- Rasgar as vestes.
- Agradecer à C. e ao Rui por tantos momentos tão fortes, tão belos, tão alheios ao conformismo intelectual e à banalidade que alastram algures, como uma epidemia.
- Saudar o novo blog do Rui.
domingo, julho 06, 2014
FORAM-SE EMBORA
O que fazer quando o melhor blog português se auto-aniquila? Três sugestões:
terça-feira, junho 17, 2014
O QUE IMPORTA REALMENTE NA VIDA?
terça-feira, maio 13, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na linha verde do metropolitano, uma leitora lia "O Amante do Vulcão", de Susan Sontag.
Na linha amarela, uma leitora diferente lia uma biografia de Marcel Proust.
O que faz falta é espreitar as leituras da malta nos lugares públicos e depois contar tudo no blog.
Na linha amarela, uma leitora diferente lia uma biografia de Marcel Proust.
O que faz falta é espreitar as leituras da malta nos lugares públicos e depois contar tudo no blog.
terça-feira, maio 06, 2014
PORTANTO É ASSIM
Portanto, estamos assim: um presidente da República que recorre ao Facebook para ajustar contas e para troçar daqueles que, do seu ponto de vista, não partilham da sua suprema clarividência devidamente vertida em letra de imprensa nos seus famigerados prefácios.
Às vezes, penso que o próximo Presidente terá pela frente uma tarefa hercúlea de recuperação da credibilidade desta instituição e do cargo de magistrado supremo da nação.
Outras vezes, concluo que a tarefa do próximo Presidente será invulgarmente simples. Quem vier na esteira de Cavaco Silva surgirá inevitavelmente, por comparação, como um grande estadista pleno de sentido de responsabilidade e de sensatez, faça aquilo que fizer.
Às vezes, penso que o próximo Presidente terá pela frente uma tarefa hercúlea de recuperação da credibilidade desta instituição e do cargo de magistrado supremo da nação.
Outras vezes, concluo que a tarefa do próximo Presidente será invulgarmente simples. Quem vier na esteira de Cavaco Silva surgirá inevitavelmente, por comparação, como um grande estadista pleno de sentido de responsabilidade e de sensatez, faça aquilo que fizer.
sábado, abril 26, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na linha verde do metropolitano, um leitor lia a antologia "Um Homem Célebre", de Machado de Assis.
No cais da estação Campo Grande, e subsequentemente na mesma linha verde (sentido Telheiras), uma leitora lia "Manhã Submersa", de Vergílio Ferreira.
Da minha língua vê-se a 2ª Circular, o Hospital de Santa Maria e o Estádio Alvalade XXI.
No cais da estação Campo Grande, e subsequentemente na mesma linha verde (sentido Telheiras), uma leitora lia "Manhã Submersa", de Vergílio Ferreira.
Da minha língua vê-se a 2ª Circular, o Hospital de Santa Maria e o Estádio Alvalade XXI.
sexta-feira, abril 25, 2014
quinta-feira, abril 17, 2014
segunda-feira, março 31, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na linha vermelha do metropolitano, em dias diferentes, um leitor lia "Os Irmãos Karamazovs", de Dostoyevsky, e uma leitora lia "O Monte dos Vendavais", de Emily Brontë. E faziam bem. Sem os clássicos não se chega a lado algum. Ou, se se chegar, chega-se de forma trôpega, enviezada e laboriosa.
domingo, março 23, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
A vida de um observador de leituras em lugares públicos tem dias vazios, dias menos bons, dias satisfatórios e, muito esparsamente, dias mágicos que compensam toda a apagada e vil tristeza dos demais. O dia de hoje foi um desses dias.
Na linha vermelha do metropolitano, um leitor lia um livro do poeta suíço Philippe Jaccottet, da colecção de poesia da Gallimard. Pareceu-me ser este:
O leitor, ao fim de alguns versos, alheou-se da leitura e bocejou. Mau sinal? Prefiro acreditar que se tratou de uma simples pausa, tempo concedido a um poema para revelar todo o seu poder.
Na linha vermelha do metropolitano, um leitor lia um livro do poeta suíço Philippe Jaccottet, da colecção de poesia da Gallimard. Pareceu-me ser este:
sábado, março 22, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na linha verde do metropolitano, a hora bem matutina, uma leitora lia "A Náusea", de Jean-Paul Sartre.
O existencialismo é deveras um humanismo, e em nenhum outro lugar essa verdade brilha com tanto esplendor como numa carruagem do Metropolitano de Lisboa povoada de passageiros a caminho dos seus destinos.
O existencialismo é deveras um humanismo, e em nenhum outro lugar essa verdade brilha com tanto esplendor como numa carruagem do Metropolitano de Lisboa povoada de passageiros a caminho dos seus destinos.
terça-feira, março 11, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na mesma carruagem, na linha verde do metropolitano, a um punhado de metros um do outro, um leitor lia Pepetela ("Jaime Bunda") e uma leitora lia "A Origem da Tragédia", de Nietzsche.
Ó, linha verde do metropolitano, que albergas no teu confortável bojo leitores e leituras tão diversas, dia após dia!
Ó, linha verde do metropolitano, que albergas no teu confortável bojo leitores e leituras tão diversas, dia após dia!
quinta-feira, março 06, 2014
domingo, março 02, 2014
ALAIN RESNAIS (1922-2014)
Desde que me familiarizei com a sua obra, nunca duvidei de que Alain Resnais era um dos maiores, mais criativos e mais inteligentes cineastas do século XX. A sua longevidade e a sua actividade contínua na recta final da cadeira fizeram dele também um dos realizadores mais surpreendentes do início do século XXI. Da sua obra tão longa e densa, destaco os meus favoritos: "Hiroshima Mon Amour" (tão poderoso hoje como há cinquenta anos), "L'Année Dernière à Marienbad", "Providence", "Mélo", "Smoking/No Smoking" e "Les Herbes Folles".
Palpita-me que Resnais nunca terá perdido um minuto da sua vida a ruminar algumas das críticas absurdas e recorrentes que lhe foram sendo dirigidas: a crítica de que a sua obra valia o que valiam os argumentistas e escritores com quem colaborou (foram muitos e excelentes, mas Resnais esteve longe de ser um ilustrador, nunca os seus filmes deixaram de acrescentar algo aos textos, de os reinventar, de sobre eles construir algo de novo); a crítica de que os seus filmes dependiam em demasia dos talentos dos actores (mas como negar que Sabine Azéma, Pierre Arditi, André Dussollier, Delphine Seyrig e tutti quanti tiveram com ele alguns dos seus melhores papéis, e que isso se deveu em grande medida à sagacidade e sensibilidade do realizador?).
