Paul Demeny, onde esta ideia é explorada com maior profundidade). Ponge era um poeta da materialidade, um cultor da expressão enquanto labor, radical e programaticamente alheio a qualquer forma de vidência. «Cela dit, il fallut attendre plusieurs siècles (Pour que l'on rebaisse les yeux Et regarde à nouveau par terre.)» (escreveu ele no seu poema em movimento "La Figue"). E agora, como a intempérie deixou marcas neste pequeno jardim, vou muito ladinamente dedicar-me a apanhar alguns ramitos caídos.
...é que é uma emoção tão difícil, a alegria. (Diz uma personagem de um romance de Maria Velho da Costa.)

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

O VOS OMNES QUI TRANSITIS: Hoje li uma frase que, por razões difíceis de compreender, me prendeu a atenção. Vem no "Penguin Guide to Compact Discs". Reza assim: «Alessandro Stradella wrote church music which combined drama with remarkable serenity and expressive beauty.» Quem dera a muitos escritores portugueses (pertencente a uma das famigeradas capelinhas ou melancolicamente fora delas) esta desempoeirada concisão formal e este poder expressivo sereno e discreto. Stradella (1644-1682) foi um compositor italiano, morto barbaramente em Génova a golpes de punhal, por um assassino contratado ou (segundo as fontes) por uma amante ciumenta.
A PROPÓSITO DE UM SUECO SISUDO: Há um site sobre Bergman que é uma descoberta recente, e que promete muito.
OS DEZ MELHORES FILMES DE 2005: O meu filme preferido do ano que há pouco findou foi "Saraband", de Ingmar Bergman. Regra geral, alusões a uma hipotética "idade de ouro" do cinema provocam-me urticária. Após assistir a "Saraband", porém, senti que tinha estado perante um objecto vindo de longe, de tempos distantes em que o cinema era ainda uma aventura intelectual constante, e em que a ousadia artística ganhava uma relevância vital na opinião pública. Talvez esteja a romantizar uma época que não vivi. Se assim for, seja: os despojos que deles me chegaram parecem autorizar todos os devaneios sobre os anos em que Fellini, Buñuel, Antonioni, Bresson, o próprio Bergman, povoavam os ecrãs da Europa com estimulante regularidade. "Saraband", para além desse filme assombroso que é, surge também como exaltante nota de continuidade numa carreira assombrada por uma questão que parece, por vezes, capaz de aglutinar todas as demais: Como fazer coabitar, numa só vida, os tormentos existenciais e as emoções humanas?

domingo, fevereiro 12, 2006

BOICOTES E CONTRA-BOICOTES: O escritor egípcio Naguib Mahfouz, prémio Nobel da literatura, declarou apoiar o boicote aos produtos dinamarqueses, afirmando, entre outras coisas, que "o mundo só compreende a linguagem da força", e que "há que fazer a distinção entre liberdade de expressão e o desrespeito pelos símbolos religiosos". Pelo que me toca, vou boicotar os livros de Naguib Mahfouz. Tenho dois romances seus na minha estante, e vou abster-me de os reler. Não haverá por aí ninguém que me queira boicotar a mim?

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

NOCTURNO: A meio da noite, confundi (não pela primeira vez) o distante rumor do tráfego na 2ª Circular com uma qualquer obra de música erudita contemporânea, proveniente do apartamento de um hipotético vizinho melómano e insone. Todos temos um Arvo Pärt dentro de nós, ou, à falta disso, dentro do motor das nossas viaturas.
PROMESSAS: O 1bsk nunca foi parco em promessas. E porquê abandonar tão amável via? Dentro em breve, conte o estimado leitor com a divulgação integral da ementa do jantar de homenagem oferecido pela classe médica ao Dr. Sousa Martins, em 1897, após a Conferência Sanitária de Veneza em que este participou. Não sei se tal divulgação será oportuna, nem se o Dr. Marques Mendes a consideraria prioritária, em vista do periclitante estado da economia nacional. Mas há ocasiões na vida em que o bom senso cede perante o poder evocativo de uma Suprême de Volaille à la Maréchale.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

JARDIM PONGE (1): A delicada natureza de um jardim não se compadece com o desleixo que se tem instalado como modo de ser deste blog. A falta de chuva não vem senão agravar as coisas. Por hoje, limito-me a semear algumas palavras que, espero, acabarão por germinar no tempo certo, e nunca antes nem depois, não sei se ao sabor do acaso ou da necessidade. (Abstenhamo-nos de meter foice em seara alheia; e, já agora, abstenhamo-nos igualmente do recurso a metáforas agrícolas.) Paganismo. Materialismo. Objecto. Paciência. Resistência. Linguagem. Expressão. Montpellier. Natureza. Lucrécio. Busca.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

