quarta-feira, julho 31, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Em plena Avenida de Roma, uma leitora lia o "Jornal de Letras", em regime ambulatório. Regra geral, os periódicos não são elegíveis para esta rubrica, mas resolvi abrir uma excepção neste caso por uma pletora de razões.

Na sempre fiel linha verde do metropolitano, um leitor brandia a edição da Guimarães da "Antologia da Páginas Íntimas" de Kafka, deixando no ar a ideia de que a estivera a ler.

Numa ocasião separada, na mesma linha, uma leitora lia "O Cão Amarelo", de Martin Amis.

Indiferentes ao desfile de vaidades e podridões que os rodeia, os leitores em lugares públicos continuam a entregar-se à sua inclinação, que é também uma missão das mais nobres.

quinta-feira, julho 25, 2013

PÉROLAS DA PARIS REVIEW

INTERVIEWER: Are your characters trying to do what matters?

RAYMOND CARVER: I think they are trying. But trying and succeeding are two different matters.

(...)

RAYMOND CARVER: Any writer worth his salt writes as well and as truly as he can and hopes for as large and perceptive a readership as possible. So you write as well as you can and hope for good readers.

(The Paris Review Interviews, Vol. 3)

terça-feira, julho 23, 2013

DESVIANTES E PERVERSOS

Portugal tornou-se um paraíso mundial de comportamentos desviantes e perversos.

Quem o diz é João César das Neves, e como sempre tem toneladas de razão. Só hoje, no caminho entre minha casa e a estação de metro, deparei com dois casos de zoofilia (um deles, por sinal, particularmente escabroso tendo em conta a espécie envolvida), um fetichista de mãos, um outro de pés, um exibicionista, uma ninfomaníaca e ainda um cidadão que se entregava a actos aviltantes com um melão pele-de-sapo.

No verão de 2006 não se via nada disto. Era tudo gente serena e canónica nas suas inclinações. As leis laxistas aprovadas pelos fanáticos que ocupam a Assembleia trouxeram-nos para este lamaçal moral onde todos patinhamos.

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Um leitor lia um livro de Jorge Luis Borges enquanto esperava na fila para o autocarro da empresa "Mafrense". Foi no terminal de camionetas do Campo Grande. Pareceu-me que o livro era "O Relatório de Brodie", mas não consegui tirar a limpo.

Um leitor em lugares públicos é um peão numa batalha sem fim. Todos os minutos contam!

domingo, julho 21, 2013

TURISMO CINÉFILO

Ao folhear o "Guide du Routard" dedicado a Lisboa, deparo com um parágrafo relativo ao cinema português. São citados Manoel de Oliveira, João César Monteiro, Pedro Costa, Teresa Villaverde, Manuela Viegas, Joaquim Sapinho e João Pedro Rodrigues, entre outros. O apego dos franceses pelo cinema manifesta-se das maneiras mais inesperadas.

NÃO RECONCILIADOS

Desconfio sempre dos apelos ao consenso. Por mais repletos de boas intenções que estejam, costumam soar em demasia a tentativas de manter o status quo e de fazer prevalecer uma linha de pensamento ou acção, supostamente merecedora de aprovação consensual, em detrimento de outras. Esse tal pensamento ou essa tal acção, na óptica destes patrióticos e responsáveis apelos à concórdia, seriam por definição partilhados por todas as pessoas de bom senso e só o espírito de facção leva a que alguns façam finca-pé em posições heterodoxas.

A crise política que atravessou as últimas semanas, com epicentro em Belém, São Bento e Largo do Caldas e sucursal nas Ilhas Selvagens, encaixa em pleno neste figurino. (Uso o tempo presente, mas não duvido de que o Senhor Presidente da República se encarregará de pôr cobro à crise com uma comunicação sábia e certeira, hoje mesmo, às 20h30, tempo médio de Greenwich.)

A democracia implica a coexistência de opiniões diversas. Pretender que essa diversidade deve ser anulada em nome de um rumo comum é falacioso e perigoso. Acenar com o carácter excepcional da situação pode ser um eficaz meio de coerção, mas não representa um argumento real. Ainda que com fortes constrangimentos, ainda que sob um programa de assistência, governar Portugal pressupõe ainda fazer política e implica escolhas. E quem se responsabilize por essas escolhas, como é óbvio.

É nestas ocasiões que mais sinto vontade de ver filmes de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub.


sábado, julho 20, 2013

O ENIGMA NÃO EXISTE

Já há quem cite Wittgenstein a propósito da crise política, neste caso o ex-ministro Rui Pereira. Pergunto-me se isto é bom ou mau sinal.

O enigma não existe.
Se se pode de todo fazer uma pergunta, então também se pode respondê-la.

(L. Wittgenstein, "Tratado Lógico-Filosófico", 6.5, tradução de M.S. Lourenço, Fundação Calouste Gulbenkian)

sexta-feira, julho 19, 2013

NO BOM CAMINHO

No melhor dos caminhos, digo eu.

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Na linha vermelha do metropolitano, um leitor cedeu ao sono quase imediatamente após ter começado a ler "Uma Viagem à Índia", de Gonçalo M. Tavares.

Na linha verde, uma leitora lia "The Great Gatsby" na versão original.

E se a Salvação Nacional acontecesse por obra e graça dos leitores em lugares públicos?

segunda-feira, julho 15, 2013

SÓ O CINEMA

"Éloge de l'Amour", de Godard. Revejo-o por necessidade, por compulsão. De cada vez, sinto-me como se tivesse aprendido coisas novas sobre o filme e sobre a vida - mas também como se aquilo que desaprendi e deixei de perceber pesasse mais, muito mais, no outro prato da balança. A perplexidade é um exercício duro e demorado. Toda a ajuda é bem-vinda.

Mas este afinal é um filme que nos fala da ambição mais simples de todas - a de ser adulto. A mais simples e a mais desmesurada. Porque um adulto não é coisa alguma - como é dito no filme. Edgar pode ser o único homem que tenta ser adulto (no filme ou na vida?). Isso não faz dele um exemplo a seguir. Implica apenas que está a caminho de se tornar invisível. Nessa altura, o problema ficará resolvido.

Talvez volte a escrever sobre este filme. Ou talvez não. Não importa.




domingo, julho 14, 2013

14 DE JULHO

A Bastilha caiu há 224 anos. O mundo mudou. Levou tempo, mas mudou. E para muito melhor, mau grado todos os avanços e recuos e todos os desvarios da natureza humana que não olham a contextos históricos.

Imagem retirada daqui.

sábado, julho 13, 2013

PÉROLAS DA PARIS REVIEW

JOYCE CAROL OATES: The thought of dictating into a machine doesn't appeal to me at all. Henry James's later works would have been better had he resisted that curious sort of self-indulgence, dictating to a secretary.

(...)

JOYCE CAROL OATES: Generally I've found this to be true: I have forced myself to begin writing when I've been utterly exhausted, when I've felt my soul as thin as a playing card, when nothing has seemed worth enduring for another five minutes... and somehow the activity of writing changes everything.

(The Paris Review Interviews, Vol.3)

quarta-feira, julho 10, 2013

COMO ESTÃO AS COISAS

"The Sun Woman II", Lee Krasner, 1958.

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Leitora na carruagem do metropolitano, de pé, lendo livro (não identificado) de Orhan Pamuk.

Leitora na plataforma da estação do Campo Grande, subsequentemente na carruagem e novamente fora dela, de pé, lendo "Amor de Perdição".

A linha verde: onde os clássicos e os contemporâneos se encontram!

sábado, julho 06, 2013

ESCOMBROS

Os leitores mais ou menos fiéis deste blog sabem que a política nacional é aqui um tema tratado de forma esparsa, se não mesmo bissexta. A semana alucinante que o país acabou de viver, apesar da intensidade das emoções, não foi de molde a encorajar-me à prolixidade. Não é que não haja muito para dizer; certamente que HÁ muito para dizer. Sucede que esse muito que há para dizer já foi sendo dito, com várias gradações de incredulidade e escândalo, por batalhões de comentadores e pelas redes sociais. O que resta são escombros, inqualificáveis e indescritíveis, os escombros da credibilidade de que este governo ainda usufruía. Os mais militantes, ou aqueles que estão obrigados profissionalmente a comentar e analisar, irão ainda discutir longamente qual foi exactamente a proporção de inépcia, spin, choque de egos, putsch canhestro e estratégia nos acontecimentos da última semana. Por mim, o caso está encerrado. A não ser que o senhor Presidente da República sofra uma convulsão de lucidez, vamos ver perpetuar-se um governo que estará permanentemente à mercê dos humores de um ministro de Estado, sem qualquer garantia de estabilidade, resultante de uma espécie de tratado de Tordesilhas cozinhado à pressão e sob chantagem.

Acrescento apenas isto, redundante mas demasiado chocante para passar em claro. Tendo acompanhado a vida pública de Paulo Portas ao longo de mais de 20 anos, acreditava ter formado uma ideia aproximada do que ele era capaz, mas eis que ele se ultrapassa. Chega a ser arrepiante, para além de ofensivo para o pudor, presenciar os extremos de ignomínia e falsidade que uma pessoa atinge para satisfazer a sua ambição de poder. Apetece formular a pergunta fatídica: «Como é que ele consegue dormir»? Mas não me parece que se justifiquem inquietações acerca da qualidade do sono do futuro vice-primeiro-ministro.

PÉROLAS DA PARIS REVIEW

JOHN CHEEVER: The legend that characters run away from their authors - taking up drugs, having sex operations, and becoming president - implies that the writer is a fool with no knowledge or mastery of his craft.

(The Paris Review Interviews, Vol.3)

PÉROLAS DA PARIS REVIEW

INTERVIEWER: Do you have a particular interest in psychology?

HAROLD PINTER: No.

("The Paris Review Interviews", Vol.3)

quarta-feira, julho 03, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

"O Príncipe", de Machiavelli, lido de pé por um passageiro da linha verde do metropolitano, decerto plenamente ciente de como a sua leitura em lugar público se adequa aos tempos que vivemos.

segunda-feira, julho 01, 2013

DEVE & HAVER

Ora então vejamos.

Num dos pratos da balança:
  • Insistência inflexível na austeridade, para lá de tudo aquilo que o memorando impunha, com efeitos recessivos profundos à medida de multiplicadores barbaramente subestimados.
  • Desvios sucessivos entre as previsões e a realidade, em todos os indicadores: défice, desemprego, PIB, receita fiscal.
  • Dois orçamentos inconstitucionais dois.
  • Rácio dívida pública/PIB sempre a crescer, apesar das doses cavalares de austeridade.
  • Uma economia de rastos.
  • Cinismo e insensibilidade no discurso: pode começar-se o florilégio por "Não fui eleito coisíssima nenhuma" e ir por aí fora, sem receio de que falte o material.
 No outro prato da balança:
  • Uma dicção irrepreensível.
  • Dizem que tinha muitos amigos lá fora e que transpirava credibilidade.
Só a História é capaz de julgar os políticos, mas penso que será pedir demais à musa Clio um balanço do mandato do Prof. Vítor Gaspar que não seja desastroso.

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Leitora a ler "Crime e Castigo". Na linha verde do metropolitano, os clássicos nunca deixaram de estar na moda e nunca deixarão de estar!

FONTES

No Diário de Notícias:

SAÍDA DE GASPAR PROVOCA AUMENTO NAS TAXAS DE JURO DE PORTUGAL

com link para o Dinheiro Vivo, onde afinal de contas se lê

JUROS DA DÍVIDA MANTÊM-SE ESTÁVEIS APESAR DA SAÍDA DE GASPAR

Ou de como vale sempre a pena ir consultar as fontes.


sexta-feira, junho 14, 2013

O ESTADO DO MUNDO

"A Luta de Jacob com o Anjo", Maurice Denis, 1893.

MIL OLHOS

É continuar a tentar. O sucesso exige perseverança, esforço e alguma sorte.

Temos mil olhos, como o Dr. Mabuse. Mas há coisas que nos escapam, de vez em quando. Demasiados leitores e demasiados lugares públicos.

quarta-feira, junho 05, 2013

Eh eh, quem me dera que o meu mundo fosse assim tão perfeito.

DA CONCISÃO

Dois jovens de vinte anos passam o seu tempo nos cafés parisienses à volta de raparigas. Uma das tentativas de engate dá para o torto.

Este é sem dúvida um dos melhores resumos de filme que li em toda a minha vida, e olhem que não li poucos. É da autoria de Antonio Rodrigues e diz respeito ao filme "Du Côté de Robinson", de Jean Eustache. (Folhas da Cinemateca, Cinemateca Portuguesa, 2008.)

O facto de se aplicar igualmente a pelo menos 50 % dos filmes da primeira fase da Nouvelle Vague não lhe retira mérito.


sábado, junho 01, 2013

TELHADOS DE PELÍCULA ADERENTE DE MARCA BRANCA

A blogosfera favorece a preguiça. Após ter lido a crónica que Vasco Graça Moura perpetrou há alguns dias, na qual se insurgia contra a proliferação do insulto, cheguei a sentir vontade de meter mãos à tarefa de prospecção dos escritos pretéritos deste cavalheiro e recolher alguns exemplos em que ele próprio deixou fugir (e com que ardor!) o pé para a chinela do impropério. Tratando-se de um caso de contumácia que dura há anos, não faltaria a matéria prima. Demoveu-me a certeza de que alguém, algures, haveria de se dedicar a essa missão, sem dúvida com maior brio e exaustividade. Está feito. E estou certo de que o fundo da arca ficou ainda por raspar.

Vasco Graça Moura é uma figura que me deixa perplexo. Respeito o erudito, o tradutor de Dante e Shakespeare. Admiro a persistência com que tem combatido esse delírio disforme conhecido nalguns meios como "Acordo Ortográfico" e identifico-me com esse combate. Desprezo a criatura que, periodicamente, se entrega aos mais requintados e virulentos exercícios de vitupério dirigidos contra todos aqueles que não partilham das suas mundividências políticas e sociais, muito em particular todos aqueles que votaram PS ou que não consideram José Sócrates o português mais ignóbil desde Miguel Vasconcelos.

Vir agora esta mesmíssima pessoa mostrar surpresa por uma suposta "proliferação do insulto" seria chocante se não fosse, bem vistas as coisas, perfeitamente coerente com o seu défice de sintonia em relação à realidade que o rodeia.

Nem sequer se aplica a expressão "telhados de vidro". O vidro é um material nobre, versátil e mal servido pela sua reputação de fragilidade. Isto são telhados de hóstia, de película aderente de marca branca ou de papel higiénico de folha simples.

quinta-feira, maio 30, 2013

A LIBERDADE DE DELIBERAÇÃO DEMOCRÁTICA ESTÁ EM PERIGO!

O ministro Poiares Maduro veio a terreiro dizer que o Tribunal Constitucional limita em excesso a liberdade de deliberação democrática. A afirmação parece tão esdrúxula que me dei ao trabalho de ler o artigo várias vezes, em busca de uma justificação. Em vão. Talvez esteja nos conteúdos para assinantes.

É interessante, mas também assustador, constatar a ligeireza com que certas figuras designam a Constituição da República e o TC como bodes expiatórios, quando estes são ou se mostram contrários aos seus intentos e afã legislativo.

É reconfortante, por outro lado, saber que o Dr. Poiares Maduro defende, apesar das tendências castradoras do TC, que as suas decisões devem ser respeitadas.

terça-feira, maio 28, 2013

PAUL KLEE, GOETHE, SINDBAD E BARBA-AZUL, PORCOS-ESPINHOS, DIVÓRCIOS

Duas notas relativas à minha primeira visita do ano à Feira do Livro.

1) Há uma efígie em tamanho natural do papa Francisco colocada estrategicamente para pregar um susto aos incautos.

2) Está disponível no stand da Antígona a primeira (salvo erro imperdoável da minha parte) tradução da obra de Donald Barthelme publicada em Portugal.



Deixemo-nos de rodriguinhos: este é o acontecimento que marca o fim da idade das cavernas no meio editorial português e que escancara as portas da modernidade.

Acabou-se a vergonha que eu sentia quando tinha de admitir que um dos autores mais fascinantes e inovadores do século XX estava por traduzir, no meu país, ao passo que milhares de palavras de pura escória literária viam a luz por cada hora que passava.

Parabéns à Antígona e ao tradutor Paulo Faria por terem enfrentado este desafio.

Posso garantir que esta colectânea é, em conformidade com aquilo que é alegado pela editora, uma das melhores introduções à obra de Don B. Muitos destes contos estão entre os melhores do autor.