Fica - como lhe compete - a obra. Filmes imensos, mas sobretudo filmes que nunca hesitam em desafiar a inteligência do espectador.
Obrigado por tudo, obrigado por tanta coisa duradoura.
NOTA: Recomendo a leitura deste notável obituário de Jacques Mandelbaum.
Palpita-me que Resnais nunca terá perdido um minuto da sua vida a ruminar algumas das críticas absurdas e recorrentes que lhe foram sendo dirigidas: a crítica de que a sua obra valia o que valiam os argumentistas e escritores com quem colaborou (foram muitos e excelentes, mas Resnais esteve longe de ser um ilustrador, nunca os seus filmes deixaram de acrescentar algo aos textos, de os reinventar, de sobre eles construir algo de novo); a crítica de que os seus filmes dependiam em demasia dos talentos dos actores (mas como negar que Sabine Azéma, Pierre Arditi, André Dussollier, Delphine Seyrig e tutti quanti tiveram com ele alguns dos seus melhores papéis, e que isso se deveu em grande medida à sagacidade e sensibilidade do realizador?).
Fica - como lhe compete - a obra. Filmes imensos, mas sobretudo filmes que nunca hesitam em desafiar a inteligência do espectador.
Obrigado por tudo, obrigado por tanta coisa duradoura.
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André Dussollier, Sabine Azéma e Pierre Arditi em "Mélo" (1986) |
NOTA: Recomendo a leitura deste notável obituário de Jacques Mandelbaum.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Linha verde do metropolitano. Uma leitora lia "As Velas Ardem Até ao Fim", do consagrado romancista húngaro Sándor Márai.
E hoje mais não digo, porque é dia de luto (ver post seguinte).
E hoje mais não digo, porque é dia de luto (ver post seguinte).
sábado, março 01, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na estação de metropolitano de Telheiras, um leitor lia "O Fio do Horizonte", de Antonio Tabucchi, enquanto caminhava na direcção dos canais de saída.
As actividades de leitura e ambulatória são de duvidosa compatibilidade mútua, embora isso dependa fortemente de numerosos factores e condicionalismos. Uma monografia de minha autoria sobre este tema espera apenas, para vir a lume, a altura certa.
As actividades de leitura e ambulatória são de duvidosa compatibilidade mútua, embora isso dependa fortemente de numerosos factores e condicionalismos. Uma monografia de minha autoria sobre este tema espera apenas, para vir a lume, a altura certa.
quinta-feira, fevereiro 27, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Um leitor lia contos de Eça de Queiroz, de pé, no cais da estação de metropolitano do Campo Grande (linha amarela, sentido Rato).
Ignoro se lia por prazer, por obrigação escolar ou por outro motivo. Pouco importa. Todos os pretextos e razões são bons para ler Eça de Queiroz, sem qualquer excepção.
Ignoro se lia por prazer, por obrigação escolar ou por outro motivo. Pouco importa. Todos os pretextos e razões são bons para ler Eça de Queiroz, sem qualquer excepção.
domingo, fevereiro 23, 2014
PÉROLAS DA PARIS REVIEW
INTERVIEWER: How about the Beats? Someone like Jack Kerouac, for instance, who died a few years ago?
P.G. WODEHOUSE: Jack Kerouac died! Did he?
INTERVIEWER: Yes.
P.G. WODEHOUSE: Oh... Gosh, they do die off, don't they?
(...)
P.G. WODEHOUSE: No. He [Somerset Maugham] was all right to me. We got along on just sort of "how do you do" terms. I remember walking back from a cricket match at Lords in London, and Maugham came along on the other side. He looked at me and I looked at him, and we were thinking the same thing - Oh my God, shall we have to stop and talk? Fortunately, we didn't.
(The Paris Review Interviews, Vol. 4)
P.G. WODEHOUSE: Jack Kerouac died! Did he?
INTERVIEWER: Yes.
P.G. WODEHOUSE: Oh... Gosh, they do die off, don't they?
(...)
P.G. WODEHOUSE: No. He [Somerset Maugham] was all right to me. We got along on just sort of "how do you do" terms. I remember walking back from a cricket match at Lords in London, and Maugham came along on the other side. He looked at me and I looked at him, and we were thinking the same thing - Oh my God, shall we have to stop and talk? Fortunately, we didn't.
(The Paris Review Interviews, Vol. 4)
sábado, fevereiro 22, 2014
A FLORA DA ÁFRICA DO SUL, INIMIGA DO ERÁRIO PÚBLICO
Vivemos tempos muito interessantes, tempos em que, do cidadão comum aos mais altos magistrados, se hesita cada vez menos em proclamar alto e bom som aquilo que vai na alma. As fasquias do pudor, da decência e da razoabilidade andam numa roda-viva.
A senhora deputada do PSD Maria José Castelo Branco acha que o estudo das espécies vegetais na África do Sul não é um tema "premente", deixando subentendido que financiar um pobre bolseiro que se dedique a essa actividade de lunáticos é contrário ao Bem da Nação.
Há uns anos, a candidata à vice-presidência dos EUA Sarah Palin apresentou o financiamento estatal para investigação sobre "fruit fly" como o zénite do desperdício de dinheiros públicos. (Ao que parece, referia-se à "mosca-da-azeitona", e não à arqui-conhecida Drosophila, mas isto não torna menos indesculpável a sua falta de cultura científica e populismo.)
Maria José Castelo Branco terá ainda muito que penar até alcançar este nível de ignorância, mas revela-se claramente uma adversária capaz de dar luta.
Felizmente, recebeu resposta à altura (vale a pena ver o vídeo até ao fim).
Ler também: "o PSEM"
A senhora deputada do PSD Maria José Castelo Branco acha que o estudo das espécies vegetais na África do Sul não é um tema "premente", deixando subentendido que financiar um pobre bolseiro que se dedique a essa actividade de lunáticos é contrário ao Bem da Nação.
Há uns anos, a candidata à vice-presidência dos EUA Sarah Palin apresentou o financiamento estatal para investigação sobre "fruit fly" como o zénite do desperdício de dinheiros públicos. (Ao que parece, referia-se à "mosca-da-azeitona", e não à arqui-conhecida Drosophila, mas isto não torna menos indesculpável a sua falta de cultura científica e populismo.)