CHAMADA DE ATENÇÃO...: ...para mais um artigo a não perder, como aliás se vem tornando um hábito no Esquerda Republicana.
SALVAR AS APARÊNCIAS: Segundo Maurice Blanchot, Kafka estava interessado em saber em que momentos e com que frequência, numa conversa com oito pessoas, uma pessoa teria de falar para não ser considerada taciturna. Eis o que me faz gostar ainda mais tanto de Kafka, pela legítima preocupação, como de Blanchot, por ter achado oportuno mencioná-la.
OS DEZ MELHORES FILMES DE 2005 (4 a 2): nº 4: "Last Days", de Gus Van Sant. Cinema, nada mais que cinema (e, crucialmente, nada menos do que cinema). Poucos, como Van Sant, sabem trazer ao de cima o que há de mais impenetrável, e simultaneamente mais luminoso, nas personagens que povoam os seus filmes. Escrevi sobre este filme aqui. nº 3: "Rois et Reine", de Arnaud Desplechin. A maior revelação do cinema francês dos últimos dez ou vinte anos. Para lá dos géneros, mas acenando ao melodrama, ao burlesco e à tradição do cinema naturalista francês, este ciclone de exuberância criativa é também um enorme filme de enormes actores. Emmanuelle Devos e Mathieu Amalric, claro está, mas também um assombroso Maurice Garrel. Escrevi sobre este filme em várias ocasiões, a primeira das quais foi aqui. nº 2: "Pas de Repos Pour les Braves", de Alain Guiraudie. À preguiçosa pergunta "Ainda é possível a originalidade no cinema?", Guiraudie responde de forma gloriosa e maliciosa, num filme que faz da reinvenção perpétua das formas e dos modos o seu modo de ser. Também sobre este filme escrevinhei com alguma prolixidade, proporcional ao meu entusiasmo. O primeiro artigo foi este. Falta o meu preferido de 2005. A revelar em breve. Mas não esperem surpresas.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

DESVARIOS DA DEMOCRACIA:
DIZER SEM DIZER: Em declarações recentes, Marques Mendes afirmou que, perante a complicada situação económica do país, e o aumento do desmprego, era absurdo atribuir prioridade a assuntos como o casamento homossexual. É em ocasiões como esta que Marques Mendes revela a sua falta de espinha dorsal e deplorável tibieza política. Quem não quer parecer pusilânime, não alinha em argumentações pusilânimes. Pessoalmente, já deito pelos olhos a mais-que-saloia esperteza daqueles que, por não "parecer bem" estar frontalmente contra o casamento homossexual ou a descriminalização do aborto, se refugiam no transparente subterfúgio da falta de oportunidade ou ausência de cariz prioritário. Meus senhores, assumam aquilo que pensam! Quem se obstina em ficar com a manteiga e o dinheiro da manteiga acaba, mais tarde ou mais cedo, por ficar sem nada, de mãos vazias, e com um sorriso idiota na fotografia. (Acho repugnantes as tentativas de fazer espírito, ou de atingir alguém, por meio de alusões a defeitos ou insuficiências físicas. No caso de Marques Mendes, tais deslizes tornam-se tanto mais condenáveis quanto a adequação entre a reduzida estatura física e a pequenez política é forte a ponto de constituir tentação.)
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: No Alfa Pendular, um jovem lia as memórias da Marquesa de La Tour du Pin. Depois, tal como sucede, as mais das vezes, aos fenómenos improváveis, ele desapareceu subitamente.

sábado, fevereiro 04, 2006

MUITO MENOS ESTE: Por uns quantos bonecos, não vale decerto a pena boicotar os produtos dinamarqueses. Muito menos este:

("Gertrud", de Carl Theodor Dreyer, 1964.)

