terça-feira, abril 27, 2010

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Uma senhora lia contos de Flannery O'Connor, em versão original, na linha verde do metropolitano.
MORANGOS COM AÇÚCAR: «Sabes qual é o problema das palavras? É que não são actos.» (Paulinha para o João Pedro, em episódio de há algumas semanas.) Diálogos como este confirmam que certas tendências da filosofia analítica começam a exercer um domínio sufocante sobre os enredos dos "Morangos". Entretanto, a Paulinha e o João Pedro caminham rapidamente para a condição de unha com carne, algo que era enfadonhamente previsível mesmo para os enfadonhos padrões desta série.

sexta-feira, abril 23, 2010

LANÇAMENTO: O cartaz diz tudo. Tudo, excepto o prazer que é para mim saber que vai sair um livro da Margarida.

quinta-feira, abril 22, 2010

PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: "Adolphe", de Benjamin Constant. Tão distante das maquinações de Laclos como da espontaneidade sentimental de Stendhal, "Adolphe" pode ser descrito como um case-study sobre a ética da relação amorosa, narrado por uma das partes interessadas, sucessivamente criatura amante, amada, e calculista a seu pesar. Vamos ver no que isto dá! Faltou-me a sorte para encontrar uma imagem igual à da capa da minha edição, e a paciência para a digitalizar. Não faz mal. Outras prioridades me reclamam, e a marcha do PLEC não se compadece com obstáculos comezinhos.
RECOMENDO: Há um muito bom artigo sobre "A Serious Man" no blog Only the Cinema. Tenho andado para escrever há que tempos acerca deste filme, que, depois do brilhante "No Country for Old Men", confirmou a minha reconciliação com os manos Coen.
PARA QUEM NÃO TOLERA A TOLERÂNCIA: Dois grupos no Facebook: "Eu trabalho e não quero tolerância de ponto no dia 13 de maio" e "Trabalho para o Estado e não quero tolerância de ponto no dia 13 de Maio!". Aderi a ambos. Enfim, caturrices de ateístas militantes.

segunda-feira, abril 19, 2010

PAVLOV HOJE: Um dos mais edificantes (e previsíveis) efeitos colaterais do escândalo dos abusos sexuais de menores por parte de sacerdotes católicos é o coro de vozes que se ergue contra uma suposta tribo de "ateístas militantes" (variante fenotípica: "laicistas militantes"), culpada das maiores ignomínias, entre as quais a de criticar padres, exigir a sua imputabilidade jurídica, expor a incoerência moral da Igreja católica, exprimir indignação perante dilações e encobrimentos, e outras aleivosias de semelhante calibre. Conheço muitos ateus, mas nunca tive o prazer de me cruzar com um membro dessa espécie de ateístas militantes que tantos cronistas denunciam. Não me consta que milícias de ateus percorram os caminhos de Portugal com o objectivo de extirpar a fé dos crentes à força de varapau. O limiar de indignação destes cronistas é rasteiro; o rótulo de "ateísta militante" é atribuído com desconcertante ligeireza a todo aquele que assinala violações da laicidade do Estado, a todo aquele que aponta o dedo a desmandos eclesiásticos. Valorosos profissionais da opinião como João Pereira Coutinho, Henrique Raposo, Alberto Gonçalves, seriam condescendentes com ateístas e laicistas mansos e amigos do compromisso, que se soubessem manter no seu lugar, que falassem em surdina, que criticassem a Igreja como quem admoesta um sobrinho birrento mas, lá no fundo, excelente rapaz. Face a vozes que chamam os bois pelos nomes, que denunciam alto e bom som situações aberrantes e/ou ilegais (crucifixos nas salas de aula, capelães pagos pelos contribuintes, membros do clero no protocolo do Estado), sentem-se moralmente obrigados a agitar o espantalho do "ateísmo militante", e a descrever os seus adversários como nostálgicos dos sans-culottes, prontos a acusar de pedofilia qualquer criatura que use sotaina. Desculpa-se e aceita-se; é uma questão de status, trata-se de não perder a face no concorrido recreio dos inimigos do politicamente correcto. O que custa um pouco mais a aceitar é a falta de honestidade intelectual. Quando Henrique Raposo acusa os "ateus de serviço" de criticarem sempre a Igreja católica, e nunca o Islão radical, está a ignorar as centenas de posts, por sinal publicados nalguns dos blogs mais lidos e amiúde rotulados como "jacobinos", que atacam ferozmente as monstruosidades do Islão. (Cito apenas este, este e este. Poderia citar outros.) Quando Alberto Gonçalves, que parece comprazer-se na exibição semanal da sua indigência argumentativa, fala em "padres homossexuais que abusam de criancinhas" está a deixar fugir o pé para chinela da homofobia, com uma displicência que ele decerto toma por subtileza, e a baralhar os dados do problema. Turvar as águas não dá trabalho; se o vigor colocado na acção for suficiente, a próxima crónica chegará antes que o lodo assente.
VASSILY SMYSLOV 1921-2010: Vassily Smyslov foi o 7º campeão do mundo de xadrez, estatuto que alcançou ao bater Mikhail Botvinnik em 1957. Perdeu o título no ano seguinte, aquando do match de desforra com o mesmo Botvinnik, o que fez dele um dos campeões do mundo com reinado mais curto. Apesar de nunca ter recuperado o título, manteve-se durante muitos anos como um dos melhores jogadores do mundo. Caso raro de longevidade, atingiu a final do torneio de candidatos ao título mundial em 1982, aos 61 anos, tendo sido derrotado por um jovem Garry Kasparov na sua trajectória irresistível rumo ao topo. Smyslov não tinha a fogosidade de Mikhail Tal, nem o rigor científico de Botvinnik, nem a versatilidade de Boris Spassky, para mencionar apenas alguns dos seus contemporâneos. Dele se afirmou que o seu estilo era tão natural que as jogadas pareciam fluir da própria mão que deslocava as peças, em vez de ter origem algures na massa cerebral. Para além da sua carreira como xadrezista, Smyslov ficou conhecido como barítono, tendo chegado a fazer uma audição no teatro Bolshoi. No entanto, ao contrário do seu compatriota Mark Taimanov (que desenvolveu em paralelo as carreiras de pianista e grande-mestre), dedicou-se em exclusivo ao xadrez em detrimento da música. Assim como a melhor maneira de homenagear um realizador de cinema é revendo os seus filmes, o melhor tributo que se pode prestar a esta figura máxima do xadrez do século XX é a revisitação das suas partidas. (Obituário no Chessbase.)