Maria José Castelo Branco terá ainda muito que penar até alcançar este nível de ignorância, mas revela-se claramente uma adversária capaz de dar luta.
Felizmente, recebeu resposta à altura (vale a pena ver o vídeo até ao fim).
Ler também: "o PSEM"
segunda-feira, fevereiro 17, 2014
VISTO NA ILUSTRARTE, MUSEU DA ELECTRICIDADE, LISBOA
Muito bom:
Retirado do blog da ilustradora Claire Le Gal.
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Et c'est le cœur serré qu'il avait dit au revoir à sa sœur. |
Retirado do blog da ilustradora Claire Le Gal.
domingo, fevereiro 16, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na linha vermelha do metropolitano, uma leitora lia contos de Machado de Assis.
Neste mundo conturbado, ler Machado de Assis é ainda uma das acções mais sensatas a que nos podemos entregar.
Neste mundo conturbado, ler Machado de Assis é ainda uma das acções mais sensatas a que nos podemos entregar.
quinta-feira, fevereiro 13, 2014
ESTATISMO E TOLERÂNCIA
Os sinais exteriores de desalinhamento com a realidade podem ser espalhafatosos ou quase invisíveis de tão discretos. No caso de João Carlos Espada, esses sinais disfarçam-se de bom senso e de serena consciência civilizacional.
«Não é difícil encontrar inúmeros exemplos recentes desta atitude estatista. Nos últimos meses, assistimos a um regresso do estilo revolucionário do PREC a propósito do famoso “corte brutal” das bolsas da FCT. Mas não ouvimos qualquer proposta para diminuir a dependência das instituições de investigação relativamente a verbas governamentais. Também as universidades protestam contra a redução da sua parte do Orçamento do Estado. Mas também não ouvimos qualquer proposta para aumentar as receitas próprias, designadamente através do aumento das propinas — as actualmente cobradas são puramente simbólicas — e da criação de um vasto sistema de bolsas de estudo para quem precisasse.»
A ausência de propostas "para diminuir a dependência das instituições de investigação relativamente a verbas governamentais" só existiu na mundividência muito particular de JCE: não têm faltado essas propostas, e aliás muitas delas têm sido postas em prática ao longo dos anos, de tal modo que o aumento da percentagem das receitas próprias no financiamento das instituições de investigação e de ensino superior portuguesas é uma realidade continuada. Porém, o mais sugestivo aqui é a conclusão imediata de JCE: esta suposta falta de propostas revela "atitude estatista" e configura uma "ameaça à tolerância". Não parece passar pela cabeça de JCE que, se escasseiam as vozes apologistas de um (ainda) maior desinvestimento público na ciência e na investigação, talvez isso se deva a um consenso generalizado no sentido de esse desinvestimento ser uma coisa má e nefasta, sobretudo para um país fragilizado economicamente, no qual a aposta na inovação e no conhecimento deveria ser parte da solução.
(Vou passar em claro o qualificativo de "simbólico" aplicado às propinas cobradas actualmente pelas universidades portuguesas. Aqui já não se trata de alienação: estamos com os pés bem plantados no terreno da provocação e da injúria dirigida a todos os estudantes e encarregados de educação que sofrem privações para pagar essas propinas "simbólicas", ou que desistem dos cursos devido a incapacidade financeira. Ah, e esse "vasto sistema de bolsas de estudo" para a malta mais pobretanas que insiste em estudar já existe; mas não chega e deveria funcionar melhor.)
A frase final é elucidativa sobre o estado de coisas que, na óptica de JCE, seria um paraíso na terra, do qual apenas a "falta de tolerância" e a "atitude estatista" dos cidadãos nos separa, e que para mim se assemelha a uma distopia tenebrosa.
«Muitas iniciativas diferentes, frequentemente rivais, podem florescer e coabitar sem guerra civil — isso é possível porque basicamente cada uma depende dos seus próprios apoiantes, não da imposição coerciva sobre os impostos e a opinião dos outros.»
Ou seja: iniciativas, causas, apoios, dependeriam da capacidade dos seus proponentes em fazer um "marketing" compatível com a angariação de fundos suficientes. O Estado, enquanto emanação representativa da vontade de um povo, perderia o poder efectivo de promover a igualdade e a justiça social por via do orçamento. A sociedade estaria entregue às movimentações espontâneas, à popularidade das causas, à arbitrariedade. Não, obrigado. Assinado: um estatista intolerante.
«Não é difícil encontrar inúmeros exemplos recentes desta atitude estatista. Nos últimos meses, assistimos a um regresso do estilo revolucionário do PREC a propósito do famoso “corte brutal” das bolsas da FCT. Mas não ouvimos qualquer proposta para diminuir a dependência das instituições de investigação relativamente a verbas governamentais. Também as universidades protestam contra a redução da sua parte do Orçamento do Estado. Mas também não ouvimos qualquer proposta para aumentar as receitas próprias, designadamente através do aumento das propinas — as actualmente cobradas são puramente simbólicas — e da criação de um vasto sistema de bolsas de estudo para quem precisasse.»
A ausência de propostas "para diminuir a dependência das instituições de investigação relativamente a verbas governamentais" só existiu na mundividência muito particular de JCE: não têm faltado essas propostas, e aliás muitas delas têm sido postas em prática ao longo dos anos, de tal modo que o aumento da percentagem das receitas próprias no financiamento das instituições de investigação e de ensino superior portuguesas é uma realidade continuada. Porém, o mais sugestivo aqui é a conclusão imediata de JCE: esta suposta falta de propostas revela "atitude estatista" e configura uma "ameaça à tolerância". Não parece passar pela cabeça de JCE que, se escasseiam as vozes apologistas de um (ainda) maior desinvestimento público na ciência e na investigação, talvez isso se deva a um consenso generalizado no sentido de esse desinvestimento ser uma coisa má e nefasta, sobretudo para um país fragilizado economicamente, no qual a aposta na inovação e no conhecimento deveria ser parte da solução.
(Vou passar em claro o qualificativo de "simbólico" aplicado às propinas cobradas actualmente pelas universidades portuguesas. Aqui já não se trata de alienação: estamos com os pés bem plantados no terreno da provocação e da injúria dirigida a todos os estudantes e encarregados de educação que sofrem privações para pagar essas propinas "simbólicas", ou que desistem dos cursos devido a incapacidade financeira. Ah, e esse "vasto sistema de bolsas de estudo" para a malta mais pobretanas que insiste em estudar já existe; mas não chega e deveria funcionar melhor.)
