sábado, outubro 05, 2013

5 DO 10

As decisões pusilânimes dos governantes têm prazo de validade e importância proporcional à pequenez daqueles que as tomaram. O significado das datas, esse, permanece. Feriado ou não, o 5 de Outubro continua a ser a data em que Portugal deu um passo de gigante no sentido da modernidade e em que deixou de ter como figura máxima o enésimo membro de uma dinastia beijada pela graça divina. Viva a República!

Imagem retirada daqui.

segunda-feira, setembro 23, 2013

E NADA MAIS QUE O CINEMA

Quando, numa das últimas cenas de "Tokyo Monogatari", a câmara de Ozu enquadra esses actores sublimes e grandiosos chamados Chishu Ryu e Setsuko Hara de encontro ao céu cinzento e uniforme, ao horizonte montanhoso e às inevitáveis linhas de alta tensão, custa a acreditar que o cinema tenha alguma vez podido voltar a ser feito de maneira tão intensa, tão dura, tão do tamanho do ser humano.


Felizmente, nunca faltou quem persistisse nessa aposta insensata, por vezes (quase?) com sucesso.

terça-feira, setembro 17, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Linha verde do metropolitano. Leitora lia "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde. Que a terra me engula se não for verdade.

segunda-feira, setembro 09, 2013

PÉROLAS DA PARIS REVIEW:

MARTIN AMIS: Well, I did one [signing session] with Roald Dahl and quite predictable human divisions were observable. For him, a lot of children, a lot of parents of children. With Julian Barnes, his queue seemed to be peopled by rather comfortable, professional types. My queue is always full of, you know, wild-eyed sleazebags and people who stare at me very intensely, as if I have some particular message for them.

(The Paris Review Interviews, Vol. 3)

quarta-feira, setembro 04, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

No cais da estação Campo Grande, linha verde, sentido Telheiras, um leitor lia "David Copperfield", na edição da Relógio d'Água.

Dickens rula! Sempre rulou e sempre há-de rular.

segunda-feira, setembro 02, 2013

ESTAMOS ENTENDIDOS

Quando um Primeiro-Ministro se sai com uma destas...

“Já alguém perguntou aos 900 mil desempregados de que lhe [sic] valeu a Constituição até hoje?”


ficamos a saber, de uma vez por todas, que foram abolidos todos os limites para a demagogia, a desfaçatez e a falta de sentido democrático. Obrigado ao Primeiro-Ministro por ajudar a dissipar quaisquer dúvidas que alguns ingénuos ainda pudessem alimentar a este respeito.

 (Ler também: "Para que serve esta merda?".)

 

sábado, agosto 31, 2013

SEAMUS HEANEY 1939-2013

Recordo-me bem da minha reacção emocional quando soube, pela rádio, da atribuição do Prémio Nobel da Literatura ao poeta Seamus Heaney. Os anos passaram, interesso-me cada vez menos pelo Nobel e pelas ondulações mediáticas que o acompanham, mas a admiração por Heaney, sem dúvida um dos grandes do século XX, não fez senão consolidar-se.


Song

A rowan like a lipsticked girl.
Between the by-road and the main road
Alder trees at a wet and dripping distance
Stand off among the rushes.

There are the mud-flowers of dialect
And the immortelles of perfect pitch
And that moment when the bird sings very close
To the music of what happens


(Mais poemas deste autor.)

sexta-feira, agosto 30, 2013

SÓ O CINEMA

Esta notícia sobre dois pseudo-afogados que regressam e ficam surpreendidos com a consternação gerada pelo seu desaparecimento fez-me imediatamente lembrar esta cena comovente do belíssimo filme "À Beira do Mar Azul", de Boris Barnet.

MASHA (preocupada): Quem morreu? Digam-me quem morreu!
O AMIGO (eufórico): Foste tu!



By The Bluest Of Seas (1936) pt. 1 por karimberdi

segunda-feira, agosto 19, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

No comboio, entre Espinho e o Porto: um leitor lia os "Contos" de Eça de Queiroz. Estava vestido com um pólo dos CTT.

