sexta-feira, julho 30, 2010

DO USO DAS ADVERSATIVAS: Penélope Cruz casou-se no princípio do mês com Javier Bardem e já se fala que está grávida do actor. Ainda assim, a actriz espanhola não abdica de dizer o que pensa: «Por mim fechava todas as revistas de adolescentes que encorajam as miúdas a fazer dieta. A sua influência nas raparigas novas é horrenda.» ("Metro" de 29/7/2010. Sublinhado meu.) Trocado por miúdos:
  1. Casou-se.
  2. Está grávida.
  3. Ainda assim, diz o que pensa.
  4. A mulher passou-se!
UMA CERVEJA, SEM INFERNO: Samuel Smith's Imperial Stout. The "liquid Christmas pudding" character (raisins and burnt fruit) found in traditional imperial stouts shows very well in this spicy example. It is also very rich, despite being less strong than some counterparts. (Michael Jackson, "Great Beer Guide") Advertência aos paladares aventureiros: esta cerveja está disponível no restaurante junto aos cinemas Monumental Saldanha. (Como diria Homer Simpson: «Hmm, raisins and burnt fruit».)

sábado, julho 24, 2010

AINDA OS ANÉIS ATIRADOS À ÁGUA: E que dizer da letra da canção "A-Punk", dos Vampire Weekend? I saw Johanna down in the subway She took an apartment in Washington Heights Half of the ring lies here with me But the other half's at the bottom of the sea
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS:
  1. Com a devida vénia ao Eduardo: senhora avistada na linha verde do metropolitano, concentrada na leitura de "Cidade Proibida".
  2. Na cafetaria do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, cavalheiro observado a folhear "Na Cova dos Leões", marco do anticlericalismo português da autoria de Tomás da Fonseca.

terça-feira, julho 20, 2010

DIÁLOGOS SIM, MAS SÓ COM LEUCÒ: «Uma coisa é uma companhia de teatro que vai representar Beckett a Aljustrel, outra é o «criador» que nunca saiu do Bairro Alto e que reclama a mensalidade para espalhar cascas de ovo partidas no chão da galeria com uma legenda a dizer «A CRIAÇÃO DO MUNDO». A «cultura», como tudo, não pode ficar refém dos caprichos daqueles que a produzem, tem de existir, em algum momento, um diálogo qualquer com o resto do mundo. A ideia não é acabar de vez com tudo o que não dê lucro, é acabar de vez com tudo o que não agradece a atenção.» Um diálogo com o mundo... Mal por mal, prefiro o critério do lucro, que tem a vantagem de ser limpo de ambiguidades, claro e quantificável. Dialogar com o mundo... Será que era à louvável disposição de dialogar com o mundo que se entregavam Straub e Huillet quando filmaram "Quei Loro Incontri", Barnett Newman quando pintou as "Stations of the Cross", Leonard Cohen quando compôs "Hallelujah", Pascal Quignard quando escreveu os "Petits Traités"? Tenho as minhas dúvidas. E de que mundo estamos a falar? Da "opinião publica", esse conceito nebuloso do qual cada um faz o que lhe convém? Da constelação de vozes, opiniões, convenções, preconceitos e grunhices que afogam tudo o resto com o seu alarido, seja na praça pública, no ar que respiramos ou em todos os magníficos instrumentos que a Web 2.0 coloca à nossa disposição, a começar pelas caixas de comentários dos blogs? Prefiro o monólogo, o ensimesmamento, a não reconciliação. Prefiro os artistas que não agradecem. (Ver também este excelente post do Jorge.)

ANÉIS ATIRADOS À ÁGUA: Obrigado aos numerosos leitores que responderam a este apelo. Dos milhares de mensagens recebidas, selecciono aleatoriamente três:

  • No romance "Mau Tempo no Canal", Margarida arremessa ao mar o seu anel decorado com uma serpente, depois de se casar com André Barreto.
  • Em "O Silmarillion" de Tolkien, o anel originalmente criado por Sauron, e que confere o poder da invisibilidade ao seu portador, solta-se do dedo do rei Isildur e cai a um rio. Subitamente visível, Isildur é morto pelos Orcs.
  • No filme "Match Point", a personagem de Jonathan Rhys Meyers arremessa ao Tamisa o anel da mulher que assassinou. O anel ressalta num parapeito e cai fora de água, o que acabará por livrar a personagem de uma provável condenação.
PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: "Novelas do Defunto Ivan Petróvitch Bélkin", de Aleksandr Púchkin. De quando em quando, um tipo sente uma vontade irreprimível de ler prosa onde entrem samovares, verstas e fidalgos russos roídos pelo tedium vitae.

quarta-feira, julho 14, 2010

NAS MARGENS DA BARATA SALGUEIRO EU SENTEI E CHOREI: O programa da Cinemateca de Junho anunciava, para o mês seguinte, "Jacques Rozier". Afinal vai-se a ver a programação de Julho e nada de Rozier. E eu que antecipava já o imenso prazer que seria rever o glorioso "Du Côté d'Orouët". Nem vale a pena escrever sobre este filme, porque a exaltação que este filme transmite não se explica; é preciso vê-lo, de preferência vê-lo de novo, e só então soltar a verborreia e dizer tudo o que de bom e disparatado nos passa pela cabeça e que tenha a ver, ou não, com a praia de Saint-Gilles-Croix-de-Vie, com o sol a pôr-se no Atlântico, com o vento, a água salgada e o sono, o tempo, a festa e a mágoa. Outros desabafos avulsos sobre a Cinemateca:
  • Para quando um segundo secador de mãos na casa-de-banho dos homens?
  • Mais poltronas!
  • O que será de nós quando a vetusta impressora de agulhas que imprime os bilhetes entregar a alma ao criador?

( AVISO IMPORTANTE: "Orouët" rima com "pirouette".)

14 DE JULHO: A tomada da Bastilha foi há 221 anos. Há quem ache que o mundo era um sítio melhor para se viver em 1789 do que em 2010. Há quem pense que a Revolução Francesa não passou de um acto de arruaça, uma erupção de perversidade jacobina e sans-culottista sem antecedentes nem consequências de maior. Há quem defenda que os antigos regimes, com cambiantes de tirania mais ou menos acentuados, acabariam por cair de podres sem precisar de revoluções nem rupturas. Há até quem considere que esses mesmos antigos regimes não eram tão maus quanto os pintam. Não me incluindo em nenhum destes subconjuntos, resta-me celebrar, ano após ano, a data que simboliza um evento que dividiu em dois a história da humanidade, e que, mau grado todos os desvios e circunvoluções, contribuiu, mais do que qualquer outro, para consolidar os conceitos de cidadania e liberdade e fazer destes a fundação para todas as sociedades actuais com razões para se reclamarem decentes.

quinta-feira, julho 08, 2010

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: "Confissões de Uma Máscara", de Mishima, lidas por um jovem no cais da estação do Campo Grande, direcção (a sempre bela, viçosa e surpreendente) Telheiras.
PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO:
Decidi lê-lo acima de tudo porque se passa em Barcelona. Este foi o romance que revelou o futuro autor de "A Cidade dos Prodígios". É interessante enquanto retrato político e social da época que coincidiu com o final da 1ª Grande Guerra. Do ponto de vista literário, perde-se com demasiada frequência em soluções narrativas algo frouxas e previsíveis, e as personagens não são convincentes. Assinale-se a ousadia da pluralidade de registos (depoimento em tribunal, artigo de jornal, primeira pessoa, terceira pessoa, texto epistolar...).

segunda-feira, julho 05, 2010

PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: "La Tempestad", de Juan Manuel de Prada. Prémio Planeta de 1997. Logo nas primeiras páginas deste romance, um anel é lançado à água. Por coincidência (uma das duas tetas de que se nutre o PLEC, sendo a outra a premeditação), o livro que foi lido antes deste acabava literalmente com um anel arremessado à água. No caso do último opus da saga Ripley, tratava-se do anel de Murchison, um americano demasiado curioso que Ripley fora obrigado a suprimir, anos antes. O seu cadáver fora lançado a um dos afluentes do Sena, e repousara debaixo de água até que um outro americano, não menos curioso, o descobriu e trouxe novamente à superfície. O anel, uma das últimas provas que poderia ajudar a incriminar Ripley, é por este devolvido às profundezas, com um sangue-frio totalmente digno da personagem. Quanto ao livro de Prada, a água é a de um canal veneziano, e o anel foi retirado do dedo de um falsificador e ladrão de arte que acaba de ser alvejado, e que irá morrer nos braços do narrador, um obscuro investigador universitário espanhol obcecado com um famoso quadro de Giorgione. Haverá por aí mais romances nos quais anéis são atirados à água? Leitores, caso vos ocorra algum sabeis para onde escrever.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: No cais da estação de metropolitano da Baixa-Chiado (linha verde, direcção Telheiras), um cavalheiro lia "Temor e Tremor", de Kierkegaard. A sua indumentária (sobretudo as sandálias de praia com a bandeira do Brasil) mais depressa evocavam o estádio estético da vida do que o ético ou o religioso. Mas desde quando a leitura requer dress code?
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um jovem lia "A Fisiologia do Gosto", de Brillat-Savarin, em plena sala Dr. Félix Ribeiro da Cinemateca. Cruel ironia! Há muito tempo que a Cinemateca abandonou qualquer pretensão à excelência gastronómica. Há tempos, não tão distantes quanto isso, o restaurante sito no piso superior do recinto da Rua Barata Salgueiro reservava aos cinéfilos com larica especialidades como os espinafres à 39 degraus e os peixinhos da horta. Agora, a pobreza da ementa é tamanha que já me levou a saciar-me no McDonald's da Rua Rodrigo da Fonseca, entre umas curtas do Griffith e um Godard (autêntico). Nem só de Daney vive um homem.