A frase final é elucidativa sobre o estado de coisas que, na óptica de JCE, seria um paraíso na terra, do qual apenas a "falta de tolerância" e a "atitude estatista" dos cidadãos nos separa, e que para mim se assemelha a uma distopia tenebrosa.
«Muitas iniciativas diferentes, frequentemente rivais, podem florescer e coabitar sem guerra civil — isso é possível porque basicamente cada uma depende dos seus próprios apoiantes, não da imposição coerciva sobre os impostos e a opinião dos outros.»
Ou seja: iniciativas, causas, apoios, dependeriam da capacidade dos seus proponentes em fazer um "marketing" compatível com a angariação de fundos suficientes. O Estado, enquanto emanação representativa da vontade de um povo, perderia o poder efectivo de promover a igualdade e a justiça social por via do orçamento. A sociedade estaria entregue às movimentações espontâneas, à popularidade das causas, à arbitrariedade. Não, obrigado. Assinado: um estatista intolerante.
sábado, fevereiro 08, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na linha amarela do metropolitano, um leitor lia Camilo José Cela, em versão original. Apesar dos meus melhores esforços, não consegui identificar a obra. Eis dada a machadada definitiva na teoria de que Cela foi um prémio Nobel imerecido.
Na linha vermelha, um outro leitor lia "Pão com Fiambre", de Bukowski, na edição da Ulisseia. Livros com nome de comida são uma das coisas que tornam suportável e interessante a condição de estar vivo.
Na linha vermelha, um outro leitor lia "Pão com Fiambre", de Bukowski, na edição da Ulisseia. Livros com nome de comida são uma das coisas que tornam suportável e interessante a condição de estar vivo.
segunda-feira, fevereiro 03, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na sempiterna linha verde do metropolitano, um leitor lia a "Crónica da Vida Lisboeta", de Joaquim Paço d'Arcos. Pareceu-me tratar-se do volume I da edição da Guimarães ("Ana Paula"/"Ansiedade"), mas não fiquei com a certeza absoluta.
Ver alguém a ler Joaquim Paço d'Arcos no metro é mais ou menos como ver alguém a ler Sá de Miranda num A380 a quarenta mil pés de altitude. É um choque entre dois mundos.
Ver alguém a ler Joaquim Paço d'Arcos no metro é mais ou menos como ver alguém a ler Sá de Miranda num A380 a quarenta mil pés de altitude. É um choque entre dois mundos.
domingo, fevereiro 02, 2014
PHILIP SEYMOUR HOFFMAN (1967-2014)
Ver partir tão cedo um talento deste calibre causa dor e traz um sentimento de desperdício. Desapareceu um dos maiores actores da sua geração. As recordações mais imediatas e mais fortes que tenho do trabalho dele são dos filmes "The Master", "Capote", "Happiness" e sobretudo "Synechdoque, New York". Neste último, um dos filmes mais ousados e complexos dos últimos anos, assim como nos restantes, o desempenho de Philip Seymour Hoffman oscilava invariavelmente entre o excelente e o genial.
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Philip Seymour Hoffman em "Synechdoque, New York", de Charlie Kaufman |
segunda-feira, janeiro 27, 2014
RECUSA O PRECONCEITO! DÁ UM ABRAÇO A UM FINANCEIRO!
Segundo o impagável João César das Neves, no seu momento semanal de comicidade involuntária, um dos "grupos mais desprezados e injustiçados de hoje" é o dos financeiros.
Leram bem: não se trata de qualquer minoria étnica ou religiosa, cultural ou linguística. São os financeiros.
Este homem é um "sketch" dos Monty Python em forma de gente. Cada vez mais me custa a acreditar que ele não seja um embuste gigantesco, um número de comédia refinadíssimo perpetrado por um Andy Kaufman português.
Estimado leitor: da próxima vez que avistar um financeiro na rua, resista à tentação de lhe lançar um olhar de desprezo e de apressar o passo. Fale com ele, dê-lhe um aperto de mão, pague-lhe um café e uma sande.
Nunca deixe de ter presente que o sistema financeiro sustenta os empregos de todos nós, como afiança JCN no remate desta crónica inolvidável.
Leram bem: não se trata de qualquer minoria étnica ou religiosa, cultural ou linguística. São os financeiros.
Este homem é um "sketch" dos Monty Python em forma de gente. Cada vez mais me custa a acreditar que ele não seja um embuste gigantesco, um número de comédia refinadíssimo perpetrado por um Andy Kaufman português.
Estimado leitor: da próxima vez que avistar um financeiro na rua, resista à tentação de lhe lançar um olhar de desprezo e de apressar o passo. Fale com ele, dê-lhe um aperto de mão, pague-lhe um café e uma sande.
Nunca deixe de ter presente que o sistema financeiro sustenta os empregos de todos nós, como afiança JCN no remate desta crónica inolvidável.
quarta-feira, janeiro 22, 2014
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Linha verde do metropolitano. Uma leitora lia "O Leopardo", de Giuseppe Tomasi di Lampedusa. O trajecto entre Telheiras e Campo Grande mal chega para articular em silêncio o nome deste autor.
terça-feira, janeiro 21, 2014
sábado, janeiro 18, 2014
CO-ADOPÇÃO
O dia de ontem foi um dia muito triste para a democracia portuguesa.
O que me apetece, no rescaldo da aprovação do referendo sobre co-adopção por casais do mesmo sexo, é agarrar pelos colarinhos os promotores desta iniciativa e perguntar-lhes, olhos nos olhos, se acham minimamente digna do mandato que lhes foi dado pelos cidadãos esta ideia de referendar uma lei que já foi aprovada na generalidade, que remete para o foro da consciência, que quando acabar por ser aprovada (e sublinho o "quando") mais não fará do que regularizar judicialmente situações de facto que já existem.
Aproveitaria esta rara ocasião para exprimir a minha repulsa pela proposta de juntar à pergunta sobre esta situação concreta uma outra sobre a questão, mais geral e (admito-o) mais sensível, relativa ao direito de adopção dos casais do mesmo sexo. Eu penso que este direito deveria estar consagrado na lei, mas trata-se de uma questão distinta, ainda que relacionada, e em relação à qual não está em curso qualquer iniciativa legislativa. A amálgama só favorece a confusão e as intenções de quem quer que fique tudo na mesma, sob a capa do mui louvável propósito de estender o debate à sociedade civil.
