domingo, março 17, 2013

FILMES 2012

O Natal é quando um homem quiser. A divulgação da lista dos melhores filmes do ano também.

Em 2012, não fui tantas vezes ao cinema quanto teria gostado, muito por culpa da teimosia dos dias que se recusam a ter mais de 24 horas. (É um problema que vem de longe.) Por exemplo, perdi o celebradíssimo "Amour", de Michael Haneke, um cineasta que se torna irritante e pomposo com demasiada frequência mas que é sem dúvidas capaz de fazer bons filmes ("Caché", "Code Inconnu").

Do que vi, retirei a impressão de que foi um ano sem grandes obras-primas, mas com um punhado de filmes muito bons e originais.

Vou deixar o meu "top 5" para outro dia, por me parecer que existe um fosso entre esses 5 e os demais que justifica tratamento à parte.

Hoje vou limitar-me a revelar as posições 6 a 10, sem nenhuma ordem em particular.
  • "Cosmopolis", de David Cronenberg. Gostei bastante, mas senti que não descolou do estilo e do registo de Don DeLillo. Como sou apreciador desse estilo e desse registo, a minha apreciação positiva foi consequência natural.
  • "Moonrise Kingdom", de Wes Anderson. Por vezes a roçar o genial, frequentemente tocante, sofre com os sub-enredos envolvendo as personagens adultas (apesar de actores que eu adoro, como Frances McDormand e Bill Murray) e com a parte final algo apalhaçada.
  • "Elena", de Andrey Zvyagintsev. Menos conseguido do que "O Regresso", ainda assim um filme sóbrio e inteligente.
  • "Le Havre", de Aki Kaurismäki. Aprecio o estilo e a coerência de AK em elevadíssimo grau. Este não é dos meus filmes preferidos dele, mas seria preciso um autêntico suicídio artístico, ou um ano excepcionalmente rico em obras de génio, para que um filme de Kaurismäki não entrasse no "top 10".
  • "Bonsái", de Cristián Jiménez. Um pouco em jeito de prémio simpatia, mas contém ideias e momentos interessantes em número suficiente para dispensar os favores ou a condescendência. E que bom seria que surgissem nas salas portuguesas mais filmes de cinematografias remotas (Chile, neste caso).
Diego Noguera em "Bonsái", de Cristián Jiménez (2011)

FALHAR A PONTARIA

Apanhei hoje uns minutos da emissão da RTP2 "Hora de Fecho". Os jornalistas Miguel Pinheiro e Ana Sá Lopes discutiam (como não podia deixar de ser numa altura em que um diminuto bairro romano, independente graças às circunvoluções da História e a diversas conjunções de interesses, se converteu no centro de gravidade do mundo mediático) o novo papa.

Miguel Pinheiro mostrou-se escandalizado pelo facto de o voto de saudação à eleição da papa, recentemente proposto na Assembleia da República, ter sido aprovado com abstenção dos partidos mais à esquerda e de 6 deputados do PS, ao passo que o voto de pesar pelo falecimento de Hugo Chávez recolheu unanimidade. A sua expressão reflectia, toda ela, indignação moral e compunção pela pavorosa inversão de valores que o caso configura.

Tenho a inteligência e o discernimento de Ana Sá Lopes em boa conta. Foi por isso uma desilusão vê-la falhar por completo a pontaria quando tentou contra-argumentar invocando as acusações de cumplicidade com a ditadura argentina, que têm vindo a lume, como possível e válido motivo dessa unanimidade falhada na aclamação ao novo bispo de Roma.

O tempo dirá se as acusações têm ou não validade. Estamos ainda demasiado próximos do acontecimento para que a separação do trigo e do joio tenha sido feita; por enquanto, impera o ruído mediático.

Já a oportunidade de o órgão máximo da democracia de um estado laico se pronunciar sobre a eleição de um líder religioso, essa sim, é extremamente contestável e não depende nem da personalidade nem de eventuais aleivosias e erros de percurso do indivíduo em questão.

Não posso adivinhar o que esteve por detrás das abstenções. Espero que tenham sido o sentido de Estado, o apego pela laicidade e a consciência republicana. Uma coisa, entretanto, é certa: este voto não deveria sequer ter sido proposto. O PS prestou um mau serviço ao país e à dignidade da Assembleia.


sábado, março 16, 2013

OBSERVAÇÕES SOLTAS SOBRE O NOVO PAPA

  • Nunca pensei que iria assistir à renúncia voluntária de um papa.
  • Quando João Paulo II se manteve em funções durante anos, mesmo depois de ser atingido por uma doença incapacitante, a sua coragem, espírito de sacrifício e dedicação foram quase unanimemente saudados. Quando Bento XVI renunciou ao cargo, alegando falta de vigor físico, a sua decisão foi classificada quase unanimemente como "moderna" e "corajosa". Pela mesmíssima ordem de ideias, JPII poderia ser considerado antiquado e casmurro e BXVI acusado de falta de dedicação e de capacidade de sofrimento.
  • A massiva atenção mediática que é concedida ao conclave roça o absurdo. Os directos da Praça de São Pedro, os planos intermináveis da chaminé e da varanda, fascinam pela sua gratuitidade.
  • "Papa Francisco" soa estranho. O cardeal Bergoglio deveria ter escolhido um nome de papa como Urbano ou Clemente, com o numeral adequado. Impõe outro respeito.
  • Um dado interessante que parece ter escapado à avidez descontrolada da comunicação social: este foi o primeiro papa a escolher um nome inédito desde o obscuro papa Lando (século X). (A excepção foi João Paulo I, mas neste caso a escolha do cardeal Luciani foi uma homenagem explícita aos seus antecessores, João XXIII e Paulo VI.)
  • Muitas vezes os papas são atacados com excessiva leviandade e agressividade; sou o primeiro a admiti-lo.O reverso desta medalha é a extraordinária benevolência com que largos sectores da imprensa os protegem e exaltam, com maior ou menos clareza consoante se trate de um pontífice mais (JPII) ou menos (BXVI) mediático. Repare-se: poucos dias depois da sua eleição, o papa Francisco já é unanimemente considerado simples, espontâneo, humano e humilde, com base em acções ou palavras pouco mais que anedóticas (pagou a conta da residencial, cozinha as próprias refeições, diz umas piadas de vez em quando, sorri muito). Não é difícil cair nas boas graças de uma comunicação social disposta a deixar-se embevecer.

quinta-feira, março 14, 2013

RECORDANDO ROSSELLINI

Pouco ou nada a dizer sobre o novo papa. Mas a escolha do nome fez-me recordar este filme tão belo de Rossellini.

"Francesco, Giullare di Dio", de Roberto Rossellini (1950)


Como seria maravilhoso que todas as religiões fossem vividas desta maneira simples, genuína e isenta de dogmas e de ódios. Poupar-se-ia tanto sofrimento.

domingo, março 10, 2013

James Stewart e Kim Novak em "Vertigo", de Alfred Hitchcock (1958)


Em "Vertigo", é notável a frequência com que as personagens usam o verbo "to wander" e seus derivados ("wandering about", "wandering around") para justificar as suas deambulações por San Francisco. Este é um filme em que as motivações das personagens parecem evoluir ao sabor das suas trajectórias silenciosas. Todos sabemos que Madeleine, afinal, é cúmplice de um plano homicida e que as suas errâncias não passam de uma farsa habilmente montada. Todos sabemos que Scottie a segue para fazer um favor a um amigo. Pouco importa. É quase impossível não ceder à ilusão, deixar de acreditar que este é um encontro entre dois seres perdidos no mundo, juntos pelo acaso e pela acção benigna de uma cidade cheia de declives e estradas tortuosas. O seu encontro, em particular a extraordinária cena da noite em casa de Scottie depois de este salvar Madeleine do afogamento (também isto é mentira), tem algo de consumação de um destino partilhado por dois "wanderers", vagabundos da vida prometidos um ao outro para lá de todas as maquinações humanas.

Some are too much at home in the role of wanderer
(Denise Levertov)

sexta-feira, março 08, 2013

CINÉFILO: OFÍCIO DE PACIÊNCIA

Pergunto-me se alguma vez compreenderei a incapacidade crónica dos distribuidores portugueses para respeitar as datas previstas para as estreias. Com o tempo, quase nos habituamos a encarar as datas anunciadas como meras estimativas, que só por um enorme golpe de sorte coincidirão com a data da estreia. Mas não devia ser assim. Em França, por exemplo, o espectador é respeitado. A data de estreia costuma fazer parte do próprio trailer, como um compromisso gravado na pedra. E é cumprida. Parece simples. Mas os distribuidores portugueses, na sua imensa sapiência ou inépcia, parecem gostar de complicar aquilo que é simples.

Por exemplo: há meses que se aguarda pela estreia de "In Another Country", de Hong Sang-soo, e de "Vous N'Avez Encore Rien Vu", de Alain Resnais. Pelo andar da carruagem, esses felizes eventos parecem remetidos para as calendas gregas. No caso do primeiro, já foram avançadas pelo menos duas datas diferentes. Parece haver razões para desesperar.

O circuito comercial português de exibição já está razoavelmente moribundo. Parece haver quem, caridosamente, insiste em infligir o golpe de misericórdia.

"In Another Country", de Hong Sang-soo (2012)

terça-feira, março 05, 2013

Ana Moreira em "Tabu", de Miguel Gomes (2012)


No filme, todos perdem: os amantes, a Europa, a África.(No blog "Anotações de um Cinéfilo".)

TUDO A TODOS

A secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Drª Teresa Morais, afirmou recentemente que

O tempo em que o Estado se via como o grande empregador, que podia dar tudo a todos, está ultrapassado.

Que tempo e que lugar foram esses em que o Estado podia dar tudo a todos? Tenho muita pena de não ter vivido esses anos venturosos, em que certamente o leite e o mel escorriam pelas valetas das ruas.

Há pessoas que logram a suprema habilidade de juntar a utopia e a ucronia numa só frase. Temos governantes de grande estirpe.

Mais a sério: distorcer o passado para mais facilmente impor uma agenda presente é um truque demasiado óbvio.

sábado, março 02, 2013

EDUARDO NERY (1938*-2013)


Sem título, 1966


Passo duas vezes por dia ao lado dos azulejos que ele criou para a estação de metro do Campo Grande. Mas prefiro as suas obras mais abstractas.

(*) Esta é a data de nascimento que consta da Infopédia e do catálogo da colecção do CAM. Nas notícias que saíram hoje, é indicada a data de 1936.

DESTINOS CRUZADOS

Faltou explicar outra afinidade entre Jacques Rivette e o blog: a data de nascimento. O primeiro post foi publicado no dia 1 de Março de 2003, 75º aniversário natalício do realizador. Não foi um acto deliberado. Por vezes, o acaso faz as coisas com graça e acerto muito maiores do que qualquer plano ou desígnio.

sexta-feira, março 01, 2013

DEZ

Foi há exactamente 10 anos que este blog apareceu.

Não faltaram, ao longo destes anos, os acidentes de percurso, os hiatos e as crises. Mas a continuidade nunca foi quebrada.

Saber da existência deste fio condutor que permanece preso, na extremidade mais distante, àquilo que eu era há uma dezena de anos dá-me um sentimento de satisfação a que não é alheia a estranheza.

Não atribuo importância excessiva a uma efeméride, mas decidi que, agora que o blog tem tantos anos de vida como os dedos das duas mãos, estava na altura de lhe dar uma indumentária nova.

A imagem é um fotograma do filme "Céline et Julie Vont en Bateau" (1974), de Jacques Rivette. A mulher vestida de enfermeira é Dominique Labourier, a outra é Bulle Ogier. Rivette é uma das pessoas mais importantes da minha vida. Não preciso de mais justificações para esta homenagem.

A cor do fundo é o mesmo verde de sempre.

A lista de blogs ainda é provisória. Nada de melindres, por favor.

De resto, este blog continuará a ser um blog que começa onde os outros blogs acabam, ou que acaba onde os outros começam, já não me lembro ao certo.

quinta-feira, fevereiro 28, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Na estação de metro do Saldanha, do lado da linha vermelha, uma leitora lia "Atonement", de Ian McEwan. Ler é maçada? Felizmente há quem discorde.
REFUNDAÇÃO: Será que o Estado carece de uma refundação? Este debate apaixona as massas. Do que não restam dúvidas é de que o blog, esse sim, precisa de ser refundado. Para já, aqui está o novo template. Seguir-se-á uma mudança de paradigma.

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

EM BREVE: Este blog é tão vetusto que se prepara para cumprir 10 anos. Como a Santa Sé não possui o monopólio das mudanças, o dia 1 de Março, para além desta grandiosa efeméride, servirá para inaugurar um novo template. Mas não será só a aparência que irá mudar. Vai tratar-se, acima de tudo, de uma mudança de paradigma.
FRASE DO DIA: A frase do dia, do inevitável João César das Neves, é esta:

«Quanto ao resto dos católicos, eles estão menos preocupados em saber quem querem que o novo Papa seja do que em saber o que o novo Papa vai querer que eles sejam.»

É o papa quem decide o que quer que os seus fiéis "sejam"? Uau. Não surpreende que Ratzinger tenha desistido. Demasiado poder sobre demasiadas mentes alheias. Deve acabar por cansar.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha verde do metropolitano: leitora lia "Contos Éroticos", de Moravia. Mesma linha, dia diferente, leitora diferente: Oscar Wilde, "De Profundis".

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

PUREZA E BELEZA: Uma grande crítica de Luís Miguel Oliveira a "Psycho", agora de regresso às salas portuguesas. Quem diz "pureza do gesto" está quase a dizer "beleza do gesto", o que remete para o recente e fascinante "Holy Motors" de Carax.


Também gostei da referência a "Frenzy" como "o último dos seus grandes, grandes filmes". Subscrevo.

quarta-feira, fevereiro 13, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha verde do metropolitano, uma leitora lia, de pé, "Os Livros Que Devoraram o Meu Pai", de Afonso Cruz. É assim mesmo!

domingo, fevereiro 10, 2013

Paris is the city, isn't it, and I am a lover of cities. It can be experienced much more pleasantly and conveniently than any other city I know. (...)each arrondissement is like a separate province, with its own capital and customs and even costumes.

(John Ashbery, entrevista na "Paris Review", volume 4.)

Não tenho absolutamente nada a acrescentar ao que o senhor Ashbery diz.

sábado, fevereiro 09, 2013

AGUENTA AGUENTA (3): Eu bem queria. Eu bem queria remeter o infeliz episódio Ulrich para o seu bem merecido nicho no armário das minhas preocupações passadas. Mas não consigo. Há qualquer coisa nesta sucessão de declarações emitidas por este homem estúpido, insensível e arrogante que me compelem a orbitar em seu redor, sem me conseguir libertar do seu abraço gravítico.

A bem da brevidade, e para não arrastar o leitor para esta armadilha kepleriana, apenas duas coisas:

1) As declarações de Ulrich são tão reveladoras da sua pequenez humana como da situação que vivemos. Há 5 ou 10 anos, ninguém se atreveria a ir tão longe, fora das caixas de comentários de pasquins online. Hoje, de tanto se pôr em causa aquilo que não se julgava capaz de ser posto em causa, certas criaturas sentem o odor do sangue e atrevem-se finalmente a expulsar verbalmente aquilo que lhes bailava na alma.

2) Verifica-se mais uma vez que aqueles que reclamam com calor não aceitar lições de sensibilidade (ou de moralidade, ou de civismo, ou de ética) são precisamente aqueles que mais carentes estão dessa pedagogia.

Às três é de vez. Prometo agora concentrar-me no balanço do ano cinematográfico, em Barbey d'Aurevilly, nos poemas de Denise Levertov e na doçaria tradicional portuguesa.

terça-feira, fevereiro 05, 2013

LEITURAS: Barbey d'Aurevilly (1808-1889) pode ser descrito como um dandy reaccionário. A literatura francesa é provavelmente mais fértil do que qualquer outra em paradoxos ambulantes deste género. Um dos aspectos que mais aprecio neste autor é o descaramento tranquilo com que vai colocando as suas opiniões políticas na boca dos seus narradores. Por exemplo, em "Le dessous de cartes d'une partie de whist" (quarto conto de "Les Diaboliques"):

«Elle faisait naturellement, simplement, tout ce que faisaient les autres femmes dans sa société, et ni plus ni moins. Elle voulait prouver que l'égalité, cette chimère des vilains, n'existe vraiment qu'entre les nobles. Là seulement sont les pairs, car la distinction de la naissance, les quatre générations de noblesse nécessaires pour être gentilhomme, sont un niveau.»

Discordo a 200%, mas quase dá vontade de concordar com uma enormidade vertida com tanto espírito.
FORMA DE VIDA: Uma nova revista. Há um conto inédito meu. E há, sobretudo, muito e muito bom para ler.

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

AGUENTA AGUENTA (2): Não é costume meu praticar o exercício de adivinhar intenções e estados de espírito alheios. Neste caso, porém, arrisco um palpite: Fernando Ulrich deve ter achado que colocar a hipótese de se vir a transformar num sem abrigo era um rasgo de humildade que o reconciliaria, em definitivo, com a ingrata opinião pública portuguesa. A evidência de que, bem pelo contrário, é um acto de arrogância descomunal talvez comece lentamente a ganhar terreno no seu entendimento.

sábado, fevereiro 02, 2013

AGUENTA AGUENTA: Sim, talvez a única questão a que faz sentido procurar resposta, neste caso lamentável, é aquela colocada por Pedro Lains: onde aprendeu Fernando Ulrich a dizer coisas assim? Partidários da "nature" e da "nurture" podem encontrar aqui uma ocasião dourada para dar novo ímpeto a este debate, que tende a eternizar-se. A idiotice, a falta de sensibilidade social e a boçalidade são traços inatos ou surgem à custa de interacções mais ou menos felizes com a sociedade?

quarta-feira, janeiro 30, 2013

PROJECTO COLECTIVO: No "Prós e Contras" de domingo passado, a expressão "projecto colectivo para Portugal" circulava alacremente de boca em boca. Parecia reunir total consenso a ideia de que o tal "projecto colectivo para Portugal" é a solução para todos os desmandos e dissabores dos portugueses. Eu não sei o que é um "projecto colectivo para Portugal". Faço uma pequena e muito difusa ideia do que são os milhões de projectos individuais e o esforço quotidiano dos portugueses para conquistar o seu quinhão de felicidade, mas ignoro esse conceito de "projecto colectivo". Soa totalitário e arrogantemente "top-down". E como seria implementado? Um "crowdsourcing" do Minho ao Algarve, alimentado a entusiasmo e afã patriótico?

(Se continuar a usar aspas a torto e direito, qualquer dia oferecem-me o lugar do Vasco Pulido Valente na última página do Público!)

quarta-feira, janeiro 23, 2013

CRÍTICA LITERÁRIA: A melhor cena do filme "Silver Linings Playbook" é claramente aquela em que Pat (Bradley Cooper) acorda os pais (Jacki Weaver e Robert De Niro) às 4 de manhã para desancar com fúria e indignação no romance "A Farewell To Arms", de Hemingway. A crítica, que não descura os aspectos formais nem os morais, é seguida de um arremesso certeiro do livro em questão, num voo planado que atravessa a janela.

É refrescante testemunhar uma dessas raras ocasiões, ainda que neste caso seja fictícia, em que a literatura se mostra capaz de desencadear paixões destruidoras.

(Mais tarde, Pat substitui a vidraça, com grande destreza e competência.)
CUIDADO COM OS TERMOS DE SERVIÇO: O melhor blog português da actualidade e de sempre esteve indisponível durante alguns dias, aparentemente por ter violado os termos de serviço do Blogger. Não é nada que me surpreenda. Os leitores regulares deste blog são confrontados em permanência com um excesso de inteligência, bom gosto, subtileza e sentido de humor que não pode deixar de ser ilegal. A subversão paga-se, mais tarde ou mais cedo. As coisas são aquilo que são.

Mas eis que entretanto, para saudável júbilo de muitas famílias, o blog voltou a estar disponível para o mundo na morada do costume.

segunda-feira, janeiro 21, 2013

PREFÁCIOS: Se todos os prefácios fossem como o que Cynthia Ozick escreveu para "Seize the Day", de Saul Bellow, os meus preconceitos contra este sub-sub-género literário há muito que seriam coisa morta e esquecida. Cynthia Ozick vale por todas as resmas de prefaciadores-étoile todo-o-terreno que açambarcam as publicações nacionais, vale por 100 Marcelos, 200 Medinas Carreiras e 18 milhões de Joões Césares das Neves, providencia o antídoto contra os rosários de prefácios despachados em piloto automático que, não raro, merecem mais destaque na capa e na propaganda do livro do que o próprio autor.

O prefácio de Cynthia Ozick explica, comenta e ilumina sem impor uma visão nem sugar a vitalidade à obra. Mais do que isso: consegue a proeza de fazer acreditar que o mundo seria um bocadinho pior sem a sua existência.

As suas últimas palavras, em retrospectiva, provocam um arrepio: «So they live on, these two New York stories - as queerly close, in the long view, as the Twin Towers; two heartstruck urban tales made to outlast much else.» (As duas histórias são as de Tommy Wilhelm, protagonista de "Seize the Day", e a do Bartleby de Melville, que Ozick usa abundantemente como termo de comparação.)

quinta-feira, janeiro 17, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Linha verde do metropolitano. Leitor. De pé. "O Processo". Franz Kafka. Ele mesmo. Cuidado com as imitações.

terça-feira, janeiro 15, 2013

LEITURAS:


"Seize the Day" foi o quarto romance de Saul Bellow. Publicado em 1956, três anos depois do celebradíssimo "The Adventures of Augie March", está longe da prolixidade picaresca deste. É curto a ponto de pôr em causa a própria designação de "romance" (pouco mais de 100 páginas nesta edição da Penguin") e a sua acção ocupa menos de um dia. A mais notável proeza de "Seize the Day" é a maneira concisa e profunda como transmite o retrato mental de um homem (Tommy Wilhelm, a personagem principal) ao mesmo tempo agudamente consciente da sua condição de falhado e da sua incapacidade de agir para se libertar dessa condição. Trata-se de um processo que se estende indefinidamente na direcção do passado, e que se prolongará no futuro. O dia em questão é marcado por acontecimentos relevantes (uma discussão agreste com o pai, um falhanço espectacular num bizarro investimento em futuros de banha e centeio, uma crise de choro no funeral de um estranho), mas não por alguma epifania ou ruptura decisiva. O evento maior, que justifica a narrativa, é talvez a cedência final, em tom quase religioso, ao seu "heart's ultimate need", que talvez não passe de um demasiado humano medo de não ser amado por ninguém, núcleo comum de todas as declinações de frustração e angústia que o atravessaram ao longo do dia. «But a man's howl, of anguish and rage, belongs to the Furies, and is not a joke» (do excelente prefácio de Cynthia Ozick).

segunda-feira, janeiro 14, 2013

PEPA, RELATÓRIO DO FMI, MESMO COMBATE: A mala Chanel da Pepa e o relatório do FMI: dois temas que deram origem a discussões caudalosas, mas que teriam ficado muito melhor no seu nicho, a acumular pó. O primeiro demonstra, com nitidez arrepiante, a facilidade com se geram vórtices de irrelevância e futilidade com poder para açambarcar as redes sociais. O segundo serviu um propósito muito concreto: lançar a Discussão sobre a "refundação" (aspas vigorosas aqui) do Estado Social, menos para sugerir soluções viáveis ou realistas do que para impor a própria Discussão como uma evidência e nela envolver todos os que recusam a possibilidade da Discussão. Tratou-se de uma arma de arremesso, ponderada e estudada criteriosamente para engendrar uma "no-win situation": recusar falar do relatório implica fuga à Discussão, logo ignomínia; falar do relatório significa, mais do que aceitar a possibilidade da Discussão, ceder aos termos em que a Discussão foi lançada e aceitá-los como razoáveis.

De que falar, sem ser da mala Chanel da Pepa nem do relatório do FMI? Existem muitas possibilidades. Neste momento, o tema mais merecedor de discursos parece-me que terá de estar relacionado com a silhueta de Kim Novak recortada contra a baía de San Francisco, poucos segundos antes de se lançar à água.


terça-feira, janeiro 01, 2013

UM FELIZ E RUTILANTE 2013 ESPECIALMENTE PARA SI:

Ou, nas palavras imortais de Andersson e Ulvaeus:


Este blog continuará a ser essa espécie de avenida onde cabem todas as grandes correntes do pensamento universal a que os leitores se habituaram.

quarta-feira, dezembro 19, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um leitor lia "A Boneca de Kokoschka", de Afonso Cruz. Não é grande proeza adivinhar o local: pois claro, a linha verde do metropolitano.

Por coincidência, acabei há poucos dias de ler este mesmo livro. Em Afonso Cruz, gosto muito do apetite pela metaficção e da maneira como cultiva uma variante muito pessoal de hipertextualidade. Tanto um como a outra distinguem-no entre os seus pares. Um dos aspectos menos conseguidos do seu estilo, por outro lado, é uma tendência para abusar de uma certa ingenuidade deliberada, que acaba por ser fatigante e por ter efeitos semelhantes ao desleixo.

terça-feira, dezembro 18, 2012

GRÃO A GRÃO: Ah quem me dera receber uma modesta quantia (vinte mil reis, na moeda antiga, chegariam para me contentar) por cada vez que a falácia de o ateísmo ser uma religião é vertida por escrito ou perpetrada oralmente. Desta vez foi Anselmo Borges, embora em modo citação (mas parecendo concordar com o autor original). Escusavam já agora de, de cada vez que o dislate é repetido, fazerem-no como se descobrissem uma verdade profunda e fulgurante.

segunda-feira, dezembro 17, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: O dia de anteontem foi um grande dia:
  • Na linha verde do metropolitano, uma leitora lia um livro que aparentava ser sobre as filmagens de "Faces", uma das obras-primas de John Cassavetes. Parecia ser um livro em n-ésima mão, acabado de comprar.
  • A poucos metros de distância, uma outra leitora lia "La Civilisation, ma Mère!..." de Driss Chraïbi. Chraïbi era um autor marroquino de quem li o muito bom "Le Passé Simple".

terça-feira, dezembro 11, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha verde do metropolitano, um leitor lia "Nenhum Caminho Será Longo", de José Tolentino Mendonça, e lia com atenção evidente, não era uma leitura distraída, até pensei que se ia esquecer de sair na estação de Telheiras, mas tinha de sair, não é?, é a estação terminal, pede-se o favor de saírem do comboio.

sábado, dezembro 08, 2012

AFINAL ONDE ESTÃO AS PESSOAS?: Sérgio Monteiro, Secretário de Estado dos Transportes, pode ser arrumado na categoria dos "grandes pândegos" até indicação em contrário. Confrontado com uma quebra significativa de passageiros nos transportes de Lisboa e Porto, não hesita em atribuí-la ao aumento da fraude. O facto de, no último ano, a qualidade de serviço ter decrescido de forma grotesca, de os preços terem registado aumentos entre o brutal e o meramente avultado, de os descontos sociais terem sido cortados a eito (falo sobretudo do metropolitano de Lisboa, que conheço melhor, mas a tendência parece-me ser comum a outros meios de transporte, pelo que ouço e leio), de o aumento pavoroso do desemprego diminuir infelizmente as necessidades de transporte de muitos portugueses, não parece ocorrer-lhe como causa possível para o fenómeno. A culpa é dos borlistas, ponto final. O remédio consiste em apertar a fiscalização e agilizar a cobrança de multas, ponto final parágrafo. O raciocínio do Dr. Sérgio Monteiro brilha pela simplicidade: «(...) os transportes estão cheios e existe menos um quarto de automóveis a circular. Não tendo desaparecido as pessoas, nem tendo havido um aumento de automóveis, significa que continuam a andar de transportes». As estatísticas revelam uma queda no número de passageiros, mas o Secretário de Estado, dotado talvez de uma presciência sobrenatural que vem com a titularidade da pasta como um brinde num pacote de cereais, sabe que os transportes "estão cheios". Calculo que baseie esta asserção numa observação das composições da linha verde do metropolitano de Lisboa, que, desde a supressão da quarta carruagem, fervilham, com efeito, de gente amontoada.

Tudo vai bem. As estatísticas valem o que valem, ou seja muito pouco do ponto de vista de quem se sabe detentor de verdades absolutas, imunes aos números e ao bom senso.

domingo, dezembro 02, 2012

IMPRESSÕES DE PARIS (6): A Ménagerie do Jardin des Plantes é um jardim zoológico pequeno mas bem povoado de espécies relativente pouco comuns. Por exemplo, a vicunha:




Gosto muito da expressão de indiferença soberana que é comum a todos os camelídeos que conheço.

Pode argumentar-se que as tartarugas não têm nada de insólito, mas não me recordo de alguma vez ter estado ao pé de uma com este tamanho:


Falta a tradicional régua ou objecto familiar para transmitir a escala espacial, mas posso garantir que o bicho era muito grande.

Infelizmente, desperdicei de forma miserável a oportunidade de fotografar os dois animais que mais me fascinaram. Um deles foi o pudu:

Jaime E. Jimenez, commons.wikimedia.org

O nome "pudu" refere-se a duas espécies diferentes de veados, consideradas as mais pequenas do mundo, nativas da América da Sul. O seu comprimento não excede os 85 cm. São consideradas espécies vulneráveis, ou seja, à beira de estar em risco de extinção.

O gato de Pallas (Otocolobus manul) é um gato selvagem nativo da Ásia Central. Esta espécie é considerada "quase ameaçada" pela União Internacional para a Conservação da Natureza, ou seja, a um passo de virem a ser abrangidos pela categoria "vulnerável".

Jar0d, commons.wikimedia.org


Selvagem ou não, parece uma criaturazinha adorável que despertará certamente em muitos amantes do gato doméstico um desejo de o trazer para casa, contra todas as regras do bom senso. Mas só posso falar por mim.

A reprodução em cativeiro do gato de Pallas é extremamente difícil. Aqui, o relato de uma história de sucesso no jardim zoológico de Cincinnati.

Para acabar, um burro particularmente sociável e adepto da interacção com os visitantes:




quarta-feira, novembro 21, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um cavalheiro lia o "Diálogo Sobre a Justiça", de Platão, de pé, no metropolitano (esqueci-me da cor da linha).

Há lá actividade mais nobre, mais bela e mais útil do que a leitura!?

quarta-feira, novembro 14, 2012

Luís Miguel Cintra e João César Monteiro em "Recordações da Casa Amarela"

«Meus filhos, são filmes destes que, pousando, vos trarão a nitidez às vidas. A todas as vidas.»
(João Bénard da Costa, na folha da Cinemateca dedicada ao filme)

segunda-feira, novembro 12, 2012

DIFICULDADES E SOFRIMENTOS:

«Na linha da mensagem dos padres sinodais devemos acreditar que as dificuldades e os sofrimentos que acarretam [os tempos difíceis] podem representar oportunidades de evangelização”, sustentou [José Policarpo], frisando que as dificuldades materiais não devem anular as famílias “como lugar de amor, de convivência, de discernimento e de coragem para lutar.»

Lido de uma maneira, isto parece querer dizer: em momentos de fragilidade, aliciar as pessoas para a nossa fé torna-se uma tarefa mais fácil. Há que aproveitar.

Lido de outra maneira, parece querer dizer exactamente o mesmo.

Mas devo ser eu que estou a retirar estas declarações do seu contexto. Ah, o contexto...

sábado, novembro 10, 2012

ELEIÇÕES NOS EUA (4): Explorar sites conservadores à procura de pepitas, no meio das reacções de choque e espanto à reeleição de Barack Obama, pode rapidamente transformar-se num vício. Por exemplo:

«(...) how in the world could the total number of votes for Romney not be many, many more than for McCain in 2008? By all accounts, huge numbers of Christians, Conservatives, Republicans and independents who stayed home last election were reported to be all fired up to prevent Obama from another destructive term and chomping at the bit to vote. We are now supposed to believe, at the last minute, they decided to stay home?»

Seguem-se algumas teorias de conspiração, que, em termos de negação da realidade, vão aonde os mais experientes e ousados teóricos da consipiração teriam vergonha de ir.

quarta-feira, novembro 07, 2012

ELEIÇÕES NOS EUA (3): A schadenfreude não costuma figurar entre os meus desportos favoritos, mas hoje fiz questão de visitar o site da Conservapedia para ver o que tinham os conservadores empedernidos a dizer sobre a vitória do estalinista Barack Hussein Obama. Não esperava outra coisa que não fosse um saboroso sarapatel de negação, recriminações dirigidas à comunicação social (obviamente vendida à causa liberal) e desculpas imaginativas, e não fiquei desiludido. Apreciei particularmente o link para um artigo de há 2 dias onde ainda se especulava sobre a possibilidade de Romney ganhar os estados de Nova York e Nova Jersey devido aos efeitos do furacão Sandy. Haverá limites para o delírio? E porque não uma erupção do vulcão Mauna Kea que ditasse a derrota de Obama no Hawaii?
ELEIÇÕES NOS EUA (2):

Talvez involuntariamente, Mitt Romney citou "O Padrinho" no seu discurso de derrota. «I believe in America» são as primeiras palavras ouvidas no filme, proferidas pelo cangalheiro Bonasera que pede justiça a Don Corleone.

FADE FROM BLACK: Int. of Don Corleone's home office -day

BONASERA (seated in front of the Don's desk, facing the camera)
I believe in America. America has made my fortune. And I raised my daughter in the
American fashion. I gave her freedom, but -- I taught her never to dishonor her family.
ELEIÇÕES NOS EUA (1):

(Retirado de cnn.com)




YESSSSSSSS!!!!

segunda-feira, novembro 05, 2012

PRETO E BRANCO: Na caixa do DVD está a promessa de um filme a cores, mas o filme "A Vida de Boémia" é a preto e branco. Mais atenção, por favor, senhores da Midas! Claro que eu ficaria muito surpreendido se alguém comprasse ou deixasse de comprar um filme de Kaurismäki por este ser a cores ou a preto-e-branco.

Quanto ao filme, não traz nada de excepcionalmente novo à filmografia de Kaurismäki, mas não é isso coisa que me apoquente. Adoro realizadores que se obstinam em ser fiéis ao seu estilo, contra ventos, marés e acusações de repetição. Nem sequer o facto de adaptar uma obra literária (neste caso "La Vie de Bohème", de Henry Murger) é novidade: recorde-se "Crime and Punishment" (1983) e "Hamlet Goes Business" (1987).

"A Vida de Boémia" é um filme de 1992. O estilo é o mesmo de antes e depois, mas esta obra talvez seja aquela, de entre as que conheço deste realizador, em que mais se nota a vontade de introduzir algum sentimentalismo no conteúdo (por contraste com os emocionalmente mais enxutos "Shadows In Paradise" ou "The Match Factory Girl"), sem abdicar do registo sóbrio. A dissonância funciona esplendidamente, como continuará a funcionar em "Nuvens Passageiras", "O Homem Sem Passado" e os outros.

André Wilms e Matti Pellonpää em "A Vida de Boémia" (1992)

Matti Pellonpää, aqui no papel de pintor albanês, já faz parte da mobília. No que respeita a André Wilms, quanto mais o vejo no seu ofício, mais gosto dele.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Linha verde do metropolitano. "A Recusa", de Imre Kertész. Dizem que ninguém lê o Prémio Nobel de 2002, mas basta um só leitor para deitar por terra essa teoria perversa.

quinta-feira, novembro 01, 2012

REAVALIAR: Um dos poucos aspectos positivos da crise é este: o sopro de desinibição que circula pelas mentes arejadas dos fazedores de opinião e forças vivas do país, a licença para dizer aos quatro ventos aquilo que seria indizível, pelo menos público, há apenas alguns anos. Torna-se assim mais fácil de distinguir quem está de que lado de cada barricada.

Tudo o que seja "reavaliar", "refundar" ou "reajustar" está na ordem do dia. Roberto Carneiro, por exemplo, considera que pode ser benéfico reavaliar as funções do Estado na educação. “Em áreas onde há uma actividade de mercado, onde há outros agentes de natureza privada, ou de natureza intermédia, é evidente que o Estado tem de repensar a sua função, como é o caso da educação”.

Há muitas maneiras de atacar a escola pública. Roberto Carneiro embrulha o seu ataque pessoal na evidência e no pragmatismo, mas é de um ataque que se trata, naturalmente carregado de ideologia. E nem se pode dizer que esconda o jogo: “Não quer dizer que a educação não tenha de ter sempre uma grande presença do Estado na área da regulação e financiamento na área da solidariedade”. Ou seja, no sonho extravagante de Roberto Carneiro, o papel do Estado na educação reduzir-se-ia a regular e a ensinar o B-A-BA aos indigentes, e provavelmente a passar cheques chorudos a uma florescente rede de escolas com contrato de associação.

No fundo, estou de acordo com Roberto Carneiro. O Estado deve reavaliar as suas funções na educação. Mas essa reavaliação não pode deixar de ir no sentido de aprofundar o papel da escola pública, principal responsável pelo aumento dos níveis de escolaridade em Portugal nos últimos anos, e um dos factores que fazem com que a expressão "igualdade de oportunidades" não seja completamente vazia de sentido.

segunda-feira, outubro 29, 2012

DESGRAÇA: João César das Neves é indubitavelmente uma criatura muito interessante, para não lhe chamar um case-study com pernas.

Numa das suas últimas crónicas, ele dá a entender que o Tribunal Constitucional "desgraçou o país" com a sua decisão de declarar inconstitucional o corte dos dois subsídios na Função Pública.

Para edificação das massas ignaras, JCN deveria ter explicado quais das demais instituições do Estado correm o risco de desgraçar o país como consequência do exercício normal e legítimo das respectivas funções.

Por exemplo, será de exigir ao Tribunal de Contas, à Procuradoria Geral ou à Autoridade da Concorrência comedimento ou auto-censura, para evitarem situações gravosas, a Bem da Nação?

Senhor João César das Neves, por favor esclareça-nos. As suas pepitas de sabedoria não cairão em saco roto. Não faltam por aí compradores para sugestões sobre como amordaçar instituições democráticas e órgãos de soberania.

A Constituição é um empecilho; isso já todas as pessoas de bem perceberam. Não nos fiquemos por aí.

sexta-feira, outubro 05, 2012

EFEMÉRIDE: Foi e continua a ser atacada e deturpada pela brigada de revisionistas contumazes ou de ocasião, profissionais ou amadores; secundarizada por políticos cegos, tacanhos e ignorantes da História; enxovalhada pela decisão estúpida e ultrajante de retirar ao dia 5 de Outubro o estatuto de feriado (a ver vamos, muita água vai ainda correr por debaixo da ponte nos próximos 365 dias); desprestigiada por incidentes e decisões lamentáveis por parte daqueles que tinham por obrigação honrar esta data (a cerimónia à porta fechada, o episódio pythoniano da bandeira ao contrário)...

Mas a República é muito maior do que tudo isto e resiste a tudo isto.

Viva a República! (A de hoje e a de 1910, muito mais moderna e inovadora do que lhe é reconhecido.)
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: No aeroporto de Heathrow, um leitor lia "A Farewell To Arms", de Ernest Hemingway.

terça-feira, outubro 02, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: O cavalheiro ruivo entrou na estação London Bridge (Jubilee Line). Sentou-se, extraiu um exemplar de "Paradise Lost", leu durante todo o percurso até à estação Westminster, onde saiu. É preciso tão pouco para encher de júbilo o meu coração!

sábado, setembro 22, 2012

IMPRESSÕES DE PARIS (5): Encerre-se o capítulos dos museus com o museu Bourdelle. Este museu existe no antigo atelier e habitação do escultor Antoine Bourdelle (1861-1929), aluno de Rodin e professor de Giacometti e Vieira da Silva, entre muitos outros.

