CRÍTICA LITERÁRIA: A melhor cena do filme "Silver Linings Playbook" é claramente aquela em que Pat (Bradley Cooper) acorda os pais (Jacki Weaver e Robert De Niro) às 4 de manhã para desancar com fúria e indignação no romance "A Farewell To Arms", de Hemingway. A crítica, que não descura os aspectos formais nem os morais, é seguida de um arremesso certeiro do livro em questão, num voo planado que atravessa a janela.
É refrescante testemunhar uma dessas raras ocasiões, ainda que neste caso seja fictícia, em que a literatura se mostra capaz de desencadear paixões destruidoras.
(Mais tarde, Pat substitui a vidraça, com grande destreza e competência.)
quarta-feira, janeiro 23, 2013
CUIDADO COM OS TERMOS DE SERVIÇO: O melhor blog português da actualidade e de sempre esteve indisponível durante alguns dias, aparentemente por ter violado os termos de serviço do Blogger. Não é nada que me surpreenda. Os leitores regulares deste blog são confrontados em permanência com um excesso de inteligência, bom gosto, subtileza e sentido de humor que não pode deixar de ser ilegal. A subversão paga-se, mais tarde ou mais cedo. As coisas são aquilo que são.
Mas eis que entretanto, para saudável júbilo de muitas famílias, o blog voltou a estar disponível para o mundo na morada do costume.
Mas eis que entretanto, para saudável júbilo de muitas famílias, o blog voltou a estar disponível para o mundo na morada do costume.
segunda-feira, janeiro 21, 2013
PREFÁCIOS: Se todos os prefácios fossem como o que Cynthia Ozick escreveu para "Seize the Day", de Saul Bellow, os meus preconceitos contra este sub-sub-género literário há muito que seriam coisa morta e esquecida. Cynthia Ozick vale por todas as resmas de prefaciadores-étoile todo-o-terreno que açambarcam as publicações nacionais, vale por 100 Marcelos, 200 Medinas Carreiras e 18 milhões de Joões Césares das Neves, providencia o antídoto contra os rosários de prefácios despachados em piloto automático que, não raro, merecem mais destaque na capa e na propaganda do livro do que o próprio autor.
O prefácio de Cynthia Ozick explica, comenta e ilumina sem impor uma visão nem sugar a vitalidade à obra. Mais do que isso: consegue a proeza de fazer acreditar que o mundo seria um bocadinho pior sem a sua existência.
As suas últimas palavras, em retrospectiva, provocam um arrepio: «So they live on, these two New York stories - as queerly close, in the long view, as the Twin Towers; two heartstruck urban tales made to outlast much else.» (As duas histórias são as de Tommy Wilhelm, protagonista de "Seize the Day", e a do Bartleby de Melville, que Ozick usa abundantemente como termo de comparação.)
O prefácio de Cynthia Ozick explica, comenta e ilumina sem impor uma visão nem sugar a vitalidade à obra. Mais do que isso: consegue a proeza de fazer acreditar que o mundo seria um bocadinho pior sem a sua existência.
As suas últimas palavras, em retrospectiva, provocam um arrepio: «So they live on, these two New York stories - as queerly close, in the long view, as the Twin Towers; two heartstruck urban tales made to outlast much else.» (As duas histórias são as de Tommy Wilhelm, protagonista de "Seize the Day", e a do Bartleby de Melville, que Ozick usa abundantemente como termo de comparação.)
quinta-feira, janeiro 17, 2013
terça-feira, janeiro 15, 2013
LEITURAS:
"Seize the Day" foi o quarto romance de Saul Bellow. Publicado em 1956, três anos depois do celebradíssimo "The Adventures of Augie March", está longe da prolixidade picaresca deste. É curto a ponto de pôr em causa a própria designação de "romance" (pouco mais de 100 páginas nesta edição da Penguin") e a sua acção ocupa menos de um dia. A mais notável proeza de "Seize the Day" é a maneira concisa e profunda como transmite o retrato mental de um homem (Tommy Wilhelm, a personagem principal) ao mesmo tempo agudamente consciente da sua condição de falhado e da sua incapacidade de agir para se libertar dessa condição. Trata-se de um processo que se estende indefinidamente na direcção do passado, e que se prolongará no futuro. O dia em questão é marcado por acontecimentos relevantes (uma discussão agreste com o pai, um falhanço espectacular num bizarro investimento em futuros de banha e centeio, uma crise de choro no funeral de um estranho), mas não por alguma epifania ou ruptura decisiva. O evento maior, que justifica a narrativa, é talvez a cedência final, em tom quase religioso, ao seu "heart's ultimate need", que talvez não passe de um demasiado humano medo de não ser amado por ninguém, núcleo comum de todas as declinações de frustração e angústia que o atravessaram ao longo do dia. «But a man's howl, of anguish and rage, belongs to the Furies, and is not a joke» (do excelente prefácio de Cynthia Ozick).
"Seize the Day" foi o quarto romance de Saul Bellow. Publicado em 1956, três anos depois do celebradíssimo "The Adventures of Augie March", está longe da prolixidade picaresca deste. É curto a ponto de pôr em causa a própria designação de "romance" (pouco mais de 100 páginas nesta edição da Penguin") e a sua acção ocupa menos de um dia. A mais notável proeza de "Seize the Day" é a maneira concisa e profunda como transmite o retrato mental de um homem (Tommy Wilhelm, a personagem principal) ao mesmo tempo agudamente consciente da sua condição de falhado e da sua incapacidade de agir para se libertar dessa condição. Trata-se de um processo que se estende indefinidamente na direcção do passado, e que se prolongará no futuro. O dia em questão é marcado por acontecimentos relevantes (uma discussão agreste com o pai, um falhanço espectacular num bizarro investimento em futuros de banha e centeio, uma crise de choro no funeral de um estranho), mas não por alguma epifania ou ruptura decisiva. O evento maior, que justifica a narrativa, é talvez a cedência final, em tom quase religioso, ao seu "heart's ultimate need", que talvez não passe de um demasiado humano medo de não ser amado por ninguém, núcleo comum de todas as declinações de frustração e angústia que o atravessaram ao longo do dia. «But a man's howl, of anguish and rage, belongs to the Furies, and is not a joke» (do excelente prefácio de Cynthia Ozick).
segunda-feira, janeiro 14, 2013
PEPA, RELATÓRIO DO FMI, MESMO COMBATE: A mala Chanel da Pepa e o relatório do FMI: dois temas que deram origem a discussões caudalosas, mas que teriam ficado muito melhor no seu nicho, a acumular pó. O primeiro demonstra, com nitidez arrepiante, a facilidade com se geram vórtices de irrelevância e futilidade com poder para açambarcar as redes sociais. O segundo serviu um propósito muito concreto: lançar a Discussão sobre a "refundação" (aspas vigorosas aqui) do Estado Social, menos para sugerir soluções viáveis ou realistas do que para impor a própria Discussão como uma evidência e nela envolver todos os que recusam a possibilidade da Discussão. Tratou-se de uma arma de arremesso, ponderada e estudada criteriosamente para engendrar uma "no-win situation": recusar falar do relatório implica fuga à Discussão, logo ignomínia; falar do relatório significa, mais do que aceitar a possibilidade da Discussão, ceder aos termos em que a Discussão foi lançada e aceitá-los como razoáveis.
De que falar, sem ser da mala Chanel da Pepa nem do relatório do FMI? Existem muitas possibilidades. Neste momento, o tema mais merecedor de discursos parece-me que terá de estar relacionado com a silhueta de Kim Novak recortada contra a baía de San Francisco, poucos segundos antes de se lançar à água.
De que falar, sem ser da mala Chanel da Pepa nem do relatório do FMI? Existem muitas possibilidades. Neste momento, o tema mais merecedor de discursos parece-me que terá de estar relacionado com a silhueta de Kim Novak recortada contra a baía de San Francisco, poucos segundos antes de se lançar à água.
terça-feira, janeiro 01, 2013
quarta-feira, dezembro 19, 2012
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um leitor lia "A Boneca de Kokoschka", de Afonso Cruz. Não é grande proeza adivinhar o local: pois claro, a linha verde do metropolitano.
Por coincidência, acabei há poucos dias de ler este mesmo livro. Em Afonso Cruz, gosto muito do apetite pela metaficção e da maneira como cultiva uma variante muito pessoal de hipertextualidade. Tanto um como a outra distinguem-no entre os seus pares. Um dos aspectos menos conseguidos do seu estilo, por outro lado, é uma tendência para abusar de uma certa ingenuidade deliberada, que acaba por ser fatigante e por ter efeitos semelhantes ao desleixo.
Por coincidência, acabei há poucos dias de ler este mesmo livro. Em Afonso Cruz, gosto muito do apetite pela metaficção e da maneira como cultiva uma variante muito pessoal de hipertextualidade. Tanto um como a outra distinguem-no entre os seus pares. Um dos aspectos menos conseguidos do seu estilo, por outro lado, é uma tendência para abusar de uma certa ingenuidade deliberada, que acaba por ser fatigante e por ter efeitos semelhantes ao desleixo.
terça-feira, dezembro 18, 2012
GRÃO A GRÃO: Ah quem me dera receber uma modesta quantia (vinte mil reis, na moeda antiga, chegariam para me contentar) por cada vez que a falácia de o ateísmo ser uma religião é vertida por escrito ou perpetrada oralmente. Desta vez foi Anselmo Borges, embora em modo citação (mas parecendo concordar com o autor original). Escusavam já agora de, de cada vez que o dislate é repetido, fazerem-no como se descobrissem uma verdade profunda e fulgurante.
segunda-feira, dezembro 17, 2012
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: O dia de anteontem foi um grande dia:
- Na linha verde do metropolitano, uma leitora lia um livro que aparentava ser sobre as filmagens de "Faces", uma das obras-primas de John Cassavetes. Parecia ser um livro em n-ésima mão, acabado de comprar.
- A poucos metros de distância, uma outra leitora lia "La Civilisation, ma Mère!..." de Driss Chraïbi. Chraïbi era um autor marroquino de quem li o muito bom "Le Passé Simple".
terça-feira, dezembro 11, 2012
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha verde do metropolitano, um leitor lia "Nenhum Caminho Será Longo", de José Tolentino Mendonça, e lia com atenção evidente, não era uma leitura distraída, até pensei que se ia esquecer de sair na estação de Telheiras, mas tinha de sair, não é?, é a estação terminal, pede-se o favor de saírem do comboio.
sábado, dezembro 08, 2012
AFINAL ONDE ESTÃO AS PESSOAS?: Sérgio Monteiro, Secretário de Estado dos Transportes, pode ser arrumado na categoria dos "grandes pândegos" até indicação em contrário. Confrontado com uma quebra significativa de passageiros nos transportes de Lisboa e Porto, não hesita em atribuí-la ao aumento da fraude. O facto de, no último ano, a qualidade de serviço ter decrescido de forma grotesca, de os preços terem registado aumentos entre o brutal e o meramente avultado, de os descontos sociais terem sido cortados a eito (falo sobretudo do metropolitano de Lisboa, que conheço melhor, mas a tendência parece-me ser comum a outros meios de transporte, pelo que ouço e leio), de o aumento pavoroso do desemprego diminuir infelizmente as necessidades de transporte de muitos portugueses, não parece ocorrer-lhe como causa possível para o fenómeno. A culpa é dos borlistas, ponto final. O remédio consiste em apertar a fiscalização e agilizar a cobrança de multas, ponto final parágrafo. O raciocínio do Dr. Sérgio Monteiro brilha pela simplicidade: «(...) os transportes estão cheios e existe menos um quarto de automóveis a
circular. Não tendo desaparecido as pessoas, nem tendo havido um aumento
de automóveis, significa que continuam a andar de transportes». As estatísticas revelam uma queda no número de passageiros, mas o Secretário de Estado, dotado talvez de uma presciência sobrenatural que vem com a titularidade da pasta como um brinde num pacote de cereais, sabe que os transportes "estão cheios". Calculo que baseie esta asserção numa observação das composições da linha verde do metropolitano de Lisboa, que, desde a supressão da quarta carruagem, fervilham, com efeito, de gente amontoada.
Tudo vai bem. As estatísticas valem o que valem, ou seja muito pouco do ponto de vista de quem se sabe detentor de verdades absolutas, imunes aos números e ao bom senso.
Tudo vai bem. As estatísticas valem o que valem, ou seja muito pouco do ponto de vista de quem se sabe detentor de verdades absolutas, imunes aos números e ao bom senso.
domingo, dezembro 02, 2012
IMPRESSÕES DE PARIS (6): A Ménagerie do Jardin des Plantes é um jardim zoológico pequeno mas bem povoado de espécies relativente pouco comuns. Por exemplo, a vicunha:
Gosto muito da expressão de indiferença soberana que é comum a todos os camelídeos que conheço.
Pode argumentar-se que as tartarugas não têm nada de insólito, mas não me recordo de alguma vez ter estado ao pé de uma com este tamanho:
Falta a tradicional régua ou objecto familiar para transmitir a escala espacial, mas posso garantir que o bicho era muito grande.
Infelizmente, desperdicei de forma miserável a oportunidade de fotografar os dois animais que mais me fascinaram. Um deles foi o pudu:
O nome "pudu" refere-se a duas espécies diferentes de veados, consideradas as mais pequenas do mundo, nativas da América da Sul. O seu comprimento não excede os 85 cm. São consideradas espécies vulneráveis, ou seja, à beira de estar em risco de extinção.
O gato de Pallas (Otocolobus manul) é um gato selvagem nativo da Ásia Central. Esta espécie é considerada "quase ameaçada" pela União Internacional para a Conservação da Natureza, ou seja, a um passo de virem a ser abrangidos pela categoria "vulnerável".
Selvagem ou não, parece uma criaturazinha adorável que despertará certamente em muitos amantes do gato doméstico um desejo de o trazer para casa, contra todas as regras do bom senso. Mas só posso falar por mim.
A reprodução em cativeiro do gato de Pallas é extremamente difícil. Aqui, o relato de uma história de sucesso no jardim zoológico de Cincinnati.
Para acabar, um burro particularmente sociável e adepto da interacção com os visitantes:
Gosto muito da expressão de indiferença soberana que é comum a todos os camelídeos que conheço.
Pode argumentar-se que as tartarugas não têm nada de insólito, mas não me recordo de alguma vez ter estado ao pé de uma com este tamanho:
Falta a tradicional régua ou objecto familiar para transmitir a escala espacial, mas posso garantir que o bicho era muito grande.
Infelizmente, desperdicei de forma miserável a oportunidade de fotografar os dois animais que mais me fascinaram. Um deles foi o pudu:
Jaime E. Jimenez, commons.wikimedia.org |
O gato de Pallas (Otocolobus manul) é um gato selvagem nativo da Ásia Central. Esta espécie é considerada "quase ameaçada" pela União Internacional para a Conservação da Natureza, ou seja, a um passo de virem a ser abrangidos pela categoria "vulnerável".
![]() |
Jar0d, commons.wikimedia.org |
Selvagem ou não, parece uma criaturazinha adorável que despertará certamente em muitos amantes do gato doméstico um desejo de o trazer para casa, contra todas as regras do bom senso. Mas só posso falar por mim.
A reprodução em cativeiro do gato de Pallas é extremamente difícil. Aqui, o relato de uma história de sucesso no jardim zoológico de Cincinnati.
Para acabar, um burro particularmente sociável e adepto da interacção com os visitantes:
quarta-feira, novembro 21, 2012
quarta-feira, novembro 14, 2012
segunda-feira, novembro 12, 2012
DIFICULDADES E SOFRIMENTOS:
«Na linha da mensagem dos padres sinodais devemos acreditar que as dificuldades e os sofrimentos que acarretam [os tempos difíceis] podem representar oportunidades de evangelização”, sustentou [José Policarpo], frisando que as dificuldades materiais não devem anular as famílias “como lugar de amor, de convivência, de discernimento e de coragem para lutar.»
Lido de uma maneira, isto parece querer dizer: em momentos de fragilidade, aliciar as pessoas para a nossa fé torna-se uma tarefa mais fácil. Há que aproveitar.
Lido de outra maneira, parece querer dizer exactamente o mesmo.
Mas devo ser eu que estou a retirar estas declarações do seu contexto. Ah, o contexto...
«Na linha da mensagem dos padres sinodais devemos acreditar que as dificuldades e os sofrimentos que acarretam [os tempos difíceis] podem representar oportunidades de evangelização”, sustentou [José Policarpo], frisando que as dificuldades materiais não devem anular as famílias “como lugar de amor, de convivência, de discernimento e de coragem para lutar.»
Lido de uma maneira, isto parece querer dizer: em momentos de fragilidade, aliciar as pessoas para a nossa fé torna-se uma tarefa mais fácil. Há que aproveitar.
Lido de outra maneira, parece querer dizer exactamente o mesmo.
Mas devo ser eu que estou a retirar estas declarações do seu contexto. Ah, o contexto...
sábado, novembro 10, 2012
ELEIÇÕES NOS EUA (4): Explorar sites conservadores à procura de pepitas, no meio das reacções de choque e espanto à reeleição de Barack Obama, pode rapidamente transformar-se num vício. Por exemplo:
«(...) how in the world could the total number of votes for Romney not be many, many more than for McCain in 2008? By all accounts, huge numbers of Christians, Conservatives, Republicans and independents who stayed home last election were reported to be all fired up to prevent Obama from another destructive term and chomping at the bit to vote. We are now supposed to believe, at the last minute, they decided to stay home?»
Seguem-se algumas teorias de conspiração, que, em termos de negação da realidade, vão aonde os mais experientes e ousados teóricos da consipiração teriam vergonha de ir.
«(...) how in the world could the total number of votes for Romney not be many, many more than for McCain in 2008? By all accounts, huge numbers of Christians, Conservatives, Republicans and independents who stayed home last election were reported to be all fired up to prevent Obama from another destructive term and chomping at the bit to vote. We are now supposed to believe, at the last minute, they decided to stay home?»
Seguem-se algumas teorias de conspiração, que, em termos de negação da realidade, vão aonde os mais experientes e ousados teóricos da consipiração teriam vergonha de ir.
quarta-feira, novembro 07, 2012
ELEIÇÕES NOS EUA (3): A schadenfreude não costuma figurar entre os meus desportos favoritos, mas hoje fiz questão de visitar o site da Conservapedia para ver o que tinham os conservadores empedernidos a dizer sobre a vitória do estalinista Barack Hussein Obama. Não esperava outra coisa que não fosse um saboroso sarapatel de negação, recriminações dirigidas à comunicação social (obviamente vendida à causa liberal) e desculpas imaginativas, e não fiquei desiludido. Apreciei particularmente o link para um artigo de há 2 dias onde ainda se especulava sobre a possibilidade de Romney ganhar os estados de Nova York e Nova Jersey devido aos efeitos do furacão Sandy. Haverá limites para o delírio? E porque não uma erupção do vulcão Mauna Kea que ditasse a derrota de Obama no Hawaii?
ELEIÇÕES NOS EUA (2):
Talvez involuntariamente, Mitt Romney citou "O Padrinho" no seu discurso de derrota. «I believe in America» são as primeiras palavras ouvidas no filme, proferidas pelo cangalheiro Bonasera que pede justiça a Don Corleone.
FADE FROM BLACK: Int. of Don Corleone's home office -day
BONASERA (seated in front of the Don's desk, facing the camera)
I believe in America. America has made my fortune. And I raised my daughter in the
American fashion. I gave her freedom, but -- I taught her never to dishonor her family.
Talvez involuntariamente, Mitt Romney citou "O Padrinho" no seu discurso de derrota. «I believe in America» são as primeiras palavras ouvidas no filme, proferidas pelo cangalheiro Bonasera que pede justiça a Don Corleone.
FADE FROM BLACK: Int. of Don Corleone's home office -day
BONASERA (seated in front of the Don's desk, facing the camera)
I believe in America. America has made my fortune. And I raised my daughter in the
American fashion. I gave her freedom, but -- I taught her never to dishonor her family.
segunda-feira, novembro 05, 2012
PRETO E BRANCO: Na caixa do DVD está a promessa de um filme a cores, mas o filme "A Vida de Boémia" é a preto e branco. Mais atenção, por favor, senhores da Midas! Claro que eu ficaria muito surpreendido se alguém comprasse ou deixasse de comprar um filme de Kaurismäki por este ser a cores ou a preto-e-branco.
Quanto ao filme, não traz nada de excepcionalmente novo à filmografia de Kaurismäki, mas não é isso coisa que me apoquente. Adoro realizadores que se obstinam em ser fiéis ao seu estilo, contra ventos, marés e acusações de repetição. Nem sequer o facto de adaptar uma obra literária (neste caso "La Vie de Bohème", de Henry Murger) é novidade: recorde-se "Crime and Punishment" (1983) e "Hamlet Goes Business" (1987).
"A Vida de Boémia" é um filme de 1992. O estilo é o mesmo de antes e depois, mas esta obra talvez seja aquela, de entre as que conheço deste realizador, em que mais se nota a vontade de introduzir algum sentimentalismo no conteúdo (por contraste com os emocionalmente mais enxutos "Shadows In Paradise" ou "The Match Factory Girl"), sem abdicar do registo sóbrio. A dissonância funciona esplendidamente, como continuará a funcionar em "Nuvens Passageiras", "O Homem Sem Passado" e os outros.
Matti Pellonpää, aqui no papel de pintor albanês, já faz parte da mobília. No que respeita a André Wilms, quanto mais o vejo no seu ofício, mais gosto dele.
Quanto ao filme, não traz nada de excepcionalmente novo à filmografia de Kaurismäki, mas não é isso coisa que me apoquente. Adoro realizadores que se obstinam em ser fiéis ao seu estilo, contra ventos, marés e acusações de repetição. Nem sequer o facto de adaptar uma obra literária (neste caso "La Vie de Bohème", de Henry Murger) é novidade: recorde-se "Crime and Punishment" (1983) e "Hamlet Goes Business" (1987).
"A Vida de Boémia" é um filme de 1992. O estilo é o mesmo de antes e depois, mas esta obra talvez seja aquela, de entre as que conheço deste realizador, em que mais se nota a vontade de introduzir algum sentimentalismo no conteúdo (por contraste com os emocionalmente mais enxutos "Shadows In Paradise" ou "The Match Factory Girl"), sem abdicar do registo sóbrio. A dissonância funciona esplendidamente, como continuará a funcionar em "Nuvens Passageiras", "O Homem Sem Passado" e os outros.
![]() |
André Wilms e Matti Pellonpää em "A Vida de Boémia" (1992) |
Matti Pellonpää, aqui no papel de pintor albanês, já faz parte da mobília. No que respeita a André Wilms, quanto mais o vejo no seu ofício, mais gosto dele.
quinta-feira, novembro 01, 2012
REAVALIAR: Um dos poucos aspectos positivos da crise é este: o sopro de desinibição que circula pelas mentes arejadas dos fazedores de opinião e forças vivas do país, a licença para dizer aos quatro ventos aquilo que seria indizível, pelo menos público, há apenas alguns anos. Torna-se assim mais fácil de distinguir quem está de que lado de cada barricada.
Tudo o que seja "reavaliar", "refundar" ou "reajustar" está na ordem do dia. Roberto Carneiro, por exemplo, considera que pode ser benéfico reavaliar as funções do Estado na educação. “Em áreas onde há uma actividade de mercado, onde há outros agentes de natureza privada, ou de natureza intermédia, é evidente que o Estado tem de repensar a sua função, como é o caso da educação”.
Há muitas maneiras de atacar a escola pública. Roberto Carneiro embrulha o seu ataque pessoal na evidência e no pragmatismo, mas é de um ataque que se trata, naturalmente carregado de ideologia. E nem se pode dizer que esconda o jogo: “Não quer dizer que a educação não tenha de ter sempre uma grande presença do Estado na área da regulação e financiamento na área da solidariedade”. Ou seja, no sonho extravagante de Roberto Carneiro, o papel do Estado na educação reduzir-se-ia a regular e a ensinar o B-A-BA aos indigentes, e provavelmente a passar cheques chorudos a uma florescente rede de escolas com contrato de associação.
No fundo, estou de acordo com Roberto Carneiro. O Estado deve reavaliar as suas funções na educação. Mas essa reavaliação não pode deixar de ir no sentido de aprofundar o papel da escola pública, principal responsável pelo aumento dos níveis de escolaridade em Portugal nos últimos anos, e um dos factores que fazem com que a expressão "igualdade de oportunidades" não seja completamente vazia de sentido.
Tudo o que seja "reavaliar", "refundar" ou "reajustar" está na ordem do dia. Roberto Carneiro, por exemplo, considera que pode ser benéfico reavaliar as funções do Estado na educação. “Em áreas onde há uma actividade de mercado, onde há outros agentes de natureza privada, ou de natureza intermédia, é evidente que o Estado tem de repensar a sua função, como é o caso da educação”.
Há muitas maneiras de atacar a escola pública. Roberto Carneiro embrulha o seu ataque pessoal na evidência e no pragmatismo, mas é de um ataque que se trata, naturalmente carregado de ideologia. E nem se pode dizer que esconda o jogo: “Não quer dizer que a educação não tenha de ter sempre uma grande presença do Estado na área da regulação e financiamento na área da solidariedade”. Ou seja, no sonho extravagante de Roberto Carneiro, o papel do Estado na educação reduzir-se-ia a regular e a ensinar o B-A-BA aos indigentes, e provavelmente a passar cheques chorudos a uma florescente rede de escolas com contrato de associação.
No fundo, estou de acordo com Roberto Carneiro. O Estado deve reavaliar as suas funções na educação. Mas essa reavaliação não pode deixar de ir no sentido de aprofundar o papel da escola pública, principal responsável pelo aumento dos níveis de escolaridade em Portugal nos últimos anos, e um dos factores que fazem com que a expressão "igualdade de oportunidades" não seja completamente vazia de sentido.
segunda-feira, outubro 29, 2012
DESGRAÇA: João César das Neves é indubitavelmente uma criatura muito interessante, para não lhe chamar um case-study com pernas.
Numa das suas últimas crónicas, ele dá a entender que o Tribunal Constitucional "desgraçou o país" com a sua decisão de declarar inconstitucional o corte dos dois subsídios na Função Pública.
Para edificação das massas ignaras, JCN deveria ter explicado quais das demais instituições do Estado correm o risco de desgraçar o país como consequência do exercício normal e legítimo das respectivas funções.
Por exemplo, será de exigir ao Tribunal de Contas, à Procuradoria Geral ou à Autoridade da Concorrência comedimento ou auto-censura, para evitarem situações gravosas, a Bem da Nação?
Senhor João César das Neves, por favor esclareça-nos. As suas pepitas de sabedoria não cairão em saco roto. Não faltam por aí compradores para sugestões sobre como amordaçar instituições democráticas e órgãos de soberania.
A Constituição é um empecilho; isso já todas as pessoas de bem perceberam. Não nos fiquemos por aí.
Numa das suas últimas crónicas, ele dá a entender que o Tribunal Constitucional "desgraçou o país" com a sua decisão de declarar inconstitucional o corte dos dois subsídios na Função Pública.
Para edificação das massas ignaras, JCN deveria ter explicado quais das demais instituições do Estado correm o risco de desgraçar o país como consequência do exercício normal e legítimo das respectivas funções.
Por exemplo, será de exigir ao Tribunal de Contas, à Procuradoria Geral ou à Autoridade da Concorrência comedimento ou auto-censura, para evitarem situações gravosas, a Bem da Nação?
Senhor João César das Neves, por favor esclareça-nos. As suas pepitas de sabedoria não cairão em saco roto. Não faltam por aí compradores para sugestões sobre como amordaçar instituições democráticas e órgãos de soberania.
A Constituição é um empecilho; isso já todas as pessoas de bem perceberam. Não nos fiquemos por aí.
sexta-feira, outubro 05, 2012
EFEMÉRIDE: Foi e continua a ser atacada e deturpada pela brigada de revisionistas contumazes ou de ocasião, profissionais ou amadores; secundarizada por políticos cegos, tacanhos e ignorantes da História; enxovalhada pela decisão estúpida e ultrajante de retirar ao dia 5 de Outubro o estatuto de feriado (a ver vamos, muita água vai ainda correr por debaixo da ponte nos próximos 365 dias); desprestigiada por incidentes e decisões lamentáveis por parte daqueles que tinham por obrigação honrar esta data (a cerimónia à porta fechada, o episódio pythoniano da bandeira ao contrário)...
Mas a República é muito maior do que tudo isto e resiste a tudo isto.
Viva a República! (A de hoje e a de 1910, muito mais moderna e inovadora do que lhe é reconhecido.)
Mas a República é muito maior do que tudo isto e resiste a tudo isto.
Viva a República! (A de hoje e a de 1910, muito mais moderna e inovadora do que lhe é reconhecido.)
terça-feira, outubro 02, 2012
sábado, setembro 22, 2012
IMPRESSÕES DE PARIS (5): Encerre-se o capítulos dos museus com o museu Bourdelle. Este museu existe no antigo atelier e habitação do escultor Antoine Bourdelle (1861-1929), aluno de Rodin e professor de Giacometti e Vieira da Silva, entre muitos outros.
Este é o tipo de museu que ganha em ser visitado num dia em que o tempo esteja bom. O atelier propriamente dito aproveita muito bem a luz natural. No seu interior estão dispostas esculturas, móveis e vários apetrechos, sem critério aparente. Não é preciso muito mais para nos imaginarmos dentro de um quadro de Magritte ou Delvaux.
Bourdelle nutria uma admiração muito forte por Beethoven, de quem esculpiu numerosos bustos.
Gostei mais das esculturas de pequena e média dimensão do que das obras monumentais que mais contribuíram para a sua fama e para o seu sustento; mas isto reflecte sem dúvida o meu temperamento, e não um juízo estético. Este é um busto de James Frazer, autor de "The Golden Bough", clássico da antropologia dos mitos e das religiões.
Parece tarefa impossível encontrar um museu parisiense que não esteja acompanhado pelo respectivo jardim, e pelo consequente convite a horas de leitura ou ócio. Este está povoado por esculturas susceptíveis de induzir pesadelos aos mais impressionáveis.
Este é o tipo de museu que ganha em ser visitado num dia em que o tempo esteja bom. O atelier propriamente dito aproveita muito bem a luz natural. No seu interior estão dispostas esculturas, móveis e vários apetrechos, sem critério aparente. Não é preciso muito mais para nos imaginarmos dentro de um quadro de Magritte ou Delvaux.
Bourdelle nutria uma admiração muito forte por Beethoven, de quem esculpiu numerosos bustos.
Gostei mais das esculturas de pequena e média dimensão do que das obras monumentais que mais contribuíram para a sua fama e para o seu sustento; mas isto reflecte sem dúvida o meu temperamento, e não um juízo estético. Este é um busto de James Frazer, autor de "The Golden Bough", clássico da antropologia dos mitos e das religiões.
Parece tarefa impossível encontrar um museu parisiense que não esteja acompanhado pelo respectivo jardim, e pelo consequente convite a horas de leitura ou ócio. Este está povoado por esculturas susceptíveis de induzir pesadelos aos mais impressionáveis.
DEIXEM O HOMEM DECIDIR OS SEUS TÍTULOS: Os títulos de trabalho da última longa-metragem de Woody Allen foram "Bop Decameron" e "Nero Fiddles", ambos excelentes. O título que acabou por ficar foi "To Rome With Love", insípido e aparentemente detestado pelo próprio realizador. Quanto ao filme, cumpre o que se esperava dele: ligeiro, mas com alguns momentos cómicos a roçar a excelência e a colecção de interpretações inteligentes (p.ex. Alec Baldwin, Judy Davis, Ellen Page, Roberto Benigni) que nunca falta aos filmes de Woody (cuja simples presença no filme como actor, que não acontecia desde "Scoop" é desde logo factor de recomendação). Dentro do cânone de Woody Allen, prefiro os filmes deliberadamente despretensiosos, como este, àqueles atravessados por uma suspeita, por leve que seja, de tese ou ideia a demonstrar (como "Midnight in Paris", excessivamente baseado na desmontagem do hábito, demasiado humano, de olhar para as épocas passadas como infinitamente mais venturosas e excitantes).
quarta-feira, setembro 19, 2012
IMPRIMAM O MITO: João César das Neves prossegue a sua exploração semanal do território onde se cruzam a infâmia, a beatice e o disparate. De tanto cruzar os limites do razoável, deixou de se fazer notado. De facto, só aos mais dedicados observadores da natureza humana sobra paciência para continuar a acompanhar a sua rota.
Mas há coisas que custa deixar passar. Nesta semana, JCN insiste pela enésima vez num dos seus estribilhos preferidos: a desordem pública, os protestos,a indignação popular, são em última análise responsáveis pelas ditaduras que lhes sucedem; o totalitarismo surge como a única resposta expectável face à anarquia; os excessos da Primeira República conduziram inevitavelmente ao 28 de Maio, Weimar justificou o 3º Reich, a Frente Popular abriu caminho para Vichy, a República Espanhola não deixou outro remédio ao general Franco a não ser tomar o poder e ficar com ele. Bla bla bla, rebeubéu pardais ao ninho.
É desolador alguém afirmar ou insinuar que o protesto, a reivindicação de direitos, acarretam o risco de o Estado soçobrar, e que tais prerrogativas devem por isso ser usadas com comedimento e humilde parcimónia. Nem dá vontade de imaginar em que espécie de idade média viveríamos ainda hoje em dia, se esta maneira de pensar fosse partilhada por todos.
Menos grave, mas preocupante quando saído da pena de um economista, são afirmações como «Nunca tivemos até hoje democracia com controlo das contas públicas: nem na Monarquia, nem na Primeira República, nem desde 1974.» JCN deveria talvez solicitar à direcção do jornal que continua a abrigar a sua prosa que passasse a periodicidade da sua coluna para quinzenal, e usar o tempo livre para estudar a história da Primeira República. Dando a palavra a quem sabe do assunto ("A Política Financeira", de Maria Eugénia Mata, in "História da Primeira República Portuguesa", coordenação de Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, Tinta-da-China, 2009), a história financeira da Primeira República pode descrever-se muito resumidamente em 3 fases:
Para rematar: «Transferiram-se assim para o novo sistema político [Ditadura Nacional e Estado Novo] os louros da política de saneamento das finanças públicas dos anos finais da Primeira República.» (página 202).
Transformar em realidade o mito de uma Primeira República despesista, descontrolada e financeiramente irresponsável irá requerer, temo-o bem, um pouco mais de empenho da parte de JCN. O wishful thinking não chega.
Mas há coisas que custa deixar passar. Nesta semana, JCN insiste pela enésima vez num dos seus estribilhos preferidos: a desordem pública, os protestos,a indignação popular, são em última análise responsáveis pelas ditaduras que lhes sucedem; o totalitarismo surge como a única resposta expectável face à anarquia; os excessos da Primeira República conduziram inevitavelmente ao 28 de Maio, Weimar justificou o 3º Reich, a Frente Popular abriu caminho para Vichy, a República Espanhola não deixou outro remédio ao general Franco a não ser tomar o poder e ficar com ele. Bla bla bla, rebeubéu pardais ao ninho.
É desolador alguém afirmar ou insinuar que o protesto, a reivindicação de direitos, acarretam o risco de o Estado soçobrar, e que tais prerrogativas devem por isso ser usadas com comedimento e humilde parcimónia. Nem dá vontade de imaginar em que espécie de idade média viveríamos ainda hoje em dia, se esta maneira de pensar fosse partilhada por todos.
Menos grave, mas preocupante quando saído da pena de um economista, são afirmações como «Nunca tivemos até hoje democracia com controlo das contas públicas: nem na Monarquia, nem na Primeira República, nem desde 1974.» JCN deveria talvez solicitar à direcção do jornal que continua a abrigar a sua prosa que passasse a periodicidade da sua coluna para quinzenal, e usar o tempo livre para estudar a história da Primeira República. Dando a palavra a quem sabe do assunto ("A Política Financeira", de Maria Eugénia Mata, in "História da Primeira República Portuguesa", coordenação de Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo, Tinta-da-China, 2009), a história financeira da Primeira República pode descrever-se muito resumidamente em 3 fases:
- Equilíbrio das contas públicas durante o período em que José Relvas exerceu o cargo de ministro das Finanças, no seguimento aliás de uma tendência, que já se verificava no final da Monarquia, de recuperação das consequências da bancarrota de 1892.
- Entrada na 1ª Guerra Mundial, com consequente aumento do défice devido às despesas militares, queda nas receitas fiscais devido ao abrandamento da economia, e (após o final do conflito) falta de pagamento das reparações de guerra por parte da Alemanha. Esta tendência foi comum à maioria das nações beligerantes.
- Após vários anos de descontrolo e hiperinflação, reequilíbrio progressivo das contas públicas durante o governo de Álvaro de Castro (1924).
Para rematar: «Transferiram-se assim para o novo sistema político [Ditadura Nacional e Estado Novo] os louros da política de saneamento das finanças públicas dos anos finais da Primeira República.» (página 202).
Transformar em realidade o mito de uma Primeira República despesista, descontrolada e financeiramente irresponsável irá requerer, temo-o bem, um pouco mais de empenho da parte de JCN. O wishful thinking não chega.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha verde do metropolitano alfacinha, um leitor lia Cesare Pavese. Pareceu-me ser "A Lua e as Fogueiras". Curiosamente, o leitor trazia um outro livro, não identificado, na mão e em posição de leitura iminente. Um plano B para o caso pouco provável de o Pavese não estar à altura?
segunda-feira, setembro 17, 2012
IMPRESSÕES DE PARIS (4): O Petit Palais merecia ser mais conhecido do que é.
O edifício é imponente sem ser ostentatório, o interior foi concebido de modo a tirar o máximo partido da luz natural, a colecção é variada e integra desde antiguidades a objectos decorativos, pintura e escultura; a qualidade é uniformemente muito boa e a visita faz-se, sem forçar, numa manhã. Ao Petit Palais não ficaria mal um apodo como "o anti-Louvre".
O Petit Palais fica situado entre a margem direita do Sena e os Champs-Elysées, e face (como seria lícito supor) ao Grand Palais. Ambos os edifícios foram construídos com vista à exposição universal de 1900. Como é inevitável em França, não faltaram detractores e defensores que protagonizaram uma disputa efémera mas acesa. Julien Green, por exemplo, detestava-os a ambos, ao grande como ao pequeno. Paul Claudel, pelo seu lado, elogiou o pátio interior do Petit Palais e afirmou que tudo o que se lhe seguiu em arquitectura foi marcado pelo estigma da decadência.
Não seria difícil destacar uma mão cheia de quadros expostos no Petit Palais. Fico-me por dois.
É extremamente raro deparar com uma obra de Courbet que me deixe indiferente. Este auto-retrato tem tudo: originalidade, insolência, e uma aparente simplicidade de meios quase rústica. É um quadro inteiro, sincero e perturbador, ou seja tudo aquilo que se espera de Courbet.
Bonnard é um enigma pessoal. Nunca me ocorre o seu nome quando me forço, por ócio ou estímulo alheio, a fazer a lista dos pintores que verdadeiramente contam para mim. E no entanto, dele posso dizer com convicção aquilo que não posso dizer de muitos: os seus quadros interpelam-me, todos parecem albergar um segredo, grandioso ou corriqueiro; algo na sua imperfeição, num detalhe ou num capricho da sua execução transformam-nos em coisa única.
Como se tudo isto não bastasse, a loja do museu, embora pequena, está muito bem fornecida, e o museu é dotado de um jardim interior onde apetece passar o tempo.
O edifício é imponente sem ser ostentatório, o interior foi concebido de modo a tirar o máximo partido da luz natural, a colecção é variada e integra desde antiguidades a objectos decorativos, pintura e escultura; a qualidade é uniformemente muito boa e a visita faz-se, sem forçar, numa manhã. Ao Petit Palais não ficaria mal um apodo como "o anti-Louvre".
O Petit Palais fica situado entre a margem direita do Sena e os Champs-Elysées, e face (como seria lícito supor) ao Grand Palais. Ambos os edifícios foram construídos com vista à exposição universal de 1900. Como é inevitável em França, não faltaram detractores e defensores que protagonizaram uma disputa efémera mas acesa. Julien Green, por exemplo, detestava-os a ambos, ao grande como ao pequeno. Paul Claudel, pelo seu lado, elogiou o pátio interior do Petit Palais e afirmou que tudo o que se lhe seguiu em arquitectura foi marcado pelo estigma da decadência.
Não seria difícil destacar uma mão cheia de quadros expostos no Petit Palais. Fico-me por dois.
![]() |
Gustave Courbet, "Autoportrait au chien noir" (1842) |
É extremamente raro deparar com uma obra de Courbet que me deixe indiferente. Este auto-retrato tem tudo: originalidade, insolência, e uma aparente simplicidade de meios quase rústica. É um quadro inteiro, sincero e perturbador, ou seja tudo aquilo que se espera de Courbet.
![]() |
Pierre Bonnard, "Conversation à Arcachon" (1926-1930) |
Bonnard é um enigma pessoal. Nunca me ocorre o seu nome quando me forço, por ócio ou estímulo alheio, a fazer a lista dos pintores que verdadeiramente contam para mim. E no entanto, dele posso dizer com convicção aquilo que não posso dizer de muitos: os seus quadros interpelam-me, todos parecem albergar um segredo, grandioso ou corriqueiro; algo na sua imperfeição, num detalhe ou num capricho da sua execução transformam-nos em coisa única.