A disciplina de voto imposta à bancada do PSD, um dos dois maiores partidos portugueses desde há décadas, é simplesmente descoroçoante, por se tratar de uma matéria de consciência e por não existir vínculo a qualquer proposta ou menção constante do programa eleitoral.
O qualificativo de "fracturante" que se costuma associar a esta questão não passa de um estratagema usado por aqueles que discordam da lei e que tentam estender as suas reticências à sociedade, como se esta estivesse dilacerada por um dilema moral, como se a perspectiva de barricadas nas ruas ou cisões familiares violentíssimas por causa da co-adopção fossem realistas. Muito mais "fracturantes" do que esta lei, muito mais susceptíveis de abalarem a sociedade até aos alicerces, são as muitas leis que têm passado pela Assembleia como uma carta pelo correio, sem que algum menino da JSD se tenha entretido a propor referendos. Falo do Código do Trabalho, dos despedimentos na Função Pública, da privatização de empresas tão fortemente implicadas na vida nacional como os CTT e a TAP, e de numerosíssimas outras leis.
Tenho esperança de que o bom senso acabe por prevalecer e que estas manobras se esgotem no seu conteúdo dilatório, ao qual afinal se resumem, na prática.
Entretanto, deixo links para alguns dos textos lúcidos e certeiros que surgiram na esteira deste dia deplorável (única faceta positiva deste caso):
"Uma Espécie de Totalitarismo Democrático" (Pedro Figueiredo)
"Dos Pseudomoralismos Ditatoriais" (Sofia Loureiro dos Santos)
"A Coadoção" (Carlos Esperança)
"Homofobia e Governofobia" (Ricardo Alves)
A ainda: a intervenção de Pedro Delgado Alves na Assembleia da República.
O que me apetece, no rescaldo da aprovação do referendo sobre co-adopção por casais do mesmo sexo, é agarrar pelos colarinhos os promotores desta iniciativa e perguntar-lhes, olhos nos olhos, se acham minimamente digna do mandato que lhes foi dado pelos cidadãos esta ideia de referendar uma lei que já foi aprovada na generalidade, que remete para o foro da consciência, que quando acabar por ser aprovada (e sublinho o "quando") mais não fará do que regularizar judicialmente situações de facto que já existem.
Aproveitaria esta rara ocasião para exprimir a minha repulsa pela proposta de juntar à pergunta sobre esta situação concreta uma outra sobre a questão, mais geral e (admito-o) mais sensível, relativa ao direito de adopção dos casais do mesmo sexo. Eu penso que este direito deveria estar consagrado na lei, mas trata-se de uma questão distinta, ainda que relacionada, e em relação à qual não está em curso qualquer iniciativa legislativa. A amálgama só favorece a confusão e as intenções de quem quer que fique tudo na mesma, sob a capa do mui louvável propósito de estender o debate à sociedade civil.
A disciplina de voto imposta à bancada do PSD, um dos dois maiores partidos portugueses desde há décadas, é simplesmente descoroçoante, por se tratar de uma matéria de consciência e por não existir vínculo a qualquer proposta ou menção constante do programa eleitoral.
O qualificativo de "fracturante" que se costuma associar a esta questão não passa de um estratagema usado por aqueles que discordam da lei e que tentam estender as suas reticências à sociedade, como se esta estivesse dilacerada por um dilema moral, como se a perspectiva de barricadas nas ruas ou cisões familiares violentíssimas por causa da co-adopção fossem realistas. Muito mais "fracturantes" do que esta lei, muito mais susceptíveis de abalarem a sociedade até aos alicerces, são as muitas leis que têm passado pela Assembleia como uma carta pelo correio, sem que algum menino da JSD se tenha entretido a propor referendos. Falo do Código do Trabalho, dos despedimentos na Função Pública, da privatização de empresas tão fortemente implicadas na vida nacional como os CTT e a TAP, e de numerosíssimas outras leis.
Tenho esperança de que o bom senso acabe por prevalecer e que estas manobras se esgotem no seu conteúdo dilatório, ao qual afinal se resumem, na prática.
Entretanto, deixo links para alguns dos textos lúcidos e certeiros que surgiram na esteira deste dia deplorável (única faceta positiva deste caso):
"Uma Espécie de Totalitarismo Democrático" (Pedro Figueiredo)
"Dos Pseudomoralismos Ditatoriais" (Sofia Loureiro dos Santos)
"A Coadoção" (Carlos Esperança)
"Homofobia e Governofobia" (Ricardo Alves)
A ainda: a intervenção de Pedro Delgado Alves na Assembleia da República.
domingo, janeiro 12, 2014
PSICOPATOLOGIA COLECTIVA LUSITANA
Os estudiosos que, no futuro, se debruçarem sobre a psicopatologia da mente colectiva lusitana em inícios do século XXI encontrarão no episódio do "Coreia-gate" um objecto riquíssimo em ensinamentos. Aos espíritos mais incrédulos, custará talvez a admitir que tanta e tão valorosa gente tenha perdido tanto tempo e tantas linhas, em tantos suportes e canais diferentes, a discutir onde estava e o que fazia um ex-primeiro ministro, menino e moço ainda, num certo sábado de Julho, e em que cenário comemorou ele os golos de Eusébio contra a Coreia do Norte, na longínqua Liverpool.
(Ler também: "Sobre a Doença".)
(Ler também: "Sobre a Doença".)
sexta-feira, janeiro 10, 2014
LIBERTAR PORTUGAL E CONQUISTAR O FUTURO
A Juventude Popular defende, em moção a apresentar ao congresso do CDS-PP, o recuo do ensino obrigatório do 12º para o 9º ano.
É no que dá deixar esta rapaziada brincar aos liberais, sem supervisão. Foge-lhes a boca para a verdade.
Claro está que o declínio do analfabetismo e a melhoria do nível de formação da população portuguesa representam um risco para todos aqueles que vivem de engendrar e impingir cretinices. A ignorância, a crendice e a falta de espírito crítico são caldo de cultura muito mais favorável. Não só Portugal tem doutores a mais, como o próprio diploma liceal já está a adquirir uma prevalência incómoda.
Tudo isto são verdades que ninguém discute.
Mas há que usar de alguma discrição. Ideias como esta arriscam-se ainda a causar um certo escândalo em círculos mais progressistas. Com os anos, esta malta há-de aprender a domesticar a sua candura.
Enquanto isso não sucede, reconheça-se que este precipitado de idiotice pura tem o seu encanto.