Este é o tipo de museu que ganha em ser visitado num dia em que o tempo esteja bom. O atelier propriamente dito aproveita muito bem a luz natural. No seu interior estão dispostas esculturas, móveis e vários apetrechos, sem critério aparente. Não é preciso muito mais para nos imaginarmos dentro de um quadro de Magritte ou Delvaux.




Bourdelle nutria uma admiração muito forte por Beethoven, de quem esculpiu numerosos bustos.



Gostei mais das esculturas de pequena e média dimensão do que das obras monumentais que mais contribuíram para a sua fama e para o seu sustento; mas isto reflecte sem dúvida o meu temperamento, e não um juízo estético. Este é um busto de James Frazer, autor de "The Golden Bough", clássico da antropologia dos mitos e das religiões.



Parece tarefa impossível encontrar um museu parisiense que não esteja acompanhado pelo respectivo jardim, e pelo consequente convite a horas de leitura ou ócio. Este está povoado por esculturas susceptíveis de induzir pesadelos aos mais impressionáveis.


DEIXEM O HOMEM DECIDIR OS SEUS TÍTULOS: Os títulos de trabalho da última longa-metragem de Woody Allen foram "Bop Decameron" e "Nero Fiddles", ambos excelentes. O título que acabou por ficar foi "To Rome With Love", insípido e aparentemente detestado pelo próprio realizador. Quanto ao filme, cumpre o que se esperava dele: ligeiro, mas com alguns momentos cómicos a roçar a excelência e a colecção de interpretações inteligentes (p.ex. Alec Baldwin, Judy Davis, Ellen Page, Roberto Benigni) que nunca falta aos filmes de Woody (cuja simples presença no filme como actor, que não acontecia desde "Scoop" é desde logo factor de recomendação). Dentro do cânone de Woody Allen, prefiro os filmes deliberadamente despretensiosos, como este, àqueles atravessados por uma suspeita, por leve que seja, de tese ou ideia a demonstrar (como "Midnight in Paris", excessivamente baseado na desmontagem do hábito, demasiado humano, de olhar para as épocas passadas como infinitamente mais venturosas e excitantes).

quarta-feira, setembro 19, 2012

IMPRIMAM O MITO: João César das Neves prossegue a sua exploração semanal do território onde se cruzam a infâmia, a beatice e o disparate. De tanto cruzar os limites do razoável, deixou de se fazer notado. De facto, só aos mais dedicados observadores da natureza humana sobra paciência para continuar a acompanhar a sua rota.

Mas há coisas que custa deixar passar. Nesta semana, JCN insiste pela enésima vez num dos seus estribilhos preferidos: a desordem pública, os protestos,a indignação popular, são em última análise responsáveis pelas ditaduras que lhes sucedem; o totalitarismo surge como a única resposta expectável face à anarquia; os excessos da Primeira República conduziram inevitavelmente ao 28 de Maio, Weimar justificou o 3º Reich, a Frente Popular abriu caminho para Vichy, a República Espanhola não deixou outro remédio ao general Franco a não ser tomar o poder e ficar com ele. Bla bla bla, rebeubéu pardais ao ninho.

É desolador alguém afirmar ou insinuar que o protesto, a reivindicação de direitos, acarretam o risco de o Estado soçobrar, e que tais prerrogativas devem por isso ser usadas com comedimento e humilde parcimónia. Nem dá vontade de imaginar em que espécie de idade média viveríamos ainda hoje em dia, se esta maneira de pensar fosse partilhada por todos.

Menos grave, mas preocupante quando saído da pena de um economista, são afirmações como «Nunca tivemos até hoje democracia com controlo das contas públicas: nem na Monarquia, nem na Primeira República, nem desde 1974.» JCN deveria talvez solicitar à direcção do jornal que continua a abrigar a sua prosa que passasse a periodicidade da sua coluna para quinzenal, e usar o tempo livre para estudar a história da Primeira República. Dando a palavra a quem sabe do assunto ("A Política Financeira", de Maria Eugénia Mata, in "História da Primeira República Portuguesa", coordenação de Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, Tinta-da-China, 2009), a história financeira da Primeira República pode descrever-se muito resumidamente em 3 fases:

  • Equilíbrio das contas públicas durante o período em que José Relvas exerceu o cargo de ministro das Finanças, no seguimento aliás de uma tendência, que já se verificava no final da Monarquia, de recuperação das consequências da bancarrota de 1892.  
  • Entrada na 1ª Guerra Mundial, com consequente aumento do défice devido às despesas militares, queda nas receitas fiscais devido ao abrandamento da economia, e (após o final do conflito) falta de pagamento das reparações de guerra por parte da Alemanha. Esta tendência foi comum à maioria das nações beligerantes.
  • Após vários anos de descontrolo e hiperinflação, reequilíbrio progressivo das contas públicas durante o governo de Álvaro de Castro (1924).
   
Para rematar: «Transferiram-se assim para o novo sistema político [Ditadura Nacional e Estado Novo] os louros da política de saneamento das finanças públicas dos anos finais da Primeira República.» (página 202).

Transformar em realidade o mito de uma Primeira República despesista, descontrolada e financeiramente irresponsável irá requerer, temo-o bem, um pouco mais de empenho da parte de JCN. O wishful thinking não chega.

 
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha verde do metropolitano alfacinha, um leitor lia Cesare Pavese. Pareceu-me ser "A Lua e as Fogueiras". Curiosamente, o leitor trazia um outro livro, não identificado, na mão e em posição de leitura iminente. Um plano B para o caso pouco provável de o Pavese não estar à altura?

segunda-feira, setembro 17, 2012

IMPRESSÕES DE PARIS (4): O Petit Palais merecia ser mais conhecido do que é.



O edifício é imponente sem ser ostentatório, o interior foi concebido de modo a tirar o máximo partido da luz natural, a colecção é variada e integra desde antiguidades a objectos decorativos, pintura e escultura; a qualidade é uniformemente muito boa e a visita faz-se, sem forçar, numa manhã. Ao Petit Palais não ficaria mal um apodo como "o anti-Louvre".

O Petit Palais fica situado entre a margem direita do Sena e os Champs-Elysées, e face (como seria lícito supor) ao Grand Palais. Ambos os edifícios foram construídos com vista à exposição universal de 1900. Como é inevitável em França, não faltaram detractores e defensores que protagonizaram uma disputa efémera mas acesa. Julien Green, por exemplo, detestava-os a ambos, ao grande como ao pequeno. Paul Claudel, pelo seu lado, elogiou o pátio interior do Petit Palais e afirmou que tudo o que se lhe seguiu em arquitectura foi marcado pelo estigma da decadência.

Não seria difícil destacar uma mão cheia de quadros expostos no Petit Palais. Fico-me por dois.

Gustave Courbet, "Autoportrait au chien noir" (1842)

É extremamente raro deparar com uma obra de Courbet que me deixe indiferente. Este auto-retrato tem tudo: originalidade, insolência, e uma aparente simplicidade de meios quase rústica. É um quadro inteiro, sincero e perturbador, ou seja tudo aquilo que se espera de Courbet.

Pierre Bonnard, "Conversation à Arcachon" (1926-1930)


Bonnard é um enigma pessoal. Nunca me ocorre o seu nome quando me forço, por ócio ou estímulo alheio, a fazer a lista dos pintores que verdadeiramente contam para mim. E no entanto, dele posso dizer com convicção aquilo que não posso dizer de muitos: os seus quadros interpelam-me, todos parecem albergar um segredo, grandioso ou corriqueiro; algo na sua imperfeição, num detalhe ou num capricho da sua execução transformam-nos em coisa única.