Como se tudo isto não bastasse, a loja do museu, embora pequena, está muito bem fornecida, e o museu é dotado de um jardim interior onde apetece passar o tempo.
sexta-feira, setembro 14, 2012
IMPRESSÕES DE PARIS(3): Tudo no Museu do Louvre obedece a uma concepção maximalista, adequada aos livros de recordes mas madrasta para o visitante desprevenido. A quantidade de obras-primas é muito grande, mas há que reconhecer que a abundância de obras indiferentes ou medíocres funciona como um ruído de fundo que só com alguma prática se aprende a ignorar. As salas dedicadas à pintura francesa dos séculos XVII e XVIII são o exemplo mais óbvio disso mesmo. Entre paredes que quase soçobram com o peso do academismo e da grandiloquência dos quadros que suportam, o visitante tem de dar mostras de paciência para chegar ao seu nicho preferido, que no meu caso é a secção dos Watteau e em particular os assombrosos "Les Deux Cousines" e "Le Faux-Pas".
Ainda a propósito das estratégias para escapar às filas de espera à entrada do Louvre, uma das mais simples consiste em comprar o bilhete combinado Museu Delacroix/Louvre. Claro está que isto faz mais sentido quando existe pelo menos uma admiração remota pela obra de Delacroix, sobretudo atendendo a que o museu que lhe é dedicado apresenta um interesse muito fraco para o não iniciado. O museu fica instalado numa zona entalada entre o Boulevard Saint-Germain e o Sena, que surpreende pela pacatez. Trata-se da casa que Delacroix ocupou nos últimos anos da sua vida, escolhida pela proximidade relativamente à igreja de Saint-Sulpice, aonde o artista se deslocava regularmente para trabalhar na decoração de uma capela.
Conheço poucos lugares mais tranquilos e incompatíveis com ralações pequenas, médias ou graúdas do que o jardim do Museu Delacroix:
Voltando ao Louvre, algo que impressiona negativamente é a negligência do pessoal nos acessos ao recinto e às galerias. A minha mochila foi objecto do mais sumário dos exames e não passou por uma única máquina de raios X. O que poderá justificar esta falta de cuidado? Estarão a esconder-nos algo? As obras expostas possuirão mesmo o valor incalculável que lhes é atribuído, ou não passarão de imitações, por exigência das seguradoras? Por muito menos do que isto, há por aí teorias da conspiração a medrar com uma pujança invejável.
![]() | ||
Antoine Watteau, "Les Deux Cousines", c. 1716 |
Ainda a propósito das estratégias para escapar às filas de espera à entrada do Louvre, uma das mais simples consiste em comprar o bilhete combinado Museu Delacroix/Louvre. Claro está que isto faz mais sentido quando existe pelo menos uma admiração remota pela obra de Delacroix, sobretudo atendendo a que o museu que lhe é dedicado apresenta um interesse muito fraco para o não iniciado. O museu fica instalado numa zona entalada entre o Boulevard Saint-Germain e o Sena, que surpreende pela pacatez. Trata-se da casa que Delacroix ocupou nos últimos anos da sua vida, escolhida pela proximidade relativamente à igreja de Saint-Sulpice, aonde o artista se deslocava regularmente para trabalhar na decoração de uma capela.
Conheço poucos lugares mais tranquilos e incompatíveis com ralações pequenas, médias ou graúdas do que o jardim do Museu Delacroix:
Voltando ao Louvre, algo que impressiona negativamente é a negligência do pessoal nos acessos ao recinto e às galerias. A minha mochila foi objecto do mais sumário dos exames e não passou por uma única máquina de raios X. O que poderá justificar esta falta de cuidado? Estarão a esconder-nos algo? As obras expostas possuirão mesmo o valor incalculável que lhes é atribuído, ou não passarão de imitações, por exigência das seguradoras? Por muito menos do que isto, há por aí teorias da conspiração a medrar com uma pujança invejável.
quinta-feira, setembro 13, 2012
INCURSÕES ON THE WILD SIDE: Por vezes, faz bem ao espírito aventurar-se por territórios onde a falta de tino convive na perfeição com uma certa desenvoltura opinativa. O blog "Blasfémias" é um desses lugares revigorantes:
«O Primeiro Ministro comunicou ao país na Sexta-Feira uma solução que é um tratado de como fazer liberalismo prático num país minado por uma constituição socialista e uma opinião pública de esquerda.» (João Miranda)
Vivi estes anos num país minado por uma opinião pública de esquerda, sem o saber. Vou passar a prestar mais atenção a onde ponho os pés, quando sair à rua.
Bem vistas as coisas, valha a verdade, o "Blasfémias" não passa de uma droga recreativa. Para material mais hardcore (potencialmente viciante), sugiro uma visita aqui.
«O Primeiro Ministro comunicou ao país na Sexta-Feira uma solução que é um tratado de como fazer liberalismo prático num país minado por uma constituição socialista e uma opinião pública de esquerda.» (João Miranda)
Vivi estes anos num país minado por uma opinião pública de esquerda, sem o saber. Vou passar a prestar mais atenção a onde ponho os pés, quando sair à rua.
Bem vistas as coisas, valha a verdade, o "Blasfémias" não passa de uma droga recreativa. Para material mais hardcore (potencialmente viciante), sugiro uma visita aqui.
segunda-feira, setembro 10, 2012
domingo, setembro 09, 2012
IMPRESSÕES DE PARIS (2) e LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Uma excursão a Paris representa uma autêntica injecção de adrenalina nesta rubrica tão apreciada pelos leitores!
- Só no aeroporto e durante o voo Lisboa-Paris, os avistamentos foram muitos e variados: Balzac ("La Femme de 30 Ans"), Borges ("Fictions", em francês), Cormac McCarthy ("The Road"), Tolstoi ("Anna Karénine", em francês).
- No jardim das Tuileries: uma leitora, confortavelmente instalada com os pés apoiados numa cadeirita, lendo "The Sense of an Ending", de Julian Barnes.
- No voo de regresso: uma leitora entretida com "W ou le Souvenir d'Enfance", do grande Georges Perec.
quinta-feira, setembro 06, 2012
A PROPÓSITO DE "O CONCERTO DOS FLAMENGOS": Certas frases da Agustina são tão ricas, tão inesperadas, tão livres, tão gloriosamente convoluídas, tão cheias de uma sonoridade singular e insolente, que apetece sair para a rua a cantar, dar piruetas ou fechar-se num quarto com mantimentos para dois meses e escrever um romance.
(Incluindo as frases mais exasperantes e que se contradizem entre si; sobretudo essas.)
(Incluindo as frases mais exasperantes e que se contradizem entre si; sobretudo essas.)
segunda-feira, setembro 03, 2012
IMPRESSÕES DE PARIS (1): Por onde começar? Na desordem, sem qualquer veleidade de sistematização, comecemos pelos museus.
O gigantesco museu do Louvre pode transformar-se num problema intratável, ou num sorvedouro de energias para o visitante. Há dois conselhos que são repetidos até à saciedade pelos mais calejados, e que nunca é demais repetir:
Esta última visita que fiz concentrou-se na colecção de antiguidades egípcias e na pintura francesa e holandesa.
Duas das peças egípcias de que mais gostei foram estas estátuas da deusa Sekhmet, tradicionalmente representada sob a forma de leoa, com a cabeça encimada pelo disco solar:
Estas serpentes de cauda excepcionalmente longa foram encontradas no túmulo de um governador que viveu durante o reino de Sesóstris I (1943-1898 a.C.):
Convém estar atento, durante a visita, a pormenores exteriores à colecção propriamente dita. Por exemplo, o tecto da "Salle des Bronzes" foi pintado por Cy Twombly, um dos poucos artistas contemporâneos a quem foi dada a oportunidade de decorar o Louvre:
O gigantesco museu do Louvre pode transformar-se num problema intratável, ou num sorvedouro de energias para o visitante. Há dois conselhos que são repetidos até à saciedade pelos mais calejados, e que nunca é demais repetir:
- Evitar a entrada principal (a da pirâmide), e optar, em vez desta, pela entrada do Carrousel (centro comercial subterrâneo) ou pela Porta dos Leões, habitualmente menos concorridas.
- Abdicar da ambição (nobre, reconheça-se) de ver todo o museu. É mais avisado planear a visita e concentrar-se nalgumas secções específicas. A não ser, claro, que o objectivo seja o de bater algum recorde...
Esta última visita que fiz concentrou-se na colecção de antiguidades egípcias e na pintura francesa e holandesa.
Duas das peças egípcias de que mais gostei foram estas estátuas da deusa Sekhmet, tradicionalmente representada sob a forma de leoa, com a cabeça encimada pelo disco solar:
Estas serpentes de cauda excepcionalmente longa foram encontradas no túmulo de um governador que viveu durante o reino de Sesóstris I (1943-1898 a.C.):
Convém estar atento, durante a visita, a pormenores exteriores à colecção propriamente dita. Por exemplo, o tecto da "Salle des Bronzes" foi pintado por Cy Twombly, um dos poucos artistas contemporâneos a quem foi dada a oportunidade de decorar o Louvre:
domingo, setembro 02, 2012
quinta-feira, agosto 23, 2012
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: No bar da estação de São Bento (Porto), um cavalheiro que vociferava ao telemóvel tinha um exemplar (muito usado) do "Pacheco versus Cesariny" em cima da mesa. Não o estava a ler, mas algo me diz que já o tinha lido ou que o iria fazer em breve.
(Quem se lembra das estações do Monopoly? Eram as de São Bento, Campanhã, Rossio e Santa Apolónia.)
(Quem se lembra das estações do Monopoly? Eram as de São Bento, Campanhã, Rossio e Santa Apolónia.)
sábado, julho 28, 2012
terça-feira, julho 24, 2012
LEITURAS: Estou a ler "Les Grands Chemins", de Jean Giono. O autor foi presidente do júri do Festival de Cannes de 1961, numa altura em que já se tinha dissipado a sua reputação (mais ou menos merecida, isso pouco importa para o caso) de colaboracionista. Esse foi o ano em que "Viridiana", de Buñuel, ganhou a Palma de Ouro (ex aequo com o praticamente esquecido "Une Aussi Longue Absence", de Henri Colpi). Ainda que a obra literária não existisse, isso já chegaria para justificar a sua existência na Terra.
sábado, julho 14, 2012
FOI HÁ 223 ANOS:
LUÍS XVI: É uma revolta?
DUQUE DE LA ROCHEFOUCAULD: Não, majestade, não é uma revolta, é uma revolução.
