FRACTURAS: Detesto a expressão "tema fracturante". No seu uso corrente, o termo abrange assuntos com o suposto potencial de dividir a sociedade, causar alvoroço, subverter a moral, voltar pai contra filho e irmão contra irmão. Quase sempre, esses temas alegadamente fracturantes relevam da esfera dos costumes. Como se a macroeconomia, a divisão administrativa, o trabalho, não albergassem igualmente o poder de dividir, minar alicerces, fracturar.
A adopção por casais do mesmo sexo foi chumbada na Assembleia. Foi uma decisão errada sob todos os pontos de vista: social, jurídico, científico. Não faltaram as vozes que clamam por mais debate (obviamente "alargado" e "aprofundado") ou que alegam dúvidas ou estados de alma, ao sabor da consciência libertada das peias da disciplina partidária. (Já para não falar da invocação ao Criador por parte do deputado Telmo Correia - argumento tão poderoso e ribombante que decerto entrará na história da retórica portuguesa.)
Como eu gostaria de ver um nível de escrúpulo, dúvida metódica e cepticismo comparáveis, quando se trata de votar projectos sobre temas menos escabrosos mas não menos fracturantes e decisivos. Por exemplo: sobre as leis laborais, sobre o enriquecimento ilícito, sobre os horários do comércio, sobre o arrendamento urbano...
(PS Como sempre, vale a pena ler
o que escreve a Isabel Moreira.)