Não há que ter ilusões: por mais competente que tenha sido o trabalho de tradução (e acredito que o tenha sido), nada substitui o original. Mas não me parece completamente descabido adquirir a edição em português, como forma de agradecer à Antígona por ter quebrado este enguiço editorial que manchava o Portugal cultural como uma nódoa escura e viscosa.

segunda-feira, maio 27, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

No cais da estação de metro Campo Grande, sentado, sentido Cais do Sodré, leitor entretido com um livro de Samuel Beckett que me pareceu ser a edição da Relógio d'Água de "Molloy" (95 % de certeza), e já se sabe como este livro tem matéria para entreter em abundância.

sábado, maio 25, 2013

(...) a work of art can't be done for the purpose of pleasing a certain group of readers.

(Georges Simenon, "The Paris Review Interviews", vol. 3)

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Leitor na linha amarela do metro com livro "Uma Vida Imaginária", de David Malouf, entre as mãos. Estava quase no final. Se foi até ao fim da linha (Rato), talvez tenha tido tempo para acabar.

segunda-feira, maio 20, 2013

Merengue, lemon curd, framboesas, mel, hortelã, tomilho. A vida é como certas sobremesas do Jamie Oliver: demasiadas coisas.

sábado, maio 04, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Na linha amarela do metropolitano, uma leitora lia "Wuthering Heights", de Emily Brontë, de pé, em versão original.

Oh, Heathcliff!

sexta-feira, abril 26, 2013

quinta-feira, abril 25, 2013

INICIAL, INTEIRO, LIMPO

Ano após ano, fascina-me ir descobrindo as novas estratégias que certos sectores põem em prática para relativizar, apoucar, ignorar ou contestar o significado deste dia. E porém o significado e a memória perduram, tão mais fortes e nítidos do que tudo o resto.


segunda-feira, abril 22, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Na Cinemateca, uma leitora lia os "Diários" de Al Berto. Nada como um bom livro imediatamente antes de um filme. Ou depois.

sexta-feira, abril 19, 2013

terça-feira, abril 16, 2013

CONTUMÁCIA

Com um intervalo de vários anos, comprei um postal do mesmo quadro de Degas na Courtauld Gallery, Londres. É este:


"Mulher à Janela", 1872.

Não sei se esta constância de gostos deve ser para mim motivo de embaraço ou de regozijo.

Há uma história, associada a este quadro, que pode ter contribuído para este impulso repetido. O quadro foi pintado durante o cerco prussiano a Paris, que trouxe consigo a fome e as privações de toda a espécie. A mulher que posou foi remunerada com um pedaço de carne crua que ela, esfomeada, devorou imediatamente.

«Figure and setting seem, like something found by chance, an unposed vignette, which the artist perhaps saw in passing, out of the corner of his eye, and which he must have registered later in the studio, using quick touches of oil paint on paper. But this is inaccurate. The picture was preconceived, and a model obtained. And Degas deliberately set out to experiment with "essence", which involves draining paint of its oil and thinning it instead with turpentine. So the informality, as always in Degas's paintings, is calculated.» (Frances Spalding)



quinta-feira, abril 11, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Na plataforma do metro da estação Campo Grande (linha verde, sentido Cais do Sodré), um leitor lia um livro de Mo Yan. Sim, era esse mesmo, o mais-que-mítico "Peito Grande, Ancas Largas". O que terá despertado o interesse deste leitor? O prestígio do prémio Nobel? O título, tão subtilmente sugestivo? Nunca o saberemos. Em todo o caso, a linha verde continua a dar cartas.

segunda-feira, abril 08, 2013

CONSTITUIÇÃO

Nestes tempos (que tempos!) em que se insultam órgãos de soberania com a mesma ligeireza com que se esborracha um mosquito, certas imagens valem mais do que mil palavras, um milhão de comentários, um bilião de narrativas:



Sim, a Constituição da República. A maior força de bloqueio que existe, segundo alguns (numerosos, barulhentos); o mais nefasto dos empecilhos.

DIAS DO LEITOR

Nasceu há poucos dias, mas torna-se desde já abundantemente óbvio que se irá transformar em ponto de paragem obrigatório.

sexta-feira, abril 05, 2013

LONDRES

O favorito Magnus Carlsen ganhou o torneio dos candidatos de Londres e o direito a desafiar o campeão do mundo, Viswanathan Anand, mas as vias do seu triunfo foram tortuosas. Em igualdade pontual com Vladimir Kramnik à entrada da última ronda, Carlsen beneficiava de um melhor coeficiente de desempate, bastando-lhe por isso fazer tão bem como o seu adversário directo. O desfecho foi impróprio para cardíacos: Carlsen, que defrontava Peter Svidler com brancas, perdeu o controlo do jogo e acabou derrotado. Felizmente para ele, Kramnik, jogando de negras contra Vassily Ivanchuk, hesitou demasiado entre jogar para a vitória ou para o empate e acabou com uma posição desesperada, acabando por desistir.


Carlsen (esquerda) perdeu o jogo mas ganhou o torneio. Fotografia retirada daqui.

O embate Anand-Carlsen será uma coisa digna de se ver. Mal posso esperar.

Por coincidência, estive em Londres durante a recta final do torneio. Não fui assistir a este pedaço de história do xadrez por duas razões fundamentais. A primeira esteve relacionada com o preço dos bilhetes de ingresso (a rondar as 30 libras, pelo que me constou). A segunda razão, muito mais importante, foi a existência de coisas bem mais produtivas e interessantes para fazer, como por exemplo esta:

Rembrandt, "Titus, the Artist's son", c. 1657. Visto na Wallace Collection.

segunda-feira, abril 01, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Um vigilante de uma das salas da colecção Wallace (Londres), tranquilamente instalado na sua cadeira, lia a peça "Timon of Athens". Estava a começar o 3º acto. Por um lado, é obviamente de louvar. Por outro lado, impõe-se a dúvida: em caso de pulsão vandalizadora por parte de um qualquer visitante, será que o tempo de reacção de alguém que está imerso numa tragédia shakespeareana será suficiente para salvar a integridade da obra de arte?

quarta-feira, março 27, 2013

O ESTADO DAS COISAS

Édouard Vuillard, Sous la Lampe ou Deux Femmes Sous la Lampe (1892)

XADREZ

Está a disputar-se em Londres, até dia 1, o torneio dos candidatos ao título de campeão do mundo de xadrez. O vencedor ganha o direito de disputar o título com o indiano Viswanathan Anand, actual campeão. A quatro rondas do fim, Magnus Carlsen (Noruega), nº 1 da classificação mundial e grande favorito, lidera com meio ponto de avanço sobre Levon Aronian (Arménia) e um ponto sobre Vladimir Kramnik (Rússia). Estes três são os únicos que ainda podem aspirar à vitória. O meu ídolo de sempre, o ucraniano Vassily Ivanchuk sofreu hoje mais uma derrota e está em último lugar.

terça-feira, março 19, 2013

EXTRATERRESTRE

(Ainda a propósito disto.) Nos tempos que correm, defender os valores da laicidade de forma clara e descomplexada parece coisa de extraterrestre. Felizmente, ainda se vão vendo alguns homenzinhos verdes a circular por aí, em particular na Assembleia. Tanto melhor.

Na caixa de comentários da notícia, há quem chame a Pedro Delgado Alves "filhote de Afonso Costa". A mim, soa a elogio, mas duvido que fosse essa a intenção do seu autor.

Pedro Delgado Alves já se tinha distinguido, o ano passado, pela reacção contrária à eliminação do feriado do 5 de Outubro.

MAIS NOTAS SOLTAS SOBRE O PAPA

  • Cada vez fico mais convencido de que ser papa é um dos cargos menos exigentes que existe. Poucos dias depois da sua eleição, já todo o mundo sabe que o papa Francisco é humilde, simpático, espontâneo e amigo dos pobres. Para tal, bastou-lhe sorrir várias vezes, pagar a conta da residência onde pernoitou, interagir com um punhado de pessoas na praça de São Pedro e permitir-se alguns ditos mais ou menos espirituosos. Ah, e não esqueçamos declarações de tremenda complexidade conceptual, como por exemplo «Não tenham medo da bondade e da ternura» ou «É preciso uma Igreja pobre para os pobres».
  • Para quem, imperdoavelmente, se esqueça por momentos das extraordinárias qualidades humanas do papa, a comunicação social aí está para, em modo intoxicação, chamar o incauto à razão.
  • O noticiário de hoje das 20h na TVI abriu com quase 20 minutos sobre a missa de inauguração do papa. A gravíssima crise em Chipre, com implicações óbvias e preocupantes para toda a Europa, passou para segundo lugar. Parabéns à equipa editorial. Sem a vossa clarividência, seríamos capazes de pensar que o futuro da zona Euro é mais importante do que a cor dos sapatos de Jorge Bergoglio.
  • Continua a deixar-me perplexo a tendência do Presidente da República Portuguesa para falar em nome dos cidadãos do seu país. Ninguém lhe passou mandato para interpretar os estados de alma dos portugueses, mas não é por isso que o Professor Cavaco Silva se coíbe de afirmar, para quem o queira ouvir, que o piedoso povo lusitano está desejoso de ver o bispo de Roma a calcorrear as ruas e estradas de Portugal, numa visita pastoral lá para 2017. Falando por mim, dispenso esse encargo adicional para o erário público e o caos que sempre acompanha as visitas papais.
  • É chocante ver o mais alto magistrado da nação afirmar que a eleição do novo papa deve ser motivo de esperança para os portugueses, em particular para os desempregados. Sobretudo por vir da boca de quem, durante as campanhas eleitorais, se gabava de ser capaz de promover o crescimento económico graças ao seu infalível magistério de influência. Isso, aparentemente foi chão que deu uvas. Resta agora esperar pelo auxílio divino pela mão de um argentino vestido de branco.

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Ontem: leitora, "A Quinta Essência", Agustina Bessa-Luís. Hoje: leitor, "A Náusea", Jean-Paul Sartre. Dois leitores, dois livros, dois autores com hífen no nome. A linha verde a bombar, como sempre.

domingo, março 17, 2013

FILMES 2012

O Natal é quando um homem quiser. A divulgação da lista dos melhores filmes do ano também.

Em 2012, não fui tantas vezes ao cinema quanto teria gostado, muito por culpa da teimosia dos dias que se recusam a ter mais de 24 horas. (É um problema que vem de longe.) Por exemplo, perdi o celebradíssimo "Amour", de Michael Haneke, um cineasta que se torna irritante e pomposo com demasiada frequência mas que é sem dúvidas capaz de fazer bons filmes ("Caché", "Code Inconnu").

Do que vi, retirei a impressão de que foi um ano sem grandes obras-primas, mas com um punhado de filmes muito bons e originais.

Vou deixar o meu "top 5" para outro dia, por me parecer que existe um fosso entre esses 5 e os demais que justifica tratamento à parte.

Hoje vou limitar-me a revelar as posições 6 a 10, sem nenhuma ordem em particular.
  • "Cosmopolis", de David Cronenberg. Gostei bastante, mas senti que não descolou do estilo e do registo de Don DeLillo. Como sou apreciador desse estilo e desse registo, a minha apreciação positiva foi consequência natural.
  • "Moonrise Kingdom", de Wes Anderson. Por vezes a roçar o genial, frequentemente tocante, sofre com os sub-enredos envolvendo as personagens adultas (apesar de actores que eu adoro, como Frances McDormand e Bill Murray) e com a parte final algo apalhaçada.
  • "Elena", de Andrey Zvyagintsev. Menos conseguido do que "O Regresso", ainda assim um filme sóbrio e inteligente.
  • "Le Havre", de Aki Kaurismäki. Aprecio o estilo e a coerência de AK em elevadíssimo grau. Este não é dos meus filmes preferidos dele, mas seria preciso um autêntico suicídio artístico, ou um ano excepcionalmente rico em obras de génio, para que um filme de Kaurismäki não entrasse no "top 10".
  • "Bonsái", de Cristián Jiménez. Um pouco em jeito de prémio simpatia, mas contém ideias e momentos interessantes em número suficiente para dispensar os favores ou a condescendência. E que bom seria que surgissem nas salas portuguesas mais filmes de cinematografias remotas (Chile, neste caso).
Diego Noguera em "Bonsái", de Cristián Jiménez (2011)

FALHAR A PONTARIA

Apanhei hoje uns minutos da emissão da RTP2 "Hora de Fecho". Os jornalistas Miguel Pinheiro e Ana Sá Lopes discutiam (como não podia deixar de ser numa altura em que um diminuto bairro romano, independente graças às circunvoluções da História e a diversas conjunções de interesses, se converteu no centro de gravidade do mundo mediático) o novo papa.

Miguel Pinheiro mostrou-se escandalizado pelo facto de o voto de saudação à eleição da papa, recentemente proposto na Assembleia da República, ter sido aprovado com abstenção dos partidos mais à esquerda e de 6 deputados do PS, ao passo que o voto de pesar pelo falecimento de Hugo Chávez recolheu unanimidade. A sua expressão reflectia, toda ela, indignação moral e compunção pela pavorosa inversão de valores que o caso configura.

Tenho a inteligência e o discernimento de Ana Sá Lopes em boa conta. Foi por isso uma desilusão vê-la falhar por completo a pontaria quando tentou contra-argumentar invocando as acusações de cumplicidade com a ditadura argentina, que têm vindo a lume, como possível e válido motivo dessa unanimidade falhada na aclamação ao novo bispo de Roma.

O tempo dirá se as acusações têm ou não validade. Estamos ainda demasiado próximos do acontecimento para que a separação do trigo e do joio tenha sido feita; por enquanto, impera o ruído mediático.

Já a oportunidade de o órgão máximo da democracia de um estado laico se pronunciar sobre a eleição de um líder religioso, essa sim, é extremamente contestável e não depende nem da personalidade nem de eventuais aleivosias e erros de percurso do indivíduo em questão.

Não posso adivinhar o que esteve por detrás das abstenções. Espero que tenham sido o sentido de Estado, o apego pela laicidade e a consciência republicana. Uma coisa, entretanto, é certa: este voto não deveria sequer ter sido proposto. O PS prestou um mau serviço ao país e à dignidade da Assembleia.


sábado, março 16, 2013

OBSERVAÇÕES SOLTAS SOBRE O NOVO PAPA

  • Nunca pensei que iria assistir à renúncia voluntária de um papa.
  • Quando João Paulo II se manteve em funções durante anos, mesmo depois de ser atingido por uma doença incapacitante, a sua coragem, espírito de sacrifício e dedicação foram quase unanimemente saudados. Quando Bento XVI renunciou ao cargo, alegando falta de vigor físico, a sua decisão foi classificada quase unanimemente como "moderna" e "corajosa". Pela mesmíssima ordem de ideias, JPII poderia ser considerado antiquado e casmurro e BXVI acusado de falta de dedicação e de capacidade de sofrimento.
  • A massiva atenção mediática que é concedida ao conclave roça o absurdo. Os directos da Praça de São Pedro, os planos intermináveis da chaminé e da varanda, fascinam pela sua gratuitidade.
  • "Papa Francisco" soa estranho. O cardeal Bergoglio deveria ter escolhido um nome de papa como Urbano ou Clemente, com o numeral adequado. Impõe outro respeito.
  • Um dado interessante que parece ter escapado à avidez descontrolada da comunicação social: este foi o primeiro papa a escolher um nome inédito desde o obscuro papa Lando (século X). (A excepção foi João Paulo I, mas neste caso a escolha do cardeal Luciani foi uma homenagem explícita aos seus antecessores, João XXIII e Paulo VI.)
  • Muitas vezes os papas são atacados com excessiva leviandade e agressividade; sou o primeiro a admiti-lo.O reverso desta medalha é a extraordinária benevolência com que largos sectores da imprensa os protegem e exaltam, com maior ou menos clareza consoante se trate de um pontífice mais (JPII) ou menos (BXVI) mediático. Repare-se: poucos dias depois da sua eleição, o papa Francisco já é unanimemente considerado simples, espontâneo, humano e humilde, com base em acções ou palavras pouco mais que anedóticas (pagou a conta da residencial, cozinha as próprias refeições, diz umas piadas de vez em quando, sorri muito). Não é difícil cair nas boas graças de uma comunicação social disposta a deixar-se embevecer.

quinta-feira, março 14, 2013

RECORDANDO ROSSELLINI

Pouco ou nada a dizer sobre o novo papa. Mas a escolha do nome fez-me recordar este filme tão belo de Rossellini.