(Ler também isto.)
É no que dá deixar esta rapaziada brincar aos liberais, sem supervisão. Foge-lhes a boca para a verdade.
Claro está que o declínio do analfabetismo e a melhoria do nível de formação da população portuguesa representam um risco para todos aqueles que vivem de engendrar e impingir cretinices. A ignorância, a crendice e a falta de espírito crítico são caldo de cultura muito mais favorável. Não só Portugal tem doutores a mais, como o próprio diploma liceal já está a adquirir uma prevalência incómoda.
Tudo isto são verdades que ninguém discute.
Mas há que usar de alguma discrição. Ideias como esta arriscam-se ainda a causar um certo escândalo em círculos mais progressistas. Com os anos, esta malta há-de aprender a domesticar a sua candura.
Enquanto isso não sucede, reconheça-se que este precipitado de idiotice pura tem o seu encanto.
(Ler também isto.)
terça-feira, janeiro 07, 2014
SÓ O CINEMA
Nenhuma arte como o cinema suscita paixões, sentenças inflamadas e opiniões acaloradas. Não há nada de mal nisso. Um pouco de retórica, hipérbole ou má fé até ajudam a fazer passar a mensagem e dar-lhe mais uns quantos por cento de hipótese de sobreviver no mundo cruel da Web 2.0 (ou será que já vamos na 3.0?). C'est de bonne guerre.
Convém, no entanto, escolher os canais certos.
As folhas da Cinemateca são uma coisa maravilhosa e um dos argumentos mais potentes a favor da frequência regular do reduto cinéfilo da Barata Salgueiro. Guardo aquelas que fui recolhendo, ao longo dos anos, em 3 dossiers de argolas do formato maior. Cada autor tem o seu estilo próprio e inimitável. Quase todos compreendem que a função destas folhas não é servir de veículo aos seus humores pessoais, diatribes e embirrações de estimação. Infelizmente, pelo menos um deles, Antonio Rodrigues, é contumaz nos abusos. Julgando-se talvez um Bazin ou Truffaut em plenos anos 50, não hesita em verter para o papel, com pluma romba mas que parece crer-se acerada, farrapos de mundividência crítica que lhe podem dizer muito mas que fogem à missão principal destas folhas: a de informar, contextualizar e oferecer novos ângulos e leituras ao leitor (o que é muito diferente de impor os seus como únicos legítimos).
Achei piada quando AR assinalou o "o" traçado no nome da realizadora Mia Hansen-Løve como sintoma de falsidade (isto é autêntico). Acho menos piada quando ele se mete com os meus super-heróis. A maneira como desancou em Alain Cavalier e em quase toda a sua filmografia, na folha do filme "Pater" (um dos filmes mais originais e inteligentes dos últimos anos, a meu ver), roça o caso de polícia. Não se trata de delito de opinião, mas sim de delito de ignorância. Quem usa os termos "não forma" e "não cinema" para se referir a Cavalier está a ser desonesto, porque tenta fazer passar um juízo estético por uma demarcação entre o que é o que não é cinema. Dizer que os filmes de Cavalier não têm estrutura (conheço poucos filmes tão escrupulosamente estruturados como os de Cavalier) revela que a aversão (legítima) o deixou completamente cego e desmunido. Dar a entender que os filmes de Cavalier se resumem a filmar objectos e pessoas ao acaso, a "vidinha quotidiana de cada um de nós", deveria equivaler a falta profissional grave. Tentar arregimentar os leitores com frases como «Como este ciclo deve ter demonstrado claramente à maioria dos espectadores que o acompanhou (...)» faz lembrar um profeta que anda pela rua fora a agarrar os potenciais prosélitos pelo colarinho e a berrar-lhes a boa nova aos ouvidos.
Aquilo que, no meio desta catástrofe, ainda me custa mais a admitir é que uma pessoa com olhos na cara e que viu mais do que uma dezena ou duas de filmes na sua vida seja capaz de admitir que um actor do calibre de Vincent Lindon não se apercebeu da ironia subjacente a esta cena, sem dúvida uma das melhores e mais cómicas do filme. (Tem legendas em francês. As minhas desculpas aos não francófonos - não encontrei uma versão legendada noutro idioma. Em poucas palavras: ele queixa-se de uma discussão que teve com o porteiro, faz-se vítima apesar de viver num bairro elegante e abastado.)
Convém, no entanto, escolher os canais certos.
As folhas da Cinemateca são uma coisa maravilhosa e um dos argumentos mais potentes a favor da frequência regular do reduto cinéfilo da Barata Salgueiro. Guardo aquelas que fui recolhendo, ao longo dos anos, em 3 dossiers de argolas do formato maior. Cada autor tem o seu estilo próprio e inimitável. Quase todos compreendem que a função destas folhas não é servir de veículo aos seus humores pessoais, diatribes e embirrações de estimação. Infelizmente, pelo menos um deles, Antonio Rodrigues, é contumaz nos abusos. Julgando-se talvez um Bazin ou Truffaut em plenos anos 50, não hesita em verter para o papel, com pluma romba mas que parece crer-se acerada, farrapos de mundividência crítica que lhe podem dizer muito mas que fogem à missão principal destas folhas: a de informar, contextualizar e oferecer novos ângulos e leituras ao leitor (o que é muito diferente de impor os seus como únicos legítimos).
Achei piada quando AR assinalou o "o" traçado no nome da realizadora Mia Hansen-Løve como sintoma de falsidade (isto é autêntico). Acho menos piada quando ele se mete com os meus super-heróis. A maneira como desancou em Alain Cavalier e em quase toda a sua filmografia, na folha do filme "Pater" (um dos filmes mais originais e inteligentes dos últimos anos, a meu ver), roça o caso de polícia. Não se trata de delito de opinião, mas sim de delito de ignorância. Quem usa os termos "não forma" e "não cinema" para se referir a Cavalier está a ser desonesto, porque tenta fazer passar um juízo estético por uma demarcação entre o que é o que não é cinema. Dizer que os filmes de Cavalier não têm estrutura (conheço poucos filmes tão escrupulosamente estruturados como os de Cavalier) revela que a aversão (legítima) o deixou completamente cego e desmunido. Dar a entender que os filmes de Cavalier se resumem a filmar objectos e pessoas ao acaso, a "vidinha quotidiana de cada um de nós", deveria equivaler a falta profissional grave. Tentar arregimentar os leitores com frases como «Como este ciclo deve ter demonstrado claramente à maioria dos espectadores que o acompanhou (...)» faz lembrar um profeta que anda pela rua fora a agarrar os potenciais prosélitos pelo colarinho e a berrar-lhes a boa nova aos ouvidos.