(Imagem retirada daqui.)
LUÍS XVI: É uma revolta?
DUQUE DE LA ROCHEFOUCAULD: Não, majestade, não é uma revolta, é uma revolução.
(Imagem retirada daqui.)
terça-feira, julho 10, 2012
quinta-feira, junho 28, 2012
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS:
Uma leitora lia "Diario de Una Buena Vecina". Doris Lessing em castelhano, no comboio Porto-Lisboa.
Um leitor lia "Vida e Destino", de Vassili Grossman, aparentemente nada intimidado com o volume do calhamaço que tinha entre mãos. Foi na linha vermelha do metropolitano de Lisboa, a mesma que, em breve, ligará São Sebastião ao Aeroporto passando por Moscavide.
Uma leitora lia "Diario de Una Buena Vecina". Doris Lessing em castelhano, no comboio Porto-Lisboa.
Um leitor lia "Vida e Destino", de Vassili Grossman, aparentemente nada intimidado com o volume do calhamaço que tinha entre mãos. Foi na linha vermelha do metropolitano de Lisboa, a mesma que, em breve, ligará São Sebastião ao Aeroporto passando por Moscavide.
domingo, junho 17, 2012
LEITURAS:
Naguère, il arrivait qu'elle l'écoutât discourir, tapie dans un coin et le regardant du regard dont une panthère regarde le dompteur (ses prunelles pleines de choses écrasées).
(Nota mental: ler mais livros de Henry de Montherlant.)
Naguère, il arrivait qu'elle l'écoutât discourir, tapie dans un coin et le regardant du regard dont une panthère regarde le dompteur (ses prunelles pleines de choses écrasées).
(Nota mental: ler mais livros de Henry de Montherlant.)
domingo, junho 10, 2012
domingo, maio 13, 2012
CINEMA: Para o caso de me vir a faltar a paciência ou o tempo para escrever mais sobre este filme, aqui fica o essencial: "Era Uma Vez na Anatólia", de Nuri Bilge Ceylan, não só redime este realizador do decepcionante "Três Macacos", como se afirma desde já como um dos grandes filmes do ano, depois de "Tabu" e de "L'Apollonide - Souvenirs de la Maison Close".
Entre muitas cenas memoráveis, aquela em que a filha do presidente da junta aparece com o candeeiro e oferece bebidas aos visitantes é uma das mais intensas e extraordinárias que vi recentemente. Se não digo mais, é por receio de esgotar já aqui a quota de superlativos que me foi concedida para este ano.
Entre muitas cenas memoráveis, aquela em que a filha do presidente da junta aparece com o candeeiro e oferece bebidas aos visitantes é uma das mais intensas e extraordinárias que vi recentemente. Se não digo mais, é por receio de esgotar já aqui a quota de superlativos que me foi concedida para este ano.
ISTO COMEÇA BEM:
La première journée de François Hollande investi président de la République mardi sera "sobre" mais chargée de symboles: l'école, comme fondement de la République, et la laïcité et l'intégration, à travers un double hommage à Jules Ferry et Marie Curie.
É difícil imaginar um começo mais auspicioso para um quinquenato do que uma homenagem a Jules Ferry (o pai da escola laica e universal, uma das personalidades que mais admiro na história de França) e a Marie Curie (uma das figuras mais marcantes da história da Física nos últimos 200 anos, apesar da sua condição de exilada e de mulher, com toda a bateria de preconceitos associados).
A travers ces deux gestes, le nouveau chef de l'Etat entend faire retentir immédiatement les "priorités de son quinquennat" martelées pendant sa campagne, que sont "la jeunesse", "l'éducation" et le respect de la "laïcité".
Sim, isto começa bem. Sobretudo tendo em conta a maneira como, em França, nos últimos tempos, o tema da laicidade tem sido ignorado como se de um parente embaraçoso se tratasse, ou co-optado por indivíduos com agendas bem próprias, que de laicistas não têm mais do que o rótulo e a aura.
La première journée de François Hollande investi président de la République mardi sera "sobre" mais chargée de symboles: l'école, comme fondement de la République, et la laïcité et l'intégration, à travers un double hommage à Jules Ferry et Marie Curie.
É difícil imaginar um começo mais auspicioso para um quinquenato do que uma homenagem a Jules Ferry (o pai da escola laica e universal, uma das personalidades que mais admiro na história de França) e a Marie Curie (uma das figuras mais marcantes da história da Física nos últimos 200 anos, apesar da sua condição de exilada e de mulher, com toda a bateria de preconceitos associados).
A travers ces deux gestes, le nouveau chef de l'Etat entend faire retentir immédiatement les "priorités de son quinquennat" martelées pendant sa campagne, que sont "la jeunesse", "l'éducation" et le respect de la "laïcité".
Sim, isto começa bem. Sobretudo tendo em conta a maneira como, em França, nos últimos tempos, o tema da laicidade tem sido ignorado como se de um parente embaraçoso se tratasse, ou co-optado por indivíduos com agendas bem próprias, que de laicistas não têm mais do que o rótulo e a aura.
quinta-feira, maio 03, 2012
FERNANDO LOPES (1935-2012):
O cinema português deve-lhe muito. (Ou, o que vem a dar no mesmo: Portugal deve-lhe muito.) Com a sua doçura e inteligência, foi um dos que ajudou a fazer cinema num país onde só existia um sucedâneo deprimente de cinema. Fê-lo, ano após ano, com a naturalidade de quem faz aquilo que ama. Os seus filmes são e continuarão a ser antídotos contra a alarvidade que ocupa e corrói.
O cinema português deve-lhe muito. (Ou, o que vem a dar no mesmo: Portugal deve-lhe muito.) Com a sua doçura e inteligência, foi um dos que ajudou a fazer cinema num país onde só existia um sucedâneo deprimente de cinema. Fê-lo, ano após ano, com a naturalidade de quem faz aquilo que ama. Os seus filmes são e continuarão a ser antídotos contra a alarvidade que ocupa e corrói.
DEVOLVAM-NOS A FEIRA DE ANTANHO!: A tentação de estragar aquilo que está bom, ou menos mau, é uma dos traços de carácter mais bem distribuído, e revela-se tanto ao nível do indivíduo como da sociedade. Para encontrar um exemplo excelente, não é preciso ir mais longe do que o Parque Eduardo VII.
Ano após ano, a localização da Feira do Livro de Lisboa torna-se um pomo de discórdia tão poderoso que já faz parte da identidade nacional. Em contrapartida, a antecipação da Feira de Maio/Junho para Abril/Maio, que parece ter sido erigida a regra, tem suscitado um debate incomensuravelmente mais tímido. O resultado está à vista: chuva, frio e vento fazem com que uma excursão à Feira apareça como uma das maneiras menos apetecíveis de passar o tempo livre.
Claro que, mesmo em alturas mais tardias do ano, a Feira raramente se livra de alguns dias de tempo sofrível. Mas torna-se óbvio (excepto para aqueles que sustentam o mito de que Lisboa tem um clima ideal, perenemente soalheiro, invejado por todo o mundo civilizado) que as probabilidades de intempérie aumentam à medida que se recua no ano.
Devolvam-nos a Feira em finais de Maio, com o Verão à porta, as noites já a ficarem agradáveis e os jacarandás pujantes de floração colorida! Deixem de dar tiros nos próprios pés, deixem de afugentar os bibliófilos!
Ano após ano, a localização da Feira do Livro de Lisboa torna-se um pomo de discórdia tão poderoso que já faz parte da identidade nacional. Em contrapartida, a antecipação da Feira de Maio/Junho para Abril/Maio, que parece ter sido erigida a regra, tem suscitado um debate incomensuravelmente mais tímido. O resultado está à vista: chuva, frio e vento fazem com que uma excursão à Feira apareça como uma das maneiras menos apetecíveis de passar o tempo livre.
Claro que, mesmo em alturas mais tardias do ano, a Feira raramente se livra de alguns dias de tempo sofrível. Mas torna-se óbvio (excepto para aqueles que sustentam o mito de que Lisboa tem um clima ideal, perenemente soalheiro, invejado por todo o mundo civilizado) que as probabilidades de intempérie aumentam à medida que se recua no ano.
Devolvam-nos a Feira em finais de Maio, com o Verão à porta, as noites já a ficarem agradáveis e os jacarandás pujantes de floração colorida! Deixem de dar tiros nos próprios pés, deixem de afugentar os bibliófilos!
domingo, abril 29, 2012
ELEIÇÕES: No noticiário da SIC de hoje, afirmava-se que, caso François Hollande bata Nicolas Sarkozy na segunda volta das eleições presidenciais francesas, será a primeira vez, na "história recente" da França, que um presidente da República falha a sua reeleição. Não sei o que é que o autor da peça entende por "recente", mas não é preciso recuar gerações até encontrar um exemplo: Valéry Giscard d'Estaing (perdeu contra François Mitterrand em 1981).
CINEMA: Um bom artigo sobre "Céline et Julie Vont en Bateau", de Jacques Rivette. Gostei particularmente disto:
Mais do que qualquer outro que eu conheça, "Céline et Julie" é um filme que nunca se acaba de ver e que envolve o espectador na sua estrutura, que é ao mesmo tempo cíclica, linear, aleatória e ucrónica.
Envolve para toda a vida, quero eu dizer.
It’s not just that the film holds up to repeat viewings; its very point is its seemingly infinite repeatability, its mysterious capacity to surprise both first-time viewers and those who know it as well as a magician reciting an incantation.
Mais do que qualquer outro que eu conheça, "Céline et Julie" é um filme que nunca se acaba de ver e que envolve o espectador na sua estrutura, que é ao mesmo tempo cíclica, linear, aleatória e ucrónica.
Envolve para toda a vida, quero eu dizer.
![]() |
Dominique Labourier e Juliet Berto em "Céline et Julie Vont en Bateau", de Jacques Rivette. |
quarta-feira, abril 25, 2012
segunda-feira, abril 23, 2012
ONDE MENOS SE ESPERA: Os tempos exigem que se esteja de olhos bem abertos. Nesta Páscoa, em pleno centro comercial Via Catarina, no Porto, havia muitos livros da Agustina à venda pela quantia ridiculamente baixa de quatro euros e noventa cêntimos. Esta pechincha facilmente passava despercebida no meio de um oceano de livros de mesa de café, manuais práticos, histórias infantis e livros de culinária.
Comprei "As Relações Humanas" e "O Concerto dos Flamengos".