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

JARDIM PONGE: Na sequência de veementes apelos oriundos de variados sectores e numerosos blogs (em boa verdade, foi só este), é com indisfarçado prazer que inauguro o Jardim Ponge. E o que vem a ser o Jardim Ponge? Este projecto, que eu desejo a uma escala modesta, e nada megalómana, nasceu do meu fascínio pelo escritor francês Francis Ponge (1899-1988), esse cultor da língua que recusava o estatuto de poeta, e que protagonizou um dos percursos mais fascinantes das letras do século XX. Sucede que, avisado juiz de mim mesmo, sei que as minhas veleidades de escrever sobre a personalidade X ou Y se desagregam, mais vezes do que não, por obra de uma inércia comodista directamente imputável à efemeridade da minha motivação. Foi daí que surgiu a ideia de dar ao meu entusiasmo por Ponge a forma de um jardim, de forma a que a natureza perecível das espécies vegetais que nele serão cultivadas me incentivem a cuidá-lo com esmero e regularidade. Haverá um canteiro para as notas biográficas, uma alameda para os comentários e citações e uma pequena estufa para os meus devaneios pessoais mais dispensáveis. (Espero que esta inauguração não se assemelhe às que certos autarcas fazem em piscinas ou outros equipamentos ainda em obras, apenas com intuitos propagandísticos, meses ou anos antes da sua abertura ao público.) Para começar, planto esta citação, retirada de uma entrevista a Philippe Sollers, e que reflecte uma das facetas mais fundamentais de Ponge: o amor pela língua francesa, e o vivo entusiasmo que revelava pela exploração desta: «Mon père avait, dans sa bibliothèque, le Littré, qui a une si grande importance pour moi, où j’ai trouvé un autre monde, celui des vocables, des mots, mots français bien sûr, un monde aussi réel pour moi, aussi faisant partie du monde extérieur, du monde sensible, aussi physique pour moi que la nature, [...]. C’est-à-dire que me plongeant dans le dictionnaire français, dans le dictionnaire Littré, parce que ce dictionnaire comporte de longs développements sur l’histoire des mots, la sémantique, et aussi sur l’étymologie, remontant fort souvent même plus haut que le latin, vers les racines védiques, eh bien, il est certain que là se trouve une des plus fortes imprégnations de mon enfance, et si l’on veut bien examiner mes textes de ce point de vue [...] eh bien, on verra que je n’ai jamais cherché qu’à redonner à la langue française cette densité, cette matérialité, cette épaisseur (mystérieuse, bien sûr) qui lui vient de ses origines les plus anciennes. Que j’ai voulu en quelque façon [...] regarder en face non seulement la langue maternelle, mais aussi bien la langue grand-maternelle ou des aïeules encore plus anciennes, et entrer profondément dans ce monde, aussi concret, je le répète, aussi sensible pour moi que pouvaient l’être les paysages, les architectures, les événements, les personnes, les choses du monde dit physique. »
FAÇA VOCÊ MESMO: Nos últimos tempos, o blogonauta médio tem sido estragado com mimos. É possível, nos dias que correm, ter um acesso fácil, rápido e quotidiano a imbecilidades sobre assuntos como os motins em França, a candidatura de Manuel Alegre e os casamentos homossexuais. Nos tempos proto-históricos, estas imbecilidades só podiam ser lidas na imprensa escrita. O ciberespaço rasgou horizontes, e significou o fim da penúria de um bem que se conta entre os mais apreciados.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

OS DEZ MELHORES FILMES DE 2005 (7 a 5): nº 7: "Orlando Vargas", de Juan Pittaluga. Um dos filmes mais singulares do ano. Exploração dos temas do medo, da opressão política, da desaparição, num registo complexo e alusivo, trabalhado até a um extremo de lisura e fluidez que contribui para o poder quase hipnótico do filme. Portentosa interpretação de Aurélien Recoing, e extraordinária presença de uma Elina Löwensohn resgatada ao nosso imaginário colectivo de admiradores de Hartley. nº 6: "Good Bye Dragon Inn", de Tsai Ming-Liang. Coreografia de desejos e nostalgias numa sala de cinema prestes a encerrar. A rarefacção brutal das palavras e a persistência tenaz do elemento humano, ainda que trémulo e vulnerável à fugacidade das coisas. "A poesia do tempo real", apetecia-me dizer, não fora o receio de ataviar com fórmulas um filme que as dispensa perfeitamente. nº 5: "Les Temps Qui Changent", de André Téchiné. Do escândalo à terna banalidade de um amor recomeçado. Escrevi sobre este soberbo filme aqui.
CAMPOS DE MORANGOS PARA SEMPRE: Estima-se que a população mundial atinja os 6 447 milhões de habitantes. Destes, apenas um ainda não tinha percebido que o Tó Pê, dos "Morangos", estava apaixonado pela professora de Inglês. Infelizmente, o néscio em questão era a própria professora, a quem foi revelada hoje a tremenda verdade, pela boca do principal interessado. Da forma mais denotativa possível, e não daquele modo oblíquo e prenhe em conteúdo metafórico que a situação pedia.
DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS: Por menos do que isto, o nosso Cristianinho Ronaldinho foi crucificado em praça pública e alvo de aleivosa saraivada de sanções!!!

(Boris Gelfand, Israel, grande-mestre de xadrez, nº 9 do mundo, sem cadastro conhecido)

(Foto de Fred Lucas)

IL FALLAIT Y PENSER: Por vezes, fico preocupado porque a bateria do meu telemóvel está quase a descarregar-se. Porém , como tenho sempre comigo o carregador do telemóvel, posso recarregar a bateria assim que ela se esgota, e o problema fica resolvido. Por isso, não há motivo para preocupação.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um cavalheiro, instalado numa carruagem de metropolitano, na linha verde, dedicava a sua atenção ao romance de Fernanda Botelho "Lourenço é Nome de Jogral", um livro muito bom que não é lido em público com a assiduidade que mereceria. Havia, nos modos do cavalheiro em questão, um quê de fleuma e apaziguada compostura que contrastava flagrantemente com a de outros leitores em lugares públicos. Para citar apenas um exemplo: um leitor de "O Estrangeiro", há dias, na linha vermelha, a quem não parecia faltar mais do que um quase nada para emular o próprio Meursault.