Como se tudo isto não bastasse, a loja do museu, embora pequena, está muito bem fornecida, e o museu é dotado de um jardim interior onde apetece passar o tempo.

sexta-feira, setembro 14, 2012

IMPRESSÕES DE PARIS(3): Tudo no Museu do Louvre obedece a uma concepção maximalista, adequada aos livros de recordes mas madrasta para o visitante desprevenido. A quantidade de obras-primas é muito grande, mas há que reconhecer que a abundância de obras indiferentes ou medíocres funciona como um ruído de fundo que só com alguma prática se aprende a ignorar. As salas dedicadas à pintura francesa dos séculos XVII e XVIII são o exemplo mais óbvio disso mesmo. Entre paredes que quase soçobram com o peso do academismo e da grandiloquência dos quadros que suportam, o visitante tem de dar mostras de paciência para chegar ao seu nicho preferido, que no meu caso é a secção dos Watteau e em particular os assombrosos "Les Deux Cousines" e "Le Faux-Pas".


Antoine Watteau, "Les Deux Cousines", c. 1716


Ainda a propósito das estratégias para escapar às filas de espera à entrada do Louvre, uma das mais simples consiste em comprar o bilhete combinado Museu Delacroix/Louvre. Claro está que isto faz mais sentido quando existe pelo menos uma admiração remota pela obra de Delacroix, sobretudo atendendo a que o museu que lhe é dedicado apresenta um interesse muito fraco para o não iniciado. O museu fica instalado numa zona entalada entre o Boulevard Saint-Germain e o Sena, que surpreende pela pacatez. Trata-se da casa que Delacroix ocupou nos últimos anos da sua vida, escolhida pela proximidade relativamente à igreja de Saint-Sulpice, aonde o artista se deslocava regularmente para trabalhar na decoração de uma capela.

Conheço poucos lugares mais tranquilos e incompatíveis com ralações pequenas, médias ou graúdas do que o jardim do Museu Delacroix:


Voltando ao Louvre, algo que impressiona negativamente é a negligência do pessoal nos acessos ao recinto e às galerias. A minha mochila foi objecto do mais sumário dos exames e não passou por uma única máquina de raios X. O que poderá justificar esta falta de cuidado? Estarão a esconder-nos algo? As obras expostas possuirão mesmo o valor incalculável que lhes é atribuído, ou não passarão de imitações, por exigência das seguradoras? Por muito menos do que isto, há por aí teorias da conspiração a medrar com uma pujança invejável.

quinta-feira, setembro 13, 2012

INCURSÕES ON THE WILD SIDE: Por vezes, faz bem ao espírito aventurar-se por territórios onde a falta de tino convive na perfeição com uma certa desenvoltura opinativa. O blog "Blasfémias" é um desses lugares revigorantes:

«O Primeiro Ministro comunicou ao país na Sexta-Feira uma solução que é um tratado de como fazer liberalismo prático num país minado por uma constituição socialista e uma opinião pública de esquerda.» (João Miranda)

Vivi estes anos num país minado por uma opinião pública de esquerda, sem o saber. Vou passar a prestar mais atenção a onde ponho os pés, quando sair à rua.

Bem vistas as coisas, valha a verdade, o "Blasfémias" não passa de uma droga recreativa. Para material mais hardcore (potencialmente viciante), sugiro uma visita aqui.

segunda-feira, setembro 10, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Paris é Paris, mas o metro de Lisboa é (como negá-lo?) o metro de Lisboa. Hoje, um leitor a ler "O Riso", de Bergson.

domingo, setembro 09, 2012

IMPRESSÕES DE PARIS (2) e LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Uma excursão a Paris representa uma autêntica injecção de adrenalina nesta rubrica tão apreciada pelos leitores!
  • Só no aeroporto e durante o voo Lisboa-Paris, os avistamentos foram muitos e variados: Balzac ("La Femme de 30 Ans"), Borges ("Fictions", em francês), Cormac McCarthy ("The Road"), Tolstoi ("Anna Karénine", em francês).
  • No jardim das Tuileries: uma leitora, confortavelmente instalada com os pés apoiados numa cadeirita, lendo "The Sense of an Ending", de Julian Barnes.
  • No voo de regresso: uma leitora entretida com "W ou le Souvenir d'Enfance", do grande Georges Perec.
Ver alguém a ler Perec a milhares de pés de altitude, por cima do golfo da Biscaia, tem o efeito de uma gota de bálsamo no coração.

quinta-feira, setembro 06, 2012

A PROPÓSITO DE "O CONCERTO DOS FLAMENGOS": Certas frases da Agustina são tão ricas, tão inesperadas, tão livres, tão gloriosamente convoluídas, tão cheias de uma sonoridade singular e insolente, que apetece sair para a rua a cantar, dar piruetas ou fechar-se num quarto com mantimentos para dois meses e escrever um romance.

(Incluindo as frases mais exasperantes e que se contradizem entre si; sobretudo essas.)


segunda-feira, setembro 03, 2012

IMPRESSÕES DE PARIS (1): Por onde começar? Na desordem, sem qualquer veleidade de sistematização, comecemos pelos museus.

O gigantesco museu do Louvre pode transformar-se num problema intratável, ou num sorvedouro de energias para o visitante. Há dois conselhos que são repetidos até à saciedade pelos mais calejados, e que nunca é demais repetir:
  1. Evitar a entrada principal (a da pirâmide), e optar, em vez desta, pela entrada do Carrousel (centro comercial subterrâneo) ou pela Porta dos Leões, habitualmente menos concorridas.
  2. Abdicar da ambição (nobre, reconheça-se) de ver todo o museu. É mais avisado planear a visita e concentrar-se nalgumas secções específicas. A não ser, claro, que o objectivo seja o de bater algum recorde...

Esta última visita que fiz concentrou-se na colecção de antiguidades egípcias e na pintura francesa e holandesa.

Duas das peças egípcias de que mais gostei foram estas estátuas da deusa Sekhmet, tradicionalmente representada sob a forma de leoa, com a cabeça encimada pelo disco solar:


Estas serpentes de cauda excepcionalmente longa foram encontradas no túmulo de um governador que viveu durante o reino de Sesóstris I (1943-1898 a.C.):



Convém estar atento, durante a visita, a pormenores exteriores à colecção propriamente dita. Por exemplo, o tecto da "Salle des Bronzes" foi pintado por Cy Twombly, um dos poucos artistas contemporâneos a quem foi dada a oportunidade de decorar o Louvre:



domingo, setembro 02, 2012

48° 51′ 24.12″ N, 2° 21′ 2.88″ E: Alguns dias passados na mais bela cidade do mundo representam uma injecção poderosa de ânimo, mas também deixam um vestígio duradouro de melancolia. Não são coisas incompatíveis.


quinta-feira, agosto 23, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: No bar da estação de São Bento (Porto), um cavalheiro que vociferava ao telemóvel tinha um exemplar (muito usado) do "Pacheco versus Cesariny" em cima da mesa. Não o estava a ler, mas algo me diz que já o tinha lido ou que o iria fazer em breve.

(Quem se lembra das estações do Monopoly? Eram as de São Bento, Campanhã, Rossio e Santa Apolónia.)

sábado, julho 28, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Leitor. Linha verde do metropolitano. "The Names" (Don DeLillo). Bastam estes três elementos. Não é pedir muito ao Mundo. É também mister um observador, mas disso encarrego-me eu.

terça-feira, julho 24, 2012

LEITURAS: Estou a ler "Les Grands Chemins", de Jean Giono. O autor foi presidente do júri do Festival de Cannes de 1961, numa altura em que já se tinha dissipado a sua reputação (mais ou menos merecida, isso pouco importa para o caso) de colaboracionista. Esse foi o ano em que "Viridiana", de Buñuel, ganhou a Palma de Ouro (ex aequo com o praticamente esquecido "Une Aussi Longue Absence", de Henri Colpi). Ainda que a obra literária não existisse, isso já chegaria para justificar a sua existência na Terra.


sábado, julho 14, 2012

FOI HÁ 223 ANOS:


LUÍS XVI: É uma revolta?
DUQUE DE LA ROCHEFOUCAULD: Não, majestade, não é uma revolta, é uma revolução.

(Imagem retirada daqui.)

terça-feira, julho 10, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha amarela do metro, uma leitora lia "Ar de Dylan", de Enrique Vila-Matas. É tudo por hoje.

quinta-feira, junho 28, 2012

«Porém, nenhuma pessoa pode violar a palavra de honra, porque então será impossível viver no mundo.»