Comprei "As Relações Humanas" e "O Concerto dos Flamengos".
segunda-feira, abril 02, 2012
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um leitor lia "Diálogo Sobre a Ciência e os Homems", de Primo Levi e Tullio Regge. Foi na linha verde do metropolitano de Lisboa. Também no metropolitano, mas desta vez na linha vermelha, uma leitora lia "Um Coração Simples", de Flaubert.
E porém nem toda a grande literatura do mundo consumida por olhos dedicados e vorazes me consola do choque de ter de pagar 29 euros por um passe mensal que ainda há tão poucochinho custava 16.
E porém nem toda a grande literatura do mundo consumida por olhos dedicados e vorazes me consola do choque de ter de pagar 29 euros por um passe mensal que ainda há tão poucochinho custava 16.
PORTUGAL NÃO É A GRÉCIA: Repetem-nos até à saciedade que Portugal não é a Grécia. Parece um mantra. Mas será verdade que Portugal não é a Grécia? Certas correntes de opinião defendem que as cenas iniciais de "O Apicultor", do recentemente falecido Theo Angelopoulos, poderiam ter sido filmadas em Ponte da Barca.
(O filme, diga-se de passagem, infelizmente não fez senão confirmar a impressão pouco positiva que eu guardara do já longínquo "A Eternidade e Um Dia".)
(O filme, diga-se de passagem, infelizmente não fez senão confirmar a impressão pouco positiva que eu guardara do já longínquo "A Eternidade e Um Dia".)
terça-feira, março 13, 2012
quarta-feira, março 07, 2012
CHEGA DE REBALDARIAS ou THE SECOND FROM THE TOP BUTTON: A União Europeia de Xadrez decidiu que está na hora de pôr cobro às poucas-vergonhas e instituiu um código vestimentário. A leitura deste é razoavelmente desopilante; o inglês esfarrapado ajuda à festa.
Os excertos seguintes não dispensam, naturalmente, a leitura na íntegra:
Os excertos seguintes não dispensam, naturalmente, a leitura na íntegra:
- for men dress trousers or jeans, a long-sleeve or shirt-sleeve dress shirt, alternatively T-shirt or polo, loafers or dressy slip-ons, socks, shoes or sneakers (no beach-wear slips, etc.) and, if appropriate, a sport coat or blazer. The trousers, the jeans as well as the shirts and polo’s worn should be crisp and show no excessive wear, no holes and shall be free of body odor
- for women blouses, turtleneck, T-shirts or polo’s, trousers, jeans or slacks, skirts, dresses, and appropriate footwear (boots, flats, mid-heel or high-heel shoes, sneakers with sock) or any other appropriate clothing modification.
- in respect to shirts, the second from the top button may also be opened in addition to the very top button.
- sunglasses, glasses, neck ties can be worn during the games, no caps or hats, except for religious reasons.
quinta-feira, março 01, 2012
OS INESPERADOS ATALHOS DA BLOGOSFERA: Nos últimos dias, as seguintes buscas trouxeram leitores a este blog:
(*) Será que se queria referir ao quadro "Les Anges au Tombeau du Christ"?
- "pietà de manet" (bravo, bravíssimo) (*)
- "criança alérgica ao clavamox" (não sou especialista)
- "fechaduras de alta segurança eléctricas em 2 pontos, sem cilindro, com chave telescópica" (há gente que sabe muito bem aquilo que quer)
- "sofia escrito em chinês + tatuagem" (cantonês ou mandarim?)
- "transporte para a escola delfim santos no alto dos moinhos" (lamento não ter podido ajudar)
(*) Será que se queria referir ao quadro "Les Anges au Tombeau du Christ"?
DES-DESANIVERSÁRIO:
Este blog cumpre hoje precisamente 9 anos de existência.
Para que se fique com uma ideia do que representa este já graúdo lapso de tempo, recorde-se que, nesse longínquo dia zero:
Este ano não há festividades, por causa da crise em que estamos mergulhados. Para o ano, em plena retoma, será organizada uma churrascada de arromba.
Este blog cumpre hoje precisamente 9 anos de existência.
Para que se fique com uma ideia do que representa este já graúdo lapso de tempo, recorde-se que, nesse longínquo dia zero:
- Jorge Sampaio era presidente de Portugal
- José Barroso (na altura mais conhecido pelo pseudónimo "Durão Barroso") era primeiro-ministro
- o treinador do Sporting chamava-se László Bölöni
- o presidente dos EUA era George W. Bush
- a versão de 64 bits do Windows XP acabara de ser lançada
- o Facebook ainda não existia
- o país ansiava (sem o saber) pela 1ª temporada dos "Morangos com Açúcar", que estrearia nesse ano de 2003, com Benedita Pereira e João Catarré como protagonistas.
Este ano não há festividades, por causa da crise em que estamos mergulhados. Para o ano, em plena retoma, será organizada uma churrascada de arromba.
quarta-feira, fevereiro 29, 2012
SOMBRA NA PONTE DAS ARTES:
Por qualquer razão, achei que isto era apropriado para um dia 29 de Fevereiro.
The shadow of cinematographer Charles L. Bitsch and his camera, briefly visible during a dolly shot in Jacques Rivette's Paris Belongs to Us (1961). Hardly a "material object," you'd say, but Rivette's plots are often about the blurred line between the non-existent and the totally tangible, and, like one of his barely-there conspiracies (such as, well, the one in Paris Belongs to Us), the shadow cast by Bitsch beckons to be interpreted in paranoid, metaphorical terms. (...)
Por qualquer razão, achei que isto era apropriado para um dia 29 de Fevereiro.
The shadow of cinematographer Charles L. Bitsch and his camera, briefly visible during a dolly shot in Jacques Rivette's Paris Belongs to Us (1961). Hardly a "material object," you'd say, but Rivette's plots are often about the blurred line between the non-existent and the totally tangible, and, like one of his barely-there conspiracies (such as, well, the one in Paris Belongs to Us), the shadow cast by Bitsch beckons to be interpreted in paranoid, metaphorical terms. (...)
![]() |
Betty Schneider e Giani Esposito em "Paris Nous Appartient", de Jacques Rivette. |
segunda-feira, fevereiro 27, 2012
FRACTURAS: Detesto a expressão "tema fracturante". No seu uso corrente, o termo abrange assuntos com o suposto potencial de dividir a sociedade, causar alvoroço, subverter a moral, voltar pai contra filho e irmão contra irmão. Quase sempre, esses temas alegadamente fracturantes relevam da esfera dos costumes. Como se a macroeconomia, a divisão administrativa, o trabalho, não albergassem igualmente o poder de dividir, minar alicerces, fracturar.
A adopção por casais do mesmo sexo foi chumbada na Assembleia. Foi uma decisão errada sob todos os pontos de vista: social, jurídico, científico. Não faltaram as vozes que clamam por mais debate (obviamente "alargado" e "aprofundado") ou que alegam dúvidas ou estados de alma, ao sabor da consciência libertada das peias da disciplina partidária. (Já para não falar da invocação ao Criador por parte do deputado Telmo Correia - argumento tão poderoso e ribombante que decerto entrará na história da retórica portuguesa.)
Como eu gostaria de ver um nível de escrúpulo, dúvida metódica e cepticismo comparáveis, quando se trata de votar projectos sobre temas menos escabrosos mas não menos fracturantes e decisivos. Por exemplo: sobre as leis laborais, sobre o enriquecimento ilícito, sobre os horários do comércio, sobre o arrendamento urbano...
(PS Como sempre, vale a pena ler o que escreve a Isabel Moreira.)
A adopção por casais do mesmo sexo foi chumbada na Assembleia. Foi uma decisão errada sob todos os pontos de vista: social, jurídico, científico. Não faltaram as vozes que clamam por mais debate (obviamente "alargado" e "aprofundado") ou que alegam dúvidas ou estados de alma, ao sabor da consciência libertada das peias da disciplina partidária. (Já para não falar da invocação ao Criador por parte do deputado Telmo Correia - argumento tão poderoso e ribombante que decerto entrará na história da retórica portuguesa.)
Como eu gostaria de ver um nível de escrúpulo, dúvida metódica e cepticismo comparáveis, quando se trata de votar projectos sobre temas menos escabrosos mas não menos fracturantes e decisivos. Por exemplo: sobre as leis laborais, sobre o enriquecimento ilícito, sobre os horários do comércio, sobre o arrendamento urbano...
(PS Como sempre, vale a pena ler o que escreve a Isabel Moreira.)
quinta-feira, fevereiro 23, 2012
domingo, fevereiro 19, 2012
REDUCTIO AD MONTEIRUM: A lei de Godwin afirma que a probabilidade de alguém, numa discussão online, mencionar Hitler ou o nazismo se aproxima de 100% à medida que a discussão se prolonga.
A mesma lei se aplica a discussões sobre o cinema português e à menção ao filme "Branca de Neve". Normalmente, essa menção ocorre ao fim de poucas dezenas de comentários. (Ver aqui um exemplo recente.)
A mesma lei se aplica a discussões sobre o cinema português e à menção ao filme "Branca de Neve". Normalmente, essa menção ocorre ao fim de poucas dezenas de comentários. (Ver aqui um exemplo recente.)
IRRELEVANTES?: O filme "Tabu" ganhou o prémio FIPRESCI e o prémio Alfred Bauer, no recente festival de cinema de Berlim. O filme "Rafa" recebeu o Urso de Ouro das curtas-metragens. Serão estes feitos suficientes para livrar os respectivos autores, Miguel Gomes e João Salaviza, do doloroso estigma da irrelevância? Aguarda-se ansiosamente a resposta do oráculo Alberto Gonçalves.
terça-feira, fevereiro 14, 2012
C'EST VRAI. TOUT LE MONDE PLEURERA:
Sabe tão bem quando as expectativas relativas a um fillme, longamente alimentadas a ditirambos alheios, acarinhadas e encorajadas, são cumpridas em pleno aquando do primeiro visionamento.
Qualquer que seja o desenrolar do ano cinéfilo, este será um dos pontos altos.
![]() |
O grande Pierre Renoir e a sublime Winna Winifried em "La Nuit du Carrefour", de Jean Renoir. |
Sabe tão bem quando as expectativas relativas a um fillme, longamente alimentadas a ditirambos alheios, acarinhadas e encorajadas, são cumpridas em pleno aquando do primeiro visionamento.