Noutro comboio, entre Coimbra e o Porto: uma leitora lia "El Misterio de la Cripta Embrujada", de Eduardo Mendoza, mas interrompeu a leitura para uma sessão de galhofa com os companheiros de viagem, jovens e espanhóis como ela.

domingo, agosto 04, 2013

FILMES 2012

Passaram-se meses desde que divulguei os lugares 6 a 10 do meu top de 2012. Este atraso colossal, quase digno de uma empreitada pública, deixa-me corado de vergonha. Sem mais demoras, e limitando os comentários ao mínimo, aqui fica a lista dos meus filmes preferidos do ano passado. A lista não segue qualquer ordem particular.

  • "L'Apollonide - Souvenirs de la Maison Close", Bertrand Bonello. Um filme belo, claustrofóbico e doentio. Entretanto também vi o excelente "Le Pornographe", segunda longa-metragem de um realizador que eu não conhecia até aqui.
  • "Gebo et l'Ombre", de Manoel de Oliveira. Assombrosa demonstração de como Oliveira continua a ser dos poucos que consegue combinar um perfeito rigor da mise en scène com a liberdade absoluta concedida aos seus actores/cúmplices. De entre estes, sem querer menorizar o talento dos demais, não resisto a destacar o extraordinário Michael Lonsdale.
  • "Holy Motors", de Leos Carax. O filme mais original do ano e também uma das mais poderosas homenagens ao cinema, ao que ele possui de indomável e complexo, que vi nos últimos anos. Quanto ao actor principal, Denis Lavant, renunciei até hoje a esgravatar no baú dos adjectivos para me referir ao seu desempenho neste filme, e não é agora que o vou fazer. É trabalho escusado.
  • "Tabu", de Miguel Gomes. Tocante e inteligente. O filme certo no tempo certo, um tempo em que o cepticismo relativamente ao cinema português e ao seu próprio direito a existir e a ser apoiado atingiu níveis nunca vistos. O reconhecimento internacional massivo foi, por isso, muito oportuno, para além de merecido.
  • "Era Uma Vez na Anatólia", de Nuri Bilge Ceylan. Serviu para me reconciliar com este realizador, depois do passo em falso que foi "Três Macacos".
E ainda:

Filmes vistos na Cinemateca, festivais, sessões especiais, etc:
  • "La Nuit du Carrefour", Jean Renoir
  • "Providence", Alain Resnais
  • "Les Favoris de la Lune", Otar Iosseliani
  • "Mercado de Futuros", Mercedes Álvarez
  • "Blow Out", Brian De Palma
  • "L'Art d'Aimer", Emmanuel Mouret
  • "Ashes/Mekong Hotel", Apichatpong Weerasethakul
  • "A Summer at Grandpa's", Hou Hsiao-Hsien
  • "El Sur", Victor Erice

Filme mais sobrevalorizado: "Shame", Steve McQueen. Cena mais sobrevalorizada do ano: aquela em que Carey Mulligan canta "New York, New York", em "Shame". O que é que as pessoas viram nesta cena, tão celebrada? Será sempre um mistério para mim.


Michael Lonsdale e Leonor Silveira em "Gebo et l'Ombre", de Manoel de Oliveira (2011).



LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Na linha verde do metropolitano, uma leitora com indumentária de veraneante lia "Tess of the D'Urbervilles". Será que Thomas Hardy entra na categoria de literatura de praia? E porque não? Há que pensar fora da caixa, pulverizar fronteiras, insurgir-se contra categorias caducas.

sábado, agosto 03, 2013

SAUDÁVEL DIVERGÊNCIA DE OPINIÕES

I find it the most extraordinary piece of wit & wisdom that America has yet contributed. I am very happy in reading it, as great power makes us happy. It meets the demand I am always making of what seemed the sterile & stingy Nature, as if too much handiwork or too much lymph in the temperament were making our western wits fat & mean.

(Ralph Waldo Emerson, carta dirigida a Walt Whitman a propósito da 1ª edição de "Leaves of Grass")



A mass of stupid filth.

(Excerto de uma crítica à 1ª edição de "Leaves of Grass", no semanário "Criterion")

BERNADETTE LAFONT (1938-2013)

Talvez acabe por ser recordada sobretudo por causa de "Les Mistons" (curta-metragem de Truffaut, um dos filmes fundadores da nouvelle vague) e pelo seu papel no imenso e marcante "La Maman et la Putain", de Jean Eustache. Quanto a mim, associo-a automaticamente a Sarah, personagem discreta mas poderossíssima do lendário filme de Rivette "Out One".


quarta-feira, julho 31, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Em plena Avenida de Roma, uma leitora lia o "Jornal de Letras", em regime ambulatório. Regra geral, os periódicos não são elegíveis para esta rubrica, mas resolvi abrir uma excepção neste caso por uma pletora de razões.