"Francesco, Giullare di Dio", de Roberto Rossellini (1950)


Como seria maravilhoso que todas as religiões fossem vividas desta maneira simples, genuína e isenta de dogmas e de ódios. Poupar-se-ia tanto sofrimento.

domingo, março 10, 2013

James Stewart e Kim Novak em "Vertigo", de Alfred Hitchcock (1958)


Em "Vertigo", é notável a frequência com que as personagens usam o verbo "to wander" e seus derivados ("wandering about", "wandering around") para justificar as suas deambulações por San Francisco. Este é um filme em que as motivações das personagens parecem evoluir ao sabor das suas trajectórias silenciosas. Todos sabemos que Madeleine, afinal, é cúmplice de um plano homicida e que as suas errâncias não passam de uma farsa habilmente montada. Todos sabemos que Scottie a segue para fazer um favor a um amigo. Pouco importa. É quase impossível não ceder à ilusão, deixar de acreditar que este é um encontro entre dois seres perdidos no mundo, juntos pelo acaso e pela acção benigna de uma cidade cheia de declives e estradas tortuosas. O seu encontro, em particular a extraordinária cena da noite em casa de Scottie depois de este salvar Madeleine do afogamento (também isto é mentira), tem algo de consumação de um destino partilhado por dois "wanderers", vagabundos da vida prometidos um ao outro para lá de todas as maquinações humanas.

Some are too much at home in the role of wanderer
(Denise Levertov)

sexta-feira, março 08, 2013

CINÉFILO: OFÍCIO DE PACIÊNCIA

Pergunto-me se alguma vez compreenderei a incapacidade crónica dos distribuidores portugueses para respeitar as datas previstas para as estreias. Com o tempo, quase nos habituamos a encarar as datas anunciadas como meras estimativas, que só por um enorme golpe de sorte coincidirão com a data da estreia. Mas não devia ser assim. Em França, por exemplo, o espectador é respeitado. A data de estreia costuma fazer parte do próprio trailer, como um compromisso gravado na pedra. E é cumprida. Parece simples. Mas os distribuidores portugueses, na sua imensa sapiência ou inépcia, parecem gostar de complicar aquilo que é simples.

Por exemplo: há meses que se aguarda pela estreia de "In Another Country", de Hong Sang-soo, e de "Vous N'Avez Encore Rien Vu", de Alain Resnais. Pelo andar da carruagem, esses felizes eventos parecem remetidos para as calendas gregas. No caso do primeiro, já foram avançadas pelo menos duas datas diferentes. Parece haver razões para desesperar.

O circuito comercial português de exibição já está razoavelmente moribundo. Parece haver quem, caridosamente, insiste em infligir o golpe de misericórdia.

"In Another Country", de Hong Sang-soo (2012)

terça-feira, março 05, 2013

Ana Moreira em "Tabu", de Miguel Gomes (2012)


No filme, todos perdem: os amantes, a Europa, a África.(No blog "Anotações de um Cinéfilo".)

TUDO A TODOS

A secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Drª Teresa Morais, afirmou recentemente que

O tempo em que o Estado se via como o grande empregador, que podia dar tudo a todos, está ultrapassado.

Que tempo e que lugar foram esses em que o Estado podia dar tudo a todos? Tenho muita pena de não ter vivido esses anos venturosos, em que certamente o leite e o mel escorriam pelas valetas das ruas.

Há pessoas que logram a suprema habilidade de juntar a utopia e a ucronia numa só frase. Temos governantes de grande estirpe.

Mais a sério: distorcer o passado para mais facilmente impor uma agenda presente é um truque demasiado óbvio.

sábado, março 02, 2013

EDUARDO NERY (1938*-2013)


Sem título, 1966


Passo duas vezes por dia ao lado dos azulejos que ele criou para a estação de metro do Campo Grande. Mas prefiro as suas obras mais abstractas.

(*) Esta é a data de nascimento que consta da Infopédia e do catálogo da colecção do CAM. Nas notícias que saíram hoje, é indicada a data de 1936.

DESTINOS CRUZADOS

Faltou explicar outra afinidade entre Jacques Rivette e o blog: a data de nascimento. O primeiro post foi publicado no dia 1 de Março de 2003, 75º aniversário natalício do realizador. Não foi um acto deliberado. Por vezes, o acaso faz as coisas com graça e acerto muito maiores do que qualquer plano ou desígnio.

sexta-feira, março 01, 2013

DEZ

Foi há exactamente 10 anos que este blog apareceu.

Não faltaram, ao longo destes anos, os acidentes de percurso, os hiatos e as crises. Mas a continuidade nunca foi quebrada.

Saber da existência deste fio condutor que permanece preso, na extremidade mais distante, àquilo que eu era há uma dezena de anos dá-me um sentimento de satisfação a que não é alheia a estranheza.

Não atribuo importância excessiva a uma efeméride, mas decidi que, agora que o blog tem tantos anos de vida como os dedos das duas mãos, estava na altura de lhe dar uma indumentária nova.

A imagem é um fotograma do filme "Céline et Julie Vont en Bateau" (1974), de Jacques Rivette. A mulher vestida de enfermeira é Dominique Labourier, a outra é Bulle Ogier. Rivette é uma das pessoas mais importantes da minha vida. Não preciso de mais justificações para esta homenagem.

A cor do fundo é o mesmo verde de sempre.

A lista de blogs ainda é provisória. Nada de melindres, por favor.

De resto, este blog continuará a ser um blog que começa onde os outros blogs acabam, ou que acaba onde os outros começam, já não me lembro ao certo.

quinta-feira, fevereiro 28, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS

Na estação de metro do Saldanha, do lado da linha vermelha, uma leitora lia "Atonement", de Ian McEwan. Ler é maçada? Felizmente há quem discorde.
REFUNDAÇÃO: Será que o Estado carece de uma refundação? Este debate apaixona as massas. Do que não restam dúvidas é de que o blog, esse sim, precisa de ser refundado. Para já, aqui está o novo template. Seguir-se-á uma mudança de paradigma.

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

EM BREVE: Este blog é tão vetusto que se prepara para cumprir 10 anos. Como a Santa Sé não possui o monopólio das mudanças, o dia 1 de Março, para além desta grandiosa efeméride, servirá para inaugurar um novo template. Mas não será só a aparência que irá mudar. Vai tratar-se, acima de tudo, de uma mudança de paradigma.
FRASE DO DIA: A frase do dia, do inevitável João César das Neves, é esta:

«Quanto ao resto dos católicos, eles estão menos preocupados em saber quem querem que o novo Papa seja do que em saber o que o novo Papa vai querer que eles sejam.»

É o papa quem decide o que quer que os seus fiéis "sejam"? Uau. Não surpreende que Ratzinger tenha desistido. Demasiado poder sobre demasiadas mentes alheias. Deve acabar por cansar.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha verde do metropolitano: leitora lia "Contos Éroticos", de Moravia. Mesma linha, dia diferente, leitora diferente: Oscar Wilde, "De Profundis".

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

PUREZA E BELEZA: Uma grande crítica de Luís Miguel Oliveira a "Psycho", agora de regresso às salas portuguesas. Quem diz "pureza do gesto" está quase a dizer "beleza do gesto", o que remete para o recente e fascinante "Holy Motors" de Carax.


Também gostei da referência a "Frenzy" como "o último dos seus grandes, grandes filmes". Subscrevo.

quarta-feira, fevereiro 13, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha verde do metropolitano, uma leitora lia, de pé, "Os Livros Que Devoraram o Meu Pai", de Afonso Cruz. É assim mesmo!

domingo, fevereiro 10, 2013

Paris is the city, isn't it, and I am a lover of cities. It can be experienced much more pleasantly and conveniently than any other city I know. (...)each arrondissement is like a separate province, with its own capital and customs and even costumes.

(John Ashbery, entrevista na "Paris Review", volume 4.)

Não tenho absolutamente nada a acrescentar ao que o senhor Ashbery diz.

sábado, fevereiro 09, 2013

AGUENTA AGUENTA (3): Eu bem queria. Eu bem queria remeter o infeliz episódio Ulrich para o seu bem merecido nicho no armário das minhas preocupações passadas. Mas não consigo. Há qualquer coisa nesta sucessão de declarações emitidas por este homem estúpido, insensível e arrogante que me compelem a orbitar em seu redor, sem me conseguir libertar do seu abraço gravítico.