Qualquer que seja o desenrolar do ano cinéfilo, este será um dos pontos altos.
terça-feira, fevereiro 07, 2012
DESTE ACORDO SOU A FAVOR: Há lá coisa mais bela do que uma mulher ou um homem a ler? Talvez haja, mas não muitas. Com uma pequena história a acompanhar, as fotografias ganham ainda mais força. Quantas vezes lamentei ficar sem saber nada sobre alguém que descobri a ler em público: o que o/a levou a escolher aquele livro, se está a gostar, etc.
segunda-feira, fevereiro 06, 2012
IRRELEVÂNCIA: Alberto Gonçalves qualifica de "assalto" o novo plano de financiamento do cinema apresentado pela Secretaria de Estado da Cultura. Faz-lhe, aparentemente, muita confusão que o Estado subtraia 50 milhões de euros anuais à frágil economia de empresas e particulares e que os entregue de mão beijada aos profissionais do cinema, esses parasitas. Não há nada aqui que surpreenda quem conhece a personagem; não contem com Alberto Gonçalves para brincar com a sua coerência, consolidada ao longo de incontáveis crónicas hebdomadárias no "Diário de Notícias", onde aliás está em valorosa companhia.
Onde AG descarrila um tudo-nada (atrevo-me a dizê-lo) é quando acusa de irrelevância os criadores de cinema português, aparentemente apenas com base em critérios de bilheteira (seria uma maldade imperdoável pedir a AG um argumento de natureza estética). AG é um homem de lucidez comprovada, que nada há demasiado tempo nas águas aprazíveis da sua própria irrelevância para que um juizo tão distorcido lhe seja relevado. Mais para benefício do eventual leitor desprevenido do que do principal interessado, que certamente deu pela argolada em menos tempo do que leva a escrever isto num teclado, vamos então à clarificação que se impõe:
Dispenso-me de fazer um desenho.
Onde AG descarrila um tudo-nada (atrevo-me a dizê-lo) é quando acusa de irrelevância os criadores de cinema português, aparentemente apenas com base em critérios de bilheteira (seria uma maldade imperdoável pedir a AG um argumento de natureza estética). AG é um homem de lucidez comprovada, que nada há demasiado tempo nas águas aprazíveis da sua própria irrelevância para que um juizo tão distorcido lhe seja relevado. Mais para benefício do eventual leitor desprevenido do que do principal interessado, que certamente deu pela argolada em menos tempo do que leva a escrever isto num teclado, vamos então à clarificação que se impõe:
- Realizador português: Manoel de Oliveira, João César Monteiro, João Botelho, João Canijo, Pedro Costa, Teresa Villaverde, Margarida Gil, Miguel Gomes, João Nicolau, ETC ETC - Trabalho sério, assistido por uma equipa de profissionais, frequentemente em condições precárias, para produzir algo de belo e complexo - Obras-primas como "Francisca", "Vale Abraão", "A Comédia de Deus", "Noite Escura", "Aquele Querido Mês de Agosto", ETC, ETC - Reconhecimento nacional e internacional - Obra feita. >>>>>>> RELEVANTE
- Alberto Gonçalves - Artigos de opinião semanais num diário que já conheceu melhores dias - Vagamente conhecido pela ironia romba, pelas comparações apressadas, pela frouxidão dos raciocínios, pela insuportável indulgência com que brande as suas armas contra os dogmas do Portugal bem pensante (os existentes também, mas sobretudo os inexistentes, que têm outro éclat) - Nenhuma obra, nenhuma credibilidade a não ser a que lhe concedem os seus pares (que, sem serem legião, fazem algum barulho). >>>>>>> IRRELEVANTE
Dispenso-me de fazer um desenho.
sexta-feira, fevereiro 03, 2012
SEM TIRAR NEM PÔR:
«Há meses que se debate o corte de feriados nacionais partindo do princípio, estabelecido pelo Governo, de que estes existem em dois tipos - aqueles de que o Executivo pode dispor, e a que chama "civis", e os outros, "religiosos", propriedade da Igreja Católica. Apesar de se imaginar a reação geral se para acabar com o 5 de Outubro o Governo negociasse com associações republicanas e laicas, esta visão Tordesilhas dos feriados não tem merecido contestação. (...)»
(Fernanda Câncio)
«Passos e outros ministros ostentam na lapela um pino com a bandeira da República. Suponho que sabem que aquela bandeira foi adoptada após o 5 de Outubro de 1910, data que, decidiram, deixará de ser feriado nacional. Talvez ignorem que foi pela primeira vez desfraldada no 1 de Dezembro de 1910, feriado também suprimido. (...)»
(Ricardo Alves)
«Há meses que se debate o corte de feriados nacionais partindo do princípio, estabelecido pelo Governo, de que estes existem em dois tipos - aqueles de que o Executivo pode dispor, e a que chama "civis", e os outros, "religiosos", propriedade da Igreja Católica. Apesar de se imaginar a reação geral se para acabar com o 5 de Outubro o Governo negociasse com associações republicanas e laicas, esta visão Tordesilhas dos feriados não tem merecido contestação. (...)»
(Fernanda Câncio)
«Passos e outros ministros ostentam na lapela um pino com a bandeira da República. Suponho que sabem que aquela bandeira foi adoptada após o 5 de Outubro de 1910, data que, decidiram, deixará de ser feriado nacional. Talvez ignorem que foi pela primeira vez desfraldada no 1 de Dezembro de 1910, feriado também suprimido. (...)»
(Ricardo Alves)
quinta-feira, fevereiro 02, 2012
DO PATNA AO COSTA CONCORDIA: Não alinho em julgamentos na praça pública; não sei se o capitão Schettino (descrito como "o homem mais odiado de Itália", o que mais parece o título de uma futura biografia ou adaptação ao cinema) é ou não culpado de abandono do navio que estava sob sua responsabilidade máxima. O que sei, o que a grande literatura ensina, é que os falhanços morais mais atrozes podem ser seguidos, muito mais tarde, por actos de heroísmo supremo e absurdo, como um eco invertido da cobardia primordial.
Nunca subestimem os extremos a que pode levar o desejo de redenção, nem a generosidade com que o destino concede as ocasiões para isso.
Basta recordar o Lord Jim de Conrad.
(E tomara aos media internacionais a lucidez e a lentidão do narrador Marlow.)
Nunca subestimem os extremos a que pode levar o desejo de redenção, nem a generosidade com que o destino concede as ocasiões para isso.
Basta recordar o Lord Jim de Conrad.
(E tomara aos media internacionais a lucidez e a lentidão do narrador Marlow.)
terça-feira, janeiro 31, 2012
THINKING OUTSIDE THE BOX: Dizem-nos para sairmos da nossa zona de conforto, pedem-nos ideias brilhantes para melhorar Portugal. Pois bem, o que eu proponho é muito simples: não só manter o 5 de Outubro como feriado, mas adicionar à lista de feriados o 31 de Janeiro, data da revolta republicana na cidade do Porto.
Chama-se a isto pensamento lateral, chama-se a isto agir em contra-ciclo. Não sei se merece uma petição online.
PS - Ainda não chegou o momento de dizer tudo aquilo que penso sobre a tragicomédia da eliminação de feriados, mas isso não tardará.
Chama-se a isto pensamento lateral, chama-se a isto agir em contra-ciclo. Não sei se merece uma petição online.
PS - Ainda não chegou o momento de dizer tudo aquilo que penso sobre a tragicomédia da eliminação de feriados, mas isso não tardará.
NUVENS PASSAGEIRAS: Independentemente dos seus contornos legais, o caso do encerramento do site Megaupload só veio alimentar as minhas dúvidas sobre as virtudes do armazenamento de dados em nuvem, pelo menos quando aplicado aos particulares. Neste momento, muitos utilizadores vêem-se impossibilitados de aceder a ficheiros perfeitamente legais que julgavam estar em segurança. Ceder aos cantos imateriais da etérea nuvem, trocar segurança por mobilidade e acessibilidade, tem riscos associados, e sempre os terá (digo eu, na minha ignorância de leigo). Ainda está por inventar um substituto à altura para o bom e velho disco externo USB. Cabe no bolso, resiste aos choques e vai connosco para onde quisermos.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS:
- Na linha verde do metropolitano de Lisboa, uma leitora lia o "Diário de um Pároco de Aldeia", de Bernanos, na edição antiguinha da Verbo (livros RTP).
- Mesmíssima cidade, mesmíssimo meio de transporte, mesmíssima linha: um leitor lia "Húmus", de Raul Brandão.
quarta-feira, janeiro 25, 2012
terça-feira, janeiro 17, 2012
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um dia em cheio! Na linha verde do metropolitano, uma leitora lia "Os Anões", de Harold Pinter. Junto à Escola Básica 2+3 Prof. Delfim Santos, ao Alto dos Moinhos, um leitor lia "Na Minha Morte", de William Faulkner, e fazia-o enquanto, lesto, caminhava.
Se a leitura ambulatória de Faulkner em plena via pública não merece 50 pontos de bónus, pergunto-me: o que é que merece 50 pontos de bónus?
Estas observações ofuscam sem apelo nem agravo a de há uns dias atrás ("Midnight's Children", de Salman Rushdie, na linha verde.)
Se a leitura ambulatória de Faulkner em plena via pública não merece 50 pontos de bónus, pergunto-me: o que é que merece 50 pontos de bónus?
Estas observações ofuscam sem apelo nem agravo a de há uns dias atrás ("Midnight's Children", de Salman Rushdie, na linha verde.)
sábado, janeiro 14, 2012
quarta-feira, janeiro 11, 2012
sábado, janeiro 07, 2012
DA FIDELIDADE AOS CEREAIS: Ninguém segura Henrique Raposo, que agora parece apostado em reinventar a literatura universal. De "À Espera no Centeio", de Salinger, faz "À Espera do Centeio", deixando-nos ansiosos pelo momento em que nos revelará as suas opiniões sobre "Aguardando a Cevada", "Nostalgia pela Aveia", "Uma Devastadora Saudade do Milho-Painço" e outras obra-primas de quilate comparável.
terça-feira, janeiro 03, 2012
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS - ERRATA: Um leitor atento, para quem vão os meus agradecimentos, assinalou que Thomas More escreveu "Utopia" em latim. Assim, esta leitura não foi em versão original, mas sim na tradução inglesa. Mais uma má notícia para juntar às que jorram sem cessar sobre este país desgraçado.
OS VOTOS DO COLECTIVO (com um C bem presente, bem firme e bem hirto - abaixo o acordo ortográfico!!!): Este blog deseja a todos os seus leitores, amigos, afilhados, relações distantes, advogados, credores, admiradores, caluniadores, et caetera, um ano de 2012 mesmo muito bom. (Inserir aqui mensagem de esperança e confiança na tendência secular de o povo português se ultrapassar em momentos de crise.)
Subscrever:
Mensagens (Atom)