Na sempre fiel linha verde do metropolitano, um leitor brandia a edição da Guimarães da "Antologia da Páginas Íntimas" de Kafka, deixando no ar a ideia de que a estivera a ler.

Numa ocasião separada, na mesma linha, uma leitora lia "O Cão Amarelo", de Martin Amis.

Indiferentes ao desfile de vaidades e podridões que os rodeia, os leitores em lugares públicos continuam a entregar-se à sua inclinação, que é também uma missão das mais nobres.

quinta-feira, julho 25, 2013

PÉROLAS DA PARIS REVIEW

INTERVIEWER: Are your characters trying to do what matters?

RAYMOND CARVER: I think they are trying. But trying and succeeding are two different matters.

(...)

RAYMOND CARVER: Any writer worth his salt writes as well and as truly as he can and hopes for as large and perceptive a readership as possible. So you write as well as you can and hope for good readers.

(The Paris Review Interviews, Vol. 3)

terça-feira, julho 23, 2013

DESVIANTES E PERVERSOS

Portugal tornou-se um paraíso mundial de comportamentos desviantes e perversos.

Quem o diz é João César das Neves, e como sempre tem toneladas de razão. Só hoje, no caminho entre minha casa e a estação de metro, deparei com dois casos de zoofilia (um deles, por sinal, particularmente escabroso tendo em conta a espécie envolvida), um fetichista de mãos, um outro de pés, um exibicionista, uma ninfomaníaca e ainda um cidadão que se entregava a actos aviltantes com um melão pele-de-sapo.

No verão de 2006 não se via nada disto. Era tudo gente serena e canónica nas suas inclinações. As leis laxistas aprovadas pelos fanáticos que ocupam a Assembleia trouxeram-nos para este lamaçal moral onde todos patinhamos.

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Um leitor lia um livro de Jorge Luis Borges enquanto esperava na fila para o autocarro da empresa "Mafrense". Foi no terminal de camionetas do Campo Grande. Pareceu-me que o livro era "O Relatório de Brodie", mas não consegui tirar a limpo.

Um leitor em lugares públicos é um peão numa batalha sem fim. Todos os minutos contam!

domingo, julho 21, 2013

TURISMO CINÉFILO

Ao folhear o "Guide du Routard" dedicado a Lisboa, deparo com um parágrafo relativo ao cinema português. São citados Manoel de Oliveira, João César Monteiro, Pedro Costa, Teresa Villaverde, Manuela Viegas, Joaquim Sapinho e João Pedro Rodrigues, entre outros. O apego dos franceses pelo cinema manifesta-se das maneiras mais inesperadas.

NÃO RECONCILIADOS

Desconfio sempre dos apelos ao consenso. Por mais repletos de boas intenções que estejam, costumam soar em demasia a tentativas de manter o status quo e de fazer prevalecer uma linha de pensamento ou acção, supostamente merecedora de aprovação consensual, em detrimento de outras. Esse tal pensamento ou essa tal acção, na óptica destes patrióticos e responsáveis apelos à concórdia, seriam por definição partilhados por todas as pessoas de bom senso e só o espírito de facção leva a que alguns façam finca-pé em posições heterodoxas.

A crise política que atravessou as últimas semanas, com epicentro em Belém, São Bento e Largo do Caldas e sucursal nas Ilhas Selvagens, encaixa em pleno neste figurino. (Uso o tempo presente, mas não duvido de que o Senhor Presidente da República se encarregará de pôr cobro à crise com uma comunicação sábia e certeira, hoje mesmo, às 20h30, tempo médio de Greenwich.)

A democracia implica a coexistência de opiniões diversas. Pretender que essa diversidade deve ser anulada em nome de um rumo comum é falacioso e perigoso. Acenar com o carácter excepcional da situação pode ser um eficaz meio de coerção, mas não representa um argumento real. Ainda que com fortes constrangimentos, ainda que sob um programa de assistência, governar Portugal pressupõe ainda fazer política e implica escolhas. E quem se responsabilize por essas escolhas, como é óbvio.

É nestas ocasiões que mais sinto vontade de ver filmes de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub.