quarta-feira, fevereiro 24, 2010

PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO:

Estou a tentar pensar num comentário sobre este livro que seja ao mesmo tempo mordaz, sofisticado, irónico e profundo, mas o meu gato não me deixa em paz e é impossível concentrar-me.

(Como não dar razão, perante isto, a José Manuel Fernandes?)

DESCONFIANÇA: José Manuel Fernandes desconfia de mim! Isto não é paranóia. Está escrito, com todas as letras e vírgulas, no simpático blog "Blasfémias". JMF afirma ter uma desconfiança de princípio relativamente a todos aqueles que preferem ter gatos em vez de cães - um subconjunto da humanidade onde, notoriamente, me insiro. Se alguma vez os nossos caminhos se cruzarem terei o cuidado de confessar esta minha fraqueza, por uma questão de delicadeza.

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

JOÃO CÉSAR DAS NEVES, ALEGRIA DO POVO: Mané Garrincha foi uma das maiores estrelas do futebol brasileiro dos anos 60. Em 1962 o cineasta Joaquim Pedro de Andrade rodou um documentário sobre ele, intitulado "Garrincha, Alegria do Povo". Dizia-se de Garrincha que todos os espectadores, quando o viam receber a bola no flanco direito, sabiam perfeitamente que finta ele iria fazer. Aquilo que ninguém sabia e que a todos deixava na expectativa, a começar pelo adversário directo, era quando Garrincha iria fazer a finta. João César das Neves é o Garrincha do jornalismo de opinião português. Quando o leitor enceta uma das suas crónicas (em vez de fazer algo de mais salutar, como tocar com os dedos na ponta dos pés ou ir passear o cão) sabe perfeitamente que os cavalos de batalha cesarianos hão-de aparecer, mais cedo ou mais tarde. (Exceptuam-se as crónicas de cariz exclusivamente económico, claramente as menos interessantes.) A grande incógnita, capaz de transmitir um mínimo de emotividade ao exercício, é a altura em que JCN se deixa de rodeios, aproximações e metáforas para enfim espetar a sua farpa, romba e gasta devida ao uso. Veja-se, por exemplo, a sua última intervenção hebdomadária: transita-se do caso das escutas para o Watergate, deste para a natureza humana, desta para o terror revolucionário e o Nasdaq, e eis que, para gáudio da torcida, surge o golpe de rins: JCN cumpre a estocada e instala-se nos terrenos da moral, da homossexualidade e da decadência dos costumes, onde ele se movimenta com reconhecida desenvoltura - nem sempre acompanhada pela clarividência, mas tudo se perdoa a um homem de causas.
PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO:

Há uns dias cometi uma proeza. Numa só noite, revi o magnífico filme "La Chinoise", de Godard, e não vi "A Bela e o Paparazzo", de António-Pedro Vasconcelos, auto-proclamado dissidente do cinema europeu. Mas seria ir longe demais reivindicar que decidi ler um romance de François Mauriac por ele ser avô de uma das actrizes do filme (Anne Wiazemsky). Os motivos foram outros: o livro estava a 1 euro nos últimos saldos da Buchholz, e tenho um fraco por romances que se passam no meio moralmente corrupto e hipócrita de uma certa burguesia francesa.

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

ROHMER, UM HOMEM LIVRE: "Um homem livre." Parece-me ser esta a maneira mais sucinta e, ao mesmo tempo, artisticamente mais justa para designar Éric Rohmer. Conheço poucas personalidades (e não estou a cingir-me ao domínio artístico) a quem o epíteto de "livre" se aplique com maior propriedade. Ao longo de uma carreira de mais de meio século, Rohmer concretizou os seus pressupostos teóricos sob a forma de obras de arte perenes e únicas. Fê-lo com pleno domínio dos seus recursos, com toda a deliberação e ponderação. É tarefa inglória esquadrinhar toda a sua filmografia, fotograma a fotograma, em busca de uma cedência, por minúscula que seja, às modas e às imposições alheias. Nada disto seria relevante, nem digno de especial admiração, se a sensibilidade do homem por detrás da câmara fosse medíocre, se a sua ambição fosse mesquinha. Mas a ambição de Rohmer era desmesurada, a sua sensibilidade era aguda e poderosa. Rohmer nunca deixou de se situar na delicadíssima encruzilhada da vontade, do desejo e do comportamento social e moral. Todas as suas personagens atravessam essa zona, tão misteriosa e paradoxal como a que Tarkovsky sugeriu em "Stalker"; todas elas revelam o seu lado absurdo e profundamente humano no preciso instante em que o livre arbítrio, o acaso e uma versão profana e corriqueira do destino se equivalem e determinam o desfecho. Foi essa a maior de todas as ousadias: em vez de se conformar com receitas e aproximações, Rohmer mostrou-nos mulheres e homens que agem (com diferentes gradações de consciência dos próprios actos) e que sofrem, sozinhos no mundo nesse momento da decisão, que tanto pode ser activa como redundar num abandono à sorte e à concidência (Melvil Poupaud em "Conte d'Été", Charlotte Véry em "Conte d'Hiver", Marie Rivière em "Le Rayon Vert"...). Acima de tudo, os filmes de Rohmer são obras dotadas de uma coerência e intensidade estéticas singulares. Rohmer filmou, ao longo das décadas, como se o amor, o desgosto, a solidão e o desejo fossem os únicos temas dignos. Filmou com a convicção de que o mundo, as paisagens, as ruas, os apartamentos eram cenário suficientemente nobre para conter a gravidade palavrosa dos seres humanos, e que a linguagem viva do cinema, que ele ajudou a criar, era um instrumento privilegiado para a transmitir. Todos lhe devemos muito. Cabe-nos a todos merecer os filmes de Rohmer, e nunca deixar esmorecer, por comodismo ou inércia, a urgência de os rever. (Há cerca de 5 anos e meio, escrevi sobre Rohmer com a abundância própria de um proselitista com demasiado tempo livre entre mãos. O leitor ocioso poderá encontrar esses artigos aqui, aqui e aqui.)

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

I BEG TO DIFFER: Alguém se deu ao trabalho de compilar os piores versos da história da pop. Todas as escolhas são subjectivas - assim o garantem a semântica e a vox populi. Seria um exercício de futilidade contestar a composição desta galeria de horrores. Sucede que nunca ninguém viu este blog fugir da futilidade. Faço questão de assinalar que o autor do artigo parece insensível ao humor deadpan que, claramente, presidiu à redacção destas linhas magníficas And I met a girl / She asked me my name / I told her what it was (Razorlight, "Somewhere Else") e que se inserem na mesma linha estética destas I took her to a supermarket/I don't know why but I had to start it somewhere/So it started there (Pulp, "Common People") prova, entre miríades de outras, do génio de Jarvis Cocker.
ROHMER MAIS FORTE DO QUE AS AGÊNCIAS DE RATING: Tem-me faltado a vontade de escrever, por causa da preocupação com os veredictos das agências de rating sobre a dívida pública portuguesa. Mas deixar passar em claro este excelente artigo sobre "Quatre Aventures de Reinette et Mirabelle" (um dos meus filmes preferidos de Rohmer, e um dos mais ignorados) seria vergonhoso, incoerente e rasteiro, para não falar de criminoso.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha amarela do metropolitano, uma jovem lia "Dom Casmurro", de Machado de Assis. A sua expressão era a de quem cisma acerca do verdadeiro carácter da enigmática Capitu.