A bem da brevidade, e para não arrastar o leitor para esta armadilha kepleriana, apenas duas coisas:

1) As declarações de Ulrich são tão reveladoras da sua pequenez humana como da situação que vivemos. Há 5 ou 10 anos, ninguém se atreveria a ir tão longe, fora das caixas de comentários de pasquins online. Hoje, de tanto se pôr em causa aquilo que não se julgava capaz de ser posto em causa, certas criaturas sentem o odor do sangue e atrevem-se finalmente a expulsar verbalmente aquilo que lhes bailava na alma.

2) Verifica-se mais uma vez que aqueles que reclamam com calor não aceitar lições de sensibilidade (ou de moralidade, ou de civismo, ou de ética) são precisamente aqueles que mais carentes estão dessa pedagogia.

Às três é de vez. Prometo agora concentrar-me no balanço do ano cinematográfico, em Barbey d'Aurevilly, nos poemas de Denise Levertov e na doçaria tradicional portuguesa.

terça-feira, fevereiro 05, 2013

LEITURAS: Barbey d'Aurevilly (1808-1889) pode ser descrito como um dandy reaccionário. A literatura francesa é provavelmente mais fértil do que qualquer outra em paradoxos ambulantes deste género. Um dos aspectos que mais aprecio neste autor é o descaramento tranquilo com que vai colocando as suas opiniões políticas na boca dos seus narradores. Por exemplo, em "Le dessous de cartes d'une partie de whist" (quarto conto de "Les Diaboliques"):

«Elle faisait naturellement, simplement, tout ce que faisaient les autres femmes dans sa société, et ni plus ni moins. Elle voulait prouver que l'égalité, cette chimère des vilains, n'existe vraiment qu'entre les nobles. Là seulement sont les pairs, car la distinction de la naissance, les quatre générations de noblesse nécessaires pour être gentilhomme, sont un niveau.»

Discordo a 200%, mas quase dá vontade de concordar com uma enormidade vertida com tanto espírito.
FORMA DE VIDA: Uma nova revista. Há um conto inédito meu. E há, sobretudo, muito e muito bom para ler.

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

AGUENTA AGUENTA (2): Não é costume meu praticar o exercício de adivinhar intenções e estados de espírito alheios. Neste caso, porém, arrisco um palpite: Fernando Ulrich deve ter achado que colocar a hipótese de se vir a transformar num sem abrigo era um rasgo de humildade que o reconciliaria, em definitivo, com a ingrata opinião pública portuguesa. A evidência de que, bem pelo contrário, é um acto de arrogância descomunal talvez comece lentamente a ganhar terreno no seu entendimento.

sábado, fevereiro 02, 2013

AGUENTA AGUENTA: Sim, talvez a única questão a que faz sentido procurar resposta, neste caso lamentável, é aquela colocada por Pedro Lains: onde aprendeu Fernando Ulrich a dizer coisas assim? Partidários da "nature" e da "nurture" podem encontrar aqui uma ocasião dourada para dar novo ímpeto a este debate, que tende a eternizar-se. A idiotice, a falta de sensibilidade social e a boçalidade são traços inatos ou surgem à custa de interacções mais ou menos felizes com a sociedade?

quarta-feira, janeiro 30, 2013

PROJECTO COLECTIVO: No "Prós e Contras" de domingo passado, a expressão "projecto colectivo para Portugal" circulava alacremente de boca em boca. Parecia reunir total consenso a ideia de que o tal "projecto colectivo para Portugal" é a solução para todos os desmandos e dissabores dos portugueses. Eu não sei o que é um "projecto colectivo para Portugal". Faço uma pequena e muito difusa ideia do que são os milhões de projectos individuais e o esforço quotidiano dos portugueses para conquistar o seu quinhão de felicidade, mas ignoro esse conceito de "projecto colectivo". Soa totalitário e arrogantemente "top-down". E como seria implementado? Um "crowdsourcing" do Minho ao Algarve, alimentado a entusiasmo e afã patriótico?

(Se continuar a usar aspas a torto e direito, qualquer dia oferecem-me o lugar do Vasco Pulido Valente na última página do Público!)

quarta-feira, janeiro 23, 2013

CRÍTICA LITERÁRIA: A melhor cena do filme "Silver Linings Playbook" é claramente aquela em que Pat (Bradley Cooper) acorda os pais (Jacki Weaver e Robert De Niro) às 4 de manhã para desancar com fúria e indignação no romance "A Farewell To Arms", de Hemingway. A crítica, que não descura os aspectos formais nem os morais, é seguida de um arremesso certeiro do livro em questão, num voo planado que atravessa a janela.

É refrescante testemunhar uma dessas raras ocasiões, ainda que neste caso seja fictícia, em que a literatura se mostra capaz de desencadear paixões destruidoras.

(Mais tarde, Pat substitui a vidraça, com grande destreza e competência.)
CUIDADO COM OS TERMOS DE SERVIÇO: O melhor blog português da actualidade e de sempre esteve indisponível durante alguns dias, aparentemente por ter violado os termos de serviço do Blogger. Não é nada que me surpreenda. Os leitores regulares deste blog são confrontados em permanência com um excesso de inteligência, bom gosto, subtileza e sentido de humor que não pode deixar de ser ilegal. A subversão paga-se, mais tarde ou mais cedo. As coisas são aquilo que são.

Mas eis que entretanto, para saudável júbilo de muitas famílias, o blog voltou a estar disponível para o mundo na morada do costume.

segunda-feira, janeiro 21, 2013

PREFÁCIOS: Se todos os prefácios fossem como o que Cynthia Ozick escreveu para "Seize the Day", de Saul Bellow, os meus preconceitos contra este sub-sub-género literário há muito que seriam coisa morta e esquecida. Cynthia Ozick vale por todas as resmas de prefaciadores-étoile todo-o-terreno que açambarcam as publicações nacionais, vale por 100 Marcelos, 200 Medinas Carreiras e 18 milhões de Joões Césares das Neves, providencia o antídoto contra os rosários de prefácios despachados em piloto automático que, não raro, merecem mais destaque na capa e na propaganda do livro do que o próprio autor.

O prefácio de Cynthia Ozick explica, comenta e ilumina sem impor uma visão nem sugar a vitalidade à obra. Mais do que isso: consegue a proeza de fazer acreditar que o mundo seria um bocadinho pior sem a sua existência.

As suas últimas palavras, em retrospectiva, provocam um arrepio: «So they live on, these two New York stories - as queerly close, in the long view, as the Twin Towers; two heartstruck urban tales made to outlast much else.» (As duas histórias são as de Tommy Wilhelm, protagonista de "Seize the Day", e a do Bartleby de Melville, que Ozick usa abundantemente como termo de comparação.)

quinta-feira, janeiro 17, 2013

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Linha verde do metropolitano. Leitor. De pé. "O Processo". Franz Kafka. Ele mesmo. Cuidado com as imitações.

terça-feira, janeiro 15, 2013

LEITURAS:


"Seize the Day" foi o quarto romance de Saul Bellow. Publicado em 1956, três anos depois do celebradíssimo "The Adventures of Augie March", está longe da prolixidade picaresca deste. É curto a ponto de pôr em causa a própria designação de "romance" (pouco mais de 100 páginas nesta edição da Penguin") e a sua acção ocupa menos de um dia. A mais notável proeza de "Seize the Day" é a maneira concisa e profunda como transmite o retrato mental de um homem (Tommy Wilhelm, a personagem principal) ao mesmo tempo agudamente consciente da sua condição de falhado e da sua incapacidade de agir para se libertar dessa condição. Trata-se de um processo que se estende indefinidamente na direcção do passado, e que se prolongará no futuro. O dia em questão é marcado por acontecimentos relevantes (uma discussão agreste com o pai, um falhanço espectacular num bizarro investimento em futuros de banha e centeio, uma crise de choro no funeral de um estranho), mas não por alguma epifania ou ruptura decisiva. O evento maior, que justifica a narrativa, é talvez a cedência final, em tom quase religioso, ao seu "heart's ultimate need", que talvez não passe de um demasiado humano medo de não ser amado por ninguém, núcleo comum de todas as declinações de frustração e angústia que o atravessaram ao longo do dia. «But a man's howl, of anguish and rage, belongs to the Furies, and is not a joke» (do excelente prefácio de Cynthia Ozick).

segunda-feira, janeiro 14, 2013

PEPA, RELATÓRIO DO FMI, MESMO COMBATE: A mala Chanel da Pepa e o relatório do FMI: dois temas que deram origem a discussões caudalosas, mas que teriam ficado muito melhor no seu nicho, a acumular pó. O primeiro demonstra, com nitidez arrepiante, a facilidade com se geram vórtices de irrelevância e futilidade com poder para açambarcar as redes sociais. O segundo serviu um propósito muito concreto: lançar a Discussão sobre a "refundação" (aspas vigorosas aqui) do Estado Social, menos para sugerir soluções viáveis ou realistas do que para impor a própria Discussão como uma evidência e nela envolver todos os que recusam a possibilidade da Discussão. Tratou-se de uma arma de arremesso, ponderada e estudada criteriosamente para engendrar uma "no-win situation": recusar falar do relatório implica fuga à Discussão, logo ignomínia; falar do relatório significa, mais do que aceitar a possibilidade da Discussão, ceder aos termos em que a Discussão foi lançada e aceitá-los como razoáveis.

De que falar, sem ser da mala Chanel da Pepa nem do relatório do FMI? Existem muitas possibilidades. Neste momento, o tema mais merecedor de discursos parece-me que terá de estar relacionado com a silhueta de Kim Novak recortada contra a baía de San Francisco, poucos segundos antes de se lançar à água.


terça-feira, janeiro 01, 2013

UM FELIZ E RUTILANTE 2013 ESPECIALMENTE PARA SI:

Ou, nas palavras imortais de Andersson e Ulvaeus:


Este blog continuará a ser essa espécie de avenida onde cabem todas as grandes correntes do pensamento universal a que os leitores se habituaram.

quarta-feira, dezembro 19, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um leitor lia "A Boneca de Kokoschka", de Afonso Cruz. Não é grande proeza adivinhar o local: pois claro, a linha verde do metropolitano.

Por coincidência, acabei há poucos dias de ler este mesmo livro. Em Afonso Cruz, gosto muito do apetite pela metaficção e da maneira como cultiva uma variante muito pessoal de hipertextualidade. Tanto um como a outra distinguem-no entre os seus pares. Um dos aspectos menos conseguidos do seu estilo, por outro lado, é uma tendência para abusar de uma certa ingenuidade deliberada, que acaba por ser fatigante e por ter efeitos semelhantes ao desleixo.

terça-feira, dezembro 18, 2012

GRÃO A GRÃO: Ah quem me dera receber uma modesta quantia (vinte mil reis, na moeda antiga, chegariam para me contentar) por cada vez que a falácia de o ateísmo ser uma religião é vertida por escrito ou perpetrada oralmente. Desta vez foi Anselmo Borges, embora em modo citação (mas parecendo concordar com o autor original). Escusavam já agora de, de cada vez que o dislate é repetido, fazerem-no como se descobrissem uma verdade profunda e fulgurante.

segunda-feira, dezembro 17, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: O dia de anteontem foi um grande dia:
  • Na linha verde do metropolitano, uma leitora lia um livro que aparentava ser sobre as filmagens de "Faces", uma das obras-primas de John Cassavetes. Parecia ser um livro em n-ésima mão, acabado de comprar.
  • A poucos metros de distância, uma outra leitora lia "La Civilisation, ma Mère!..." de Driss Chraïbi. Chraïbi era um autor marroquino de quem li o muito bom "Le Passé Simple".

terça-feira, dezembro 11, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha verde do metropolitano, um leitor lia "Nenhum Caminho Será Longo", de José Tolentino Mendonça, e lia com atenção evidente, não era uma leitura distraída, até pensei que se ia esquecer de sair na estação de Telheiras, mas tinha de sair, não é?, é a estação terminal, pede-se o favor de saírem do comboio.

sábado, dezembro 08, 2012

AFINAL ONDE ESTÃO AS PESSOAS?: Sérgio Monteiro, Secretário de Estado dos Transportes, pode ser arrumado na categoria dos "grandes pândegos" até indicação em contrário. Confrontado com uma quebra significativa de passageiros nos transportes de Lisboa e Porto, não hesita em atribuí-la ao aumento da fraude. O facto de, no último ano, a qualidade de serviço ter decrescido de forma grotesca, de os preços terem registado aumentos entre o brutal e o meramente avultado, de os descontos sociais terem sido cortados a eito (falo sobretudo do metropolitano de Lisboa, que conheço melhor, mas a tendência parece-me ser comum a outros meios de transporte, pelo que ouço e leio), de o aumento pavoroso do desemprego diminuir infelizmente as necessidades de transporte de muitos portugueses, não parece ocorrer-lhe como causa possível para o fenómeno. A culpa é dos borlistas, ponto final. O remédio consiste em apertar a fiscalização e agilizar a cobrança de multas, ponto final parágrafo. O raciocínio do Dr. Sérgio Monteiro brilha pela simplicidade: «(...) os transportes estão cheios e existe menos um quarto de automóveis a circular. Não tendo desaparecido as pessoas, nem tendo havido um aumento de automóveis, significa que continuam a andar de transportes». As estatísticas revelam uma queda no número de passageiros, mas o Secretário de Estado, dotado talvez de uma presciência sobrenatural que vem com a titularidade da pasta como um brinde num pacote de cereais, sabe que os transportes "estão cheios". Calculo que baseie esta asserção numa observação das composições da linha verde do metropolitano de Lisboa, que, desde a supressão da quarta carruagem, fervilham, com efeito, de gente amontoada.

Tudo vai bem. As estatísticas valem o que valem, ou seja muito pouco do ponto de vista de quem se sabe detentor de verdades absolutas, imunes aos números e ao bom senso.

domingo, dezembro 02, 2012

IMPRESSÕES DE PARIS (6): A Ménagerie do Jardin des Plantes é um jardim zoológico pequeno mas bem povoado de espécies relativente pouco comuns. Por exemplo, a vicunha:




Gosto muito da expressão de indiferença soberana que é comum a todos os camelídeos que conheço.

Pode argumentar-se que as tartarugas não têm nada de insólito, mas não me recordo de alguma vez ter estado ao pé de uma com este tamanho:


Falta a tradicional régua ou objecto familiar para transmitir a escala espacial, mas posso garantir que o bicho era muito grande.

Infelizmente, desperdicei de forma miserável a oportunidade de fotografar os dois animais que mais me fascinaram. Um deles foi o pudu:

Jaime E. Jimenez, commons.wikimedia.org

O nome "pudu" refere-se a duas espécies diferentes de veados, consideradas as mais pequenas do mundo, nativas da América da Sul. O seu comprimento não excede os 85 cm. São consideradas espécies vulneráveis, ou seja, à beira de estar em risco de extinção.

O gato de Pallas (Otocolobus manul) é um gato selvagem nativo da Ásia Central. Esta espécie é considerada "quase ameaçada" pela União Internacional para a Conservação da Natureza, ou seja, a um passo de virem a ser abrangidos pela categoria "vulnerável".

Jar0d, commons.wikimedia.org


Selvagem ou não, parece uma criaturazinha adorável que despertará certamente em muitos amantes do gato doméstico um desejo de o trazer para casa, contra todas as regras do bom senso. Mas só posso falar por mim.

A reprodução em cativeiro do gato de Pallas é extremamente difícil. Aqui, o relato de uma história de sucesso no jardim zoológico de Cincinnati.

Para acabar, um burro particularmente sociável e adepto da interacção com os visitantes:




quarta-feira, novembro 21, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um cavalheiro lia o "Diálogo Sobre a Justiça", de Platão, de pé, no metropolitano (esqueci-me da cor da linha).

Há lá actividade mais nobre, mais bela e mais útil do que a leitura!?

quarta-feira, novembro 14, 2012

Luís Miguel Cintra e João César Monteiro em "Recordações da Casa Amarela"

«Meus filhos, são filmes destes que, pousando, vos trarão a nitidez às vidas. A todas as vidas.»
(João Bénard da Costa, na folha da Cinemateca dedicada ao filme)

segunda-feira, novembro 12, 2012

DIFICULDADES E SOFRIMENTOS:

«Na linha da mensagem dos padres sinodais devemos acreditar que as dificuldades e os sofrimentos que acarretam [os tempos difíceis] podem representar oportunidades de evangelização”, sustentou [José Policarpo], frisando que as dificuldades materiais não devem anular as famílias “como lugar de amor, de convivência, de discernimento e de coragem para lutar.»

Lido de uma maneira, isto parece querer dizer: em momentos de fragilidade, aliciar as pessoas para a nossa fé torna-se uma tarefa mais fácil. Há que aproveitar.

Lido de outra maneira, parece querer dizer exactamente o mesmo.

Mas devo ser eu que estou a retirar estas declarações do seu contexto. Ah, o contexto...

sábado, novembro 10, 2012

ELEIÇÕES NOS EUA (4): Explorar sites conservadores à procura de pepitas, no meio das reacções de choque e espanto à reeleição de Barack Obama, pode rapidamente transformar-se num vício. Por exemplo:

«(...) how in the world could the total number of votes for Romney not be many, many more than for McCain in 2008? By all accounts, huge numbers of Christians, Conservatives, Republicans and independents who stayed home last election were reported to be all fired up to prevent Obama from another destructive term and chomping at the bit to vote. We are now supposed to believe, at the last minute, they decided to stay home?»

Seguem-se algumas teorias de conspiração, que, em termos de negação da realidade, vão aonde os mais experientes e ousados teóricos da consipiração teriam vergonha de ir.

quarta-feira, novembro 07, 2012

ELEIÇÕES NOS EUA (3): A schadenfreude não costuma figurar entre os meus desportos favoritos, mas hoje fiz questão de visitar o site da Conservapedia para ver o que tinham os conservadores empedernidos a dizer sobre a vitória do estalinista Barack Hussein Obama. Não esperava outra coisa que não fosse um saboroso sarapatel de negação, recriminações dirigidas à comunicação social (obviamente vendida à causa liberal) e desculpas imaginativas, e não fiquei desiludido. Apreciei particularmente o link para um artigo de há 2 dias onde ainda se especulava sobre a possibilidade de Romney ganhar os estados de Nova York e Nova Jersey devido aos efeitos do furacão Sandy. Haverá limites para o delírio? E porque não uma erupção do vulcão Mauna Kea que ditasse a derrota de Obama no Hawaii?
ELEIÇÕES NOS EUA (2):

Talvez involuntariamente, Mitt Romney citou "O Padrinho" no seu discurso de derrota. «I believe in America» são as primeiras palavras ouvidas no filme, proferidas pelo cangalheiro Bonasera que pede justiça a Don Corleone.

FADE FROM BLACK: Int. of Don Corleone's home office -day

BONASERA (seated in front of the Don's desk, facing the camera)
I believe in America. America has made my fortune. And I raised my daughter in the
American fashion. I gave her freedom, but -- I taught her never to dishonor her family.
ELEIÇÕES NOS EUA (1):

(Retirado de cnn.com)




YESSSSSSSS!!!!

segunda-feira, novembro 05, 2012

PRETO E BRANCO: Na caixa do DVD está a promessa de um filme a cores, mas o filme "A Vida de Boémia" é a preto e branco. Mais atenção, por favor, senhores da Midas! Claro que eu ficaria muito surpreendido se alguém comprasse ou deixasse de comprar um filme de Kaurismäki por este ser a cores ou a preto-e-branco.

Quanto ao filme, não traz nada de excepcionalmente novo à filmografia de Kaurismäki, mas não é isso coisa que me apoquente. Adoro realizadores que se obstinam em ser fiéis ao seu estilo, contra ventos, marés e acusações de repetição. Nem sequer o facto de adaptar uma obra literária (neste caso "La Vie de Bohème", de Henry Murger) é novidade: recorde-se "Crime and Punishment" (1983) e "Hamlet Goes Business" (1987).

"A Vida de Boémia" é um filme de 1992. O estilo é o mesmo de antes e depois, mas esta obra talvez seja aquela, de entre as que conheço deste realizador, em que mais se nota a vontade de introduzir algum sentimentalismo no conteúdo (por contraste com os emocionalmente mais enxutos "Shadows In Paradise" ou "The Match Factory Girl"), sem abdicar do registo sóbrio. A dissonância funciona esplendidamente, como continuará a funcionar em "Nuvens Passageiras", "O Homem Sem Passado" e os outros.

André Wilms e Matti Pellonpää em "A Vida de Boémia" (1992)

Matti Pellonpää, aqui no papel de pintor albanês, já faz parte da mobília. No que respeita a André Wilms, quanto mais o vejo no seu ofício, mais gosto dele.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Linha verde do metropolitano. "A Recusa", de Imre Kertész. Dizem que ninguém lê o Prémio Nobel de 2002, mas basta um só leitor para deitar por terra essa teoria perversa.

quinta-feira, novembro 01, 2012

REAVALIAR: Um dos poucos aspectos positivos da crise é este: o sopro de desinibição que circula pelas mentes arejadas dos fazedores de opinião e forças vivas do país, a licença para dizer aos quatro ventos aquilo que seria indizível, pelo menos público, há apenas alguns anos. Torna-se assim mais fácil de distinguir quem está de que lado de cada barricada.

Tudo o que seja "reavaliar", "refundar" ou "reajustar" está na ordem do dia. Roberto Carneiro, por exemplo, considera que pode ser benéfico reavaliar as funções do Estado na educação. “Em áreas onde há uma actividade de mercado, onde há outros agentes de natureza privada, ou de natureza intermédia, é evidente que o Estado tem de repensar a sua função, como é o caso da educação”.

Há muitas maneiras de atacar a escola pública. Roberto Carneiro embrulha o seu ataque pessoal na evidência e no pragmatismo, mas é de um ataque que se trata, naturalmente carregado de ideologia. E nem se pode dizer que esconda o jogo: “Não quer dizer que a educação não tenha de ter sempre uma grande presença do Estado na área da regulação e financiamento na área da solidariedade”. Ou seja, no sonho extravagante de Roberto Carneiro, o papel do Estado na educação reduzir-se-ia a regular e a ensinar o B-A-BA aos indigentes, e provavelmente a passar cheques chorudos a uma florescente rede de escolas com contrato de associação.

No fundo, estou de acordo com Roberto Carneiro. O Estado deve reavaliar as suas funções na educação. Mas essa reavaliação não pode deixar de ir no sentido de aprofundar o papel da escola pública, principal responsável pelo aumento dos níveis de escolaridade em Portugal nos últimos anos, e um dos factores que fazem com que a expressão "igualdade de oportunidades" não seja completamente vazia de sentido.

segunda-feira, outubro 29, 2012

DESGRAÇA: João César das Neves é indubitavelmente uma criatura muito interessante, para não lhe chamar um case-study com pernas.

Numa das suas últimas crónicas, ele dá a entender que o Tribunal Constitucional "desgraçou o país" com a sua decisão de declarar inconstitucional o corte dos dois subsídios na Função Pública.

Para edificação das massas ignaras, JCN deveria ter explicado quais das demais instituições do Estado correm o risco de desgraçar o país como consequência do exercício normal e legítimo das respectivas funções.

Por exemplo, será de exigir ao Tribunal de Contas, à Procuradoria Geral ou à Autoridade da Concorrência comedimento ou auto-censura, para evitarem situações gravosas, a Bem da Nação?

Senhor João César das Neves, por favor esclareça-nos. As suas pepitas de sabedoria não cairão em saco roto. Não faltam por aí compradores para sugestões sobre como amordaçar instituições democráticas e órgãos de soberania.

A Constituição é um empecilho; isso já todas as pessoas de bem perceberam. Não nos fiquemos por aí.

sexta-feira, outubro 05, 2012

EFEMÉRIDE: Foi e continua a ser atacada e deturpada pela brigada de revisionistas contumazes ou de ocasião, profissionais ou amadores; secundarizada por políticos cegos, tacanhos e ignorantes da História; enxovalhada pela decisão estúpida e ultrajante de retirar ao dia 5 de Outubro o estatuto de feriado (a ver vamos, muita água vai ainda correr por debaixo da ponte nos próximos 365 dias); desprestigiada por incidentes e decisões lamentáveis por parte daqueles que tinham por obrigação honrar esta data (a cerimónia à porta fechada, o episódio pythoniano da bandeira ao contrário)...

Mas a República é muito maior do que tudo isto e resiste a tudo isto.

Viva a República! (A de hoje e a de 1910, muito mais moderna e inovadora do que lhe é reconhecido.)
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: No aeroporto de Heathrow, um leitor lia "A Farewell To Arms", de Ernest Hemingway.

terça-feira, outubro 02, 2012

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: O cavalheiro ruivo entrou na estação London Bridge (Jubilee Line). Sentou-se, extraiu um exemplar de "Paradise Lost", leu durante todo o percurso até à estação Westminster, onde saiu. É preciso tão pouco para encher de júbilo o meu coração!