(Mikhail Bulgakov, "A Guarda Branca", tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.)

Pois é.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS:

Uma leitora lia "Diario de Una Buena Vecina". Doris Lessing em castelhano, no comboio Porto-Lisboa.

Um leitor lia "Vida e Destino", de Vassili Grossman, aparentemente nada intimidado com o volume do calhamaço que tinha entre mãos. Foi na linha vermelha do metropolitano de Lisboa, a mesma que, em breve, ligará São Sebastião ao Aeroporto passando por Moscavide.

sábado, junho 23, 2012

domingo, junho 17, 2012

LEITURAS:

Naguère, il arrivait qu'elle l'écoutât discourir, tapie dans un coin et le regardant du regard dont une panthère regarde le dompteur (ses prunelles pleines de choses écrasées).

(Nota mental: ler mais livros de Henry de Montherlant.)


domingo, junho 10, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um leitor lia "Walden" na plataforma da estação de metropolitano do Campo Grande. Será que a época de crise está a levar os portugueses a convergir para o modo de vida sóbrio e frugal de que Henry David Thoreau fez a apologia?

domingo, maio 13, 2012

CINEMA: Para o caso de me vir a faltar a paciência ou o tempo para escrever mais sobre este filme, aqui fica o essencial: "Era Uma Vez na Anatólia", de Nuri Bilge Ceylan, não só redime este realizador do decepcionante "Três Macacos", como se afirma desde já como um dos grandes filmes do ano, depois de "Tabu" e de "L'Apollonide - Souvenirs de la Maison Close".



Entre muitas cenas memoráveis, aquela em que a filha do presidente da junta aparece com o candeeiro e oferece bebidas aos visitantes é uma das mais intensas e extraordinárias que vi recentemente. Se não digo mais, é por receio de esgotar já aqui a quota de superlativos que me foi concedida para este ano.
ISTO COMEÇA BEM:

La première journée de François Hollande investi président de la République mardi sera "sobre" mais chargée de symboles: l'école, comme fondement de la République, et la laïcité et l'intégration, à travers un double hommage à Jules Ferry et Marie Curie.

É difícil imaginar um começo mais auspicioso para um quinquenato do que uma homenagem a Jules Ferry (o pai da escola laica e universal, uma das personalidades que mais admiro na história de França) e a Marie Curie (uma das figuras mais marcantes da história da Física nos últimos 200 anos, apesar da sua condição de exilada e de mulher, com toda a bateria de preconceitos associados).

A travers ces deux gestes, le nouveau chef de l'Etat entend faire retentir immédiatement les "priorités de son quinquennat" martelées pendant sa campagne, que sont "la jeunesse", "l'éducation" et le respect de la "laïcité".

Sim, isto começa bem. Sobretudo tendo em conta a maneira como, em França, nos últimos tempos, o tema da laicidade tem sido ignorado como se de um parente embaraçoso se tratasse, ou co-optado por indivíduos com agendas bem próprias, que de laicistas não têm mais do que o rótulo e a aura.

quinta-feira, maio 03, 2012

FERNANDO LOPES (1935-2012):

O cinema português deve-lhe muito. (Ou, o que vem a dar no mesmo: Portugal deve-lhe muito.) Com a sua doçura e inteligência, foi um dos que ajudou a fazer cinema num país onde só existia um sucedâneo deprimente de cinema. Fê-lo, ano após ano, com a naturalidade de quem faz aquilo que ama. Os seus filmes são e continuarão a ser antídotos contra a alarvidade que ocupa e corrói.


DEVOLVAM-NOS A FEIRA DE ANTANHO!: A tentação de estragar aquilo que está bom, ou menos mau, é uma dos traços de carácter mais bem distribuído, e revela-se tanto ao nível do indivíduo como da sociedade. Para encontrar um exemplo excelente, não é preciso ir mais longe do que o Parque Eduardo VII.

Ano após ano, a localização da Feira do Livro de Lisboa torna-se um pomo de discórdia tão poderoso que já faz parte da identidade nacional. Em contrapartida, a antecipação da Feira de Maio/Junho para Abril/Maio, que parece ter sido erigida a regra, tem suscitado um debate incomensuravelmente mais tímido. O resultado está à vista: chuva, frio e vento fazem com que uma excursão à Feira apareça como uma das maneiras menos apetecíveis de passar o tempo livre.

Claro que, mesmo em alturas mais tardias do ano, a Feira raramente se livra de alguns dias de tempo sofrível. Mas torna-se óbvio (excepto para aqueles que sustentam o mito de que Lisboa tem um clima ideal, perenemente soalheiro, invejado por todo o mundo civilizado) que as probabilidades de intempérie aumentam à medida que se recua no ano.

Devolvam-nos a Feira em finais de Maio, com o Verão à porta, as noites já a ficarem agradáveis e os jacarandás pujantes de floração colorida! Deixem de dar tiros nos próprios pés, deixem de afugentar os bibliófilos!

domingo, abril 29, 2012

ELEIÇÕES: No noticiário da SIC de hoje, afirmava-se que, caso François Hollande bata Nicolas Sarkozy na segunda volta das eleições presidenciais francesas, será a primeira vez, na "história recente" da França, que um presidente da República falha a sua reeleição. Não sei o que é que o autor da peça entende por "recente", mas não é preciso recuar gerações até encontrar um exemplo: Valéry Giscard d'Estaing (perdeu contra François Mitterrand em 1981).
CINEMA: Um bom artigo sobre "Céline et Julie Vont en Bateau", de Jacques Rivette. Gostei particularmente disto:

It’s not just that the film holds up to repeat viewings; its very point is its seemingly infinite repeatability, its mysterious capacity to surprise both first-time viewers and those who know it as well as a magician reciting an incantation.

Mais do que qualquer outro que eu conheça, "Céline et Julie" é um filme que nunca se acaba de ver e que envolve o espectador na sua estrutura, que é ao mesmo tempo cíclica, linear, aleatória e ucrónica.

Envolve para toda a vida, quero eu dizer.

Dominique Labourier e Juliet Berto em "Céline et Julie Vont en Bateau", de Jacques Rivette.


quarta-feira, abril 25, 2012

HOJE: O dia inicial, inteiro e limpo. Estas palavras já quase soam a banalidade, mas o uso não lhes arranha a autenticidade nem o poder.

segunda-feira, abril 23, 2012

ONDE MENOS SE ESPERA: Os tempos exigem que se esteja de olhos bem abertos. Nesta Páscoa, em pleno centro comercial Via Catarina, no Porto, havia muitos livros da Agustina à venda pela quantia ridiculamente baixa de quatro euros e noventa cêntimos. Esta pechincha facilmente passava despercebida no meio de um oceano de livros de mesa de café, manuais práticos, histórias infantis e livros de culinária.

Comprei "As Relações Humanas" e "O Concerto dos Flamengos".

segunda-feira, abril 02, 2012

VOMITED MY MOUSSAKA: Folheio a colectânea "Selected Poems", de Denise Levertov, antes de me dedicar à sua leitura. Leio os seguintes versos:

and soon after
vomited my moussaka
and then my guts writhed
for some hours with diarrhea

No que me estarei a meter?


LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um leitor lia "Diálogo Sobre a Ciência e os Homems", de Primo Levi e Tullio Regge. Foi na linha verde do metropolitano de Lisboa. Também no metropolitano, mas desta vez na linha vermelha, uma leitora lia "Um Coração Simples", de Flaubert.

E porém nem toda a grande literatura do mundo consumida por olhos dedicados e vorazes me consola do choque de ter de pagar 29 euros por um passe mensal que ainda há tão poucochinho custava 16.
PORTUGAL NÃO É A GRÉCIA: Repetem-nos até à saciedade que Portugal não é a Grécia. Parece um mantra. Mas será verdade que Portugal não é a Grécia? Certas correntes de opinião defendem que as cenas iniciais de "O Apicultor", do recentemente falecido Theo Angelopoulos, poderiam ter sido filmadas em Ponte da Barca.



(O filme, diga-se de passagem, infelizmente não fez senão confirmar a impressão pouco positiva que eu guardara do já longínquo "A Eternidade e Um Dia".)