segunda-feira, abril 12, 2010

"ANTICRISTO" AINDA, ESPERO QUE PELA ÚLTIMA VEZ: Devo dizer que o afastamento relativo aos princípios do "Dogma 95" não me faz perder um minuto de sono. Foi um movimento que teve o mérito de agitar algumas águas e de servir de pretexto para um filme excelente ("Os Idiotas") e outro bastante bom, embora sobrevalorizado ("Festen"). Custa-me a acreditar que os seus subscritores se tenham levado minimamente a sério, e não me surpreenderia que, no momento em que assinaram este manifesto pseudo-rigorista, as respectivas línguas estivessem plantadas nas bochechas contraídas por um sorriso de malícia. O "Dogma 95" foi algo entre a arte conceptual e o calembour. Passados mais de 10 anos, o que me interessa é se um filme é bom ou não é. E "Anticristo" é um filme pavoroso, independentemente de qualquer contextualização ou genealogia. Sustento ser quase impossível que tudo numa longa-metragem suscite repulsa ou indiferença. Em "Anticristo", gostei de:
  • as bolotas a cair
  • a cena em que Willem Dafoe pede a Charlotte Gainsbourg que imagine a chegada à cabana
  • a ária da ópera "Rinaldo" Lascia ch'io pianga, para lá do sublime.
LOTTO: Sucedeu-me já por duas vezes atrair comentários de parceiros de xadrez online por causa do meu nick alusivo a Lorenzo Lotto. A minha admiração por este veneziano desterrado vem de longe e não apresenta tendência para perder pungência com o tempo. Obrigado pela ligação ao excelente artigo de Colm Toíbín, um homem que até já esteve na Casa Branca. E aqui está o meu retrato preferido deste pintor.
É DISTO QUE O MEU POVO GOSTA: João César das Neves, "alegria do povo", parece empenhado num mano-a-mano com Lionel Messi do qual não é garantido que saia derrotado. Bem pode o astro argentino do Barcelona protagonizar exibições brilhantes ao fim-de-semana, no Camp Nou ou noutro estádio: invariavelmente, JCN supera-o com as fintas argumentativas que polvilham as suas crónicas de segunda-feira no "DN". Na semana passada saiu-se com esta "revienga": as críticas à Igreja católica motivadas pelo encobrimento de casos de pedofilia inserem-se numa "guerra cultural" e visam «a promoção do aborto, eutanásia, divórcio, promiscuidade». Nem mais. Às segundas-feiras, no espacinho que as sucessivas direcções do "DN" insistem em atribuir a JCN, a suspensão da incredulidade ganha foros de lei e só raramente as coisas são aquilo que parecem. A sua prestação de hoje não foi menos estonteante: «Ninguém atropelou mais o rigor científico que os iluministas. Ninguém foi mais sangrento que os jacobinos.» Conto debruçar-me sobre esta nova adição ao argumentário nevesiano durante esta semana, antes que o Luís Freitas Lobo ou o António Tadeia se antecipem.

sexta-feira, abril 02, 2010

ISABELLA FALLS IN LOVE: No teatro isabelino existia um vasto e reconhecível repertório de gestos convencionados, aos quais os actores recorriam para representar estados emocionais complexos na certeza de que iriam ser correctamente interpretados pelos espectadores. Este arsenal de maneirismos facilitava a assimilação de papéis novos numa altura em que os tempos de ensaio eram limitados, e permitia a inserção de didascálias de uma concisão fascinante, como «Isabella falls in love». (Fonte: Stephen Coote, "The Penguin Short History of English Literature".)
ESCRITA CRIATIVA: Uma das personagens do romance (ou o que quiserem) "Ilusão (ou o que quiserem)", de Luísa Costa Gomes, propõe uma ideia para peça em que as personagens principais são dois amantes com SIDA, sendo um deles um cinquentão fadista, adepto do Belenenses, cabelos grisalhos, ar distinto, bom nome de família, simpático, galante, bom cavaleiro e bissexual. Um fadista do Belenenses com SIDA e bissexual possui um potencial dramático no mínimo igual ao mítico pasteleiro trotskista que Nanni Moretti menciona em "Caro Diario". O que não é dizer pouco.
PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO:

O "Daily Mail" descreveu-o como "a page-turner of a masterpiece", o "Guardian" qualificou-o de "stunningly accomplished". Perante isto, como hesitar em confiá-lo às mãos de um dos numerosos comités que protagoniza o glorioso Processo de Leitura Em Curso?

Joseph O'Connor é o irmão de Sinéad O'Connor, que outrora ganhou modesta fama como imitadora da portuguesa Inês Santos.