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Alain Cavalier e Vincent Lindon em "Pater" |
Aquilo que, no meio desta catástrofe, ainda me custa mais a admitir é que uma pessoa com olhos na cara e que viu mais do que uma dezena ou duas de filmes na sua vida seja capaz de admitir que um actor do calibre de Vincent Lindon não se apercebeu da ironia subjacente a esta cena, sem dúvida uma das melhores e mais cómicas do filme. (Tem legendas em francês. As minhas desculpas aos não francófonos - não encontrei uma versão legendada noutro idioma. Em poucas palavras: ele queixa-se de uma discussão que teve com o porteiro, faz-se vítima apesar de viver num bairro elegante e abastado.)
segunda-feira, janeiro 06, 2014
sexta-feira, janeiro 03, 2014
A MINHA MENSAGEM DE ANO NOVO
Procuro fazer dos meus votos para 2014 algo de muito modesto, e chego a algo de extravagantemente ambicioso. Espero que o novo ano permita que a decência, a clarividência e a beleza ganhem alguns centímetros à estupidez, à intolerância, ao dogmatismo e à mesquinhez. Espero que todos acabem o ano com alguma coisa entre mãos à qual o substantivo "Felicidade" sirva sem demasiado esforço. E espero que continuemos a tropeçar com estrondo em filmes como este:
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Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman em "The Master", de Paul Thomas Anderson |
quinta-feira, janeiro 02, 2014
UM TÍTULO QUE NÃO ENGANA
Mesmo sem nunca o ter lido, tenho a certeza de que o poema "Toda a gente a beber coca-cola" é o tipo de poema capaz de revolucionar a Literatura e de marcar uma Geração.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
No comboio Porto-Lisboa, um/a leitor/a lia "A Confraria do Vinho", de John Fante. A indefinição de género justifica-se pelas dificuldades inerentes à observação atenta de leitores sentados num comboio disparado a 200 à hora por esse Portugal fora. Aquilo balança e não é pouco. Este problema é muito sério.
quarta-feira, janeiro 01, 2014
PÉROLAS DA PARIS REVIEW
(The Paris Review Interviews, Vol. 4)
segunda-feira, dezembro 23, 2013
quinta-feira, dezembro 12, 2013
OZU
Yasujiro Ozu nasceu há 110 anos e morreu há 50 anos. Sirva este dia 12 de Dezembro para celebrar duplamente a memória e o talento imenso deste realizador, assim como todas as personagens que ele faz entrar na minha vida.
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Chieko Higashiyama, Setsuko Hara e Chishu Ryu em "Tokyo Monogatari", de Yasujiro Ozu (1953) |
segunda-feira, dezembro 09, 2013
DO MUNDO EDITORIAL PORTUGUÊS
Os contos "O salvo-conduto" e "Vilar Frio" foram publicados no volume Três histórias transmontanas (1998), que mal chegou a ser distribuído: tenho num armazém dois ou três caixotes deles!
(A.M. Pires Cabral, nota introdutória a "Os Anjos Nus" (2012))
(A.M. Pires Cabral, nota introdutória a "Os Anjos Nus" (2012))
sexta-feira, dezembro 06, 2013
terça-feira, dezembro 03, 2013
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na Cinemateca Portuguesa: um leitor lia "Twelfth Night", de Shakespeare. Leia bons livros, veja bons filmes, desfrute da vida.
domingo, dezembro 01, 2013
PÉROLAS DA PARIS REVIEW
(The Paris Review Interviews, Vol. 4)
sábado, novembro 30, 2013
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na inevitável linha verde do metropolitano: uma leitora lia "The Sense of an Ending", de Julian Barnes, e um leitor lia "A Origem da Tragédia", de Nietzsche (na edição da Guimarães). A distância que separava um do outro percorria-se em menos tempo do que leva a dizer "Deus está morto".
terça-feira, novembro 12, 2013
Ó CAVALHEIRO, NÃO QUER VIR DAR UM TIRINHO NA CONSTITUIÇÃO?
O exercício de zurzir na Constituição da República está a transformar-se num espectáculo de feira. Tal como numa barraca de tiros, os mais exímios acotovelam-se com os mais canhestros. Entre esta multidão que se chega à frente, com receio de perder a vez, como categorizar o ministro da Defesa, Aguiar-Branco?
"A verdade é que nós, por via da situação de tender a ter esse Estado social absorvente, tender a ter um Estado que visa absorver a sociedade numa dimensão que, a meu ver é exagerada, faz com que tenhamos uma tentação de um Estado totalitário, que cria as promiscuidades, que cria as clientelas, que cria as dependências e enfraquece a sociedade", sustentou.
Justifica-se a hesitação. Ele não é particularmente certeiro, mas não é mais inábil do que qualquer um dos que o antecedeu ou virá a seguir. A haver um prémio da originalidade, Aguiar-Branco arriscava-se a levá-lo consigo. Agitar o espantalho da transformação do Estado Social num Estado totalitário, fazer dos mecanismos de apoio social (que tantas vezes fazem a diferença entre a miséria e a dignidade) tentáculos ameaçadores, acusar esse mesmo Estado de criar promiscuidades (quando salta à vista que as promiscuidades brotam na zona cinzenta entre Público e Privado, independentemente da dimensão dos respectivos sectores), revela uma ousadia que será difícil de igualar. Aguiar-Branco colocou esta nova actividade recreativa num patamar de sofisticação e fantasia inesperado. Resta saber se aqueles que seguem atrás dele na fila saberão mostrar-se à altura.
"A verdade é que nós, por via da situação de tender a ter esse Estado social absorvente, tender a ter um Estado que visa absorver a sociedade numa dimensão que, a meu ver é exagerada, faz com que tenhamos uma tentação de um Estado totalitário, que cria as promiscuidades, que cria as clientelas, que cria as dependências e enfraquece a sociedade", sustentou.
Justifica-se a hesitação. Ele não é particularmente certeiro, mas não é mais inábil do que qualquer um dos que o antecedeu ou virá a seguir. A haver um prémio da originalidade, Aguiar-Branco arriscava-se a levá-lo consigo. Agitar o espantalho da transformação do Estado Social num Estado totalitário, fazer dos mecanismos de apoio social (que tantas vezes fazem a diferença entre a miséria e a dignidade) tentáculos ameaçadores, acusar esse mesmo Estado de criar promiscuidades (quando salta à vista que as promiscuidades brotam na zona cinzenta entre Público e Privado, independentemente da dimensão dos respectivos sectores), revela uma ousadia que será difícil de igualar. Aguiar-Branco colocou esta nova actividade recreativa num patamar de sofisticação e fantasia inesperado. Resta saber se aqueles que seguem atrás dele na fila saberão mostrar-se à altura.
domingo, novembro 10, 2013
sexta-feira, novembro 08, 2013
O ESTADO, ESSE INIMIGO DOS POBRES
Há quem faça montanhismo ou corridas clandestinas de carros para obter o seu "fix" periódico de adrenalina. Outros recorrem a estratégias mais subtis. João César das Neves, por exemplo, parece confiar nos seus exercícios semanais de defesa do indefensável para sugar o tutano da existência, para se sentir vivo, audaz e completo.
Na sua última crónica, por exemplo, JCN sustenta que
todos sabem ser [o Estado] há séculos um inimigo dos miseráveis
E não se pense que o âmbito desta afirmação se confina aos tempos idos de Antigos Regimes, totalitários e absolutistas:
Reis, imperadores e governantes nunca se interessaram pelos desgraçados, quando não os perseguiam. O poder não gosta dos pobres e estes confiam mais na ajuda do próximo que nas promessas dos chefes. Há muito que é a Igreja, não o Governo, a tratar dos necessitados. As coisas parecem diferentes na moderna democracria assistencialista, mas um velho princípio económico mostra a ingenuidade dessa ilusão.
Esse "velho princípio" (foi postulado há cerca de meio século) é a lei de Director, atribuída a Aaron Director (figura de relevo da escola de Chicago, acessoriamente cunhado de Milton Friedman) e formulada por George Stigler:
Esse teorema afirma que "as despesas públicas são feitas para o benefício primordial da classe média, e financiadas com impostos suportados em parte considerável pelos pobres e pelos ricos".
JCN raramente hesita em puxar dos seus galões de professor de Economia para impressionar a populaça. Quantos dos seus leitores alguma vez terão ouvido falar desta lei? De entre os 99,99% que nunca ouviram falar dela (entre os quais me incluo), quantos se darão ao trabalho de tentar ir além das sentenças que JCN emite a partir da sua cátedra?
Uma rápida pesquisa na Internet permite descobrir algumas coisas interessantes que ajudam a injectar um pouco de contexto nesta crónica:
Mas o que importa isto tudo? A prioridade de JCN nunca foi a coerência com a realidade, mas sim viver perigosamente nas fronteiras selvagens do inverosímil e do mirabolante. Para quem já veio a terreiro defender que a Inquisição não passou de um clube de cavalheiros inofensivos, que a religião é amiga da ciência, que as causas do declínio da natalidade são a promoção da homossexualidade e a educação sexual laxista, isto certamente sabe a pouco. As próximas semanas hão certamente de nos trazer material mais "hardcore".
Na sua última crónica, por exemplo, JCN sustenta que
todos sabem ser [o Estado] há séculos um inimigo dos miseráveis
E não se pense que o âmbito desta afirmação se confina aos tempos idos de Antigos Regimes, totalitários e absolutistas:
Reis, imperadores e governantes nunca se interessaram pelos desgraçados, quando não os perseguiam. O poder não gosta dos pobres e estes confiam mais na ajuda do próximo que nas promessas dos chefes. Há muito que é a Igreja, não o Governo, a tratar dos necessitados. As coisas parecem diferentes na moderna democracria assistencialista, mas um velho princípio económico mostra a ingenuidade dessa ilusão.
Esse "velho princípio" (foi postulado há cerca de meio século) é a lei de Director, atribuída a Aaron Director (figura de relevo da escola de Chicago, acessoriamente cunhado de Milton Friedman) e formulada por George Stigler:
Esse teorema afirma que "as despesas públicas são feitas para o benefício primordial da classe média, e financiadas com impostos suportados em parte considerável pelos pobres e pelos ricos".
JCN raramente hesita em puxar dos seus galões de professor de Economia para impressionar a populaça. Quantos dos seus leitores alguma vez terão ouvido falar desta lei? De entre os 99,99% que nunca ouviram falar dela (entre os quais me incluo), quantos se darão ao trabalho de tentar ir além das sentenças que JCN emite a partir da sua cátedra?
Uma rápida pesquisa na Internet permite descobrir algumas coisas interessantes que ajudam a injectar um pouco de contexto nesta crónica:
- Trata-se de uma lei empírica, e não de um princípio universalmente aceite que justifique uma condenação tão categórica do papel do Estado junto dos mais desmunidos. Lendo JCN, dir-se-ia estarmos perante a 2ª lei de Newton.
- Quase todos os "sites" que a citam são claramente conservadores e recorrem a esta lei como um recurso de contra-argumentação dirigido às políticas orçamentais da administração Obama.
- A lei de Director diz apenas respeito à distribuição dos recursos por via de um orçamento e ao modo como esta é influenciada pelas alianças (no sentido lato do termo) que se formam entre sectores do eleitorado. Não abrange a vertente assistencialista típica de um Estado Social moderno (ver, neste artigo, o parágrafo 2.1), o que, logo à partida, deita por terra a comparação que JCN tenta estabelecer com a suposta generosidade da Igreja.
Mas o que importa isto tudo? A prioridade de JCN nunca foi a coerência com a realidade, mas sim viver perigosamente nas fronteiras selvagens do inverosímil e do mirabolante. Para quem já veio a terreiro defender que a Inquisição não passou de um clube de cavalheiros inofensivos, que a religião é amiga da ciência, que as causas do declínio da natalidade são a promoção da homossexualidade e a educação sexual laxista, isto certamente sabe a pouco. As próximas semanas hão certamente de nos trazer material mais "hardcore".
quinta-feira, novembro 07, 2013
quarta-feira, novembro 06, 2013
quarta-feira, outubro 30, 2013
MAIS BANALIDADES
No excelente blog "Orgia Literária", uma resposta arrasadora às infelizes considerações de Inês Pedrosa sobre a alegada menoridade do conto. Duvido apenas que a artigalhada de IP mereça resposta tão elaborada e rica, mas reconheça-se que disparates deste calibre, vindos de alguém com um mínimo de reputação, são tão raros como certos cometas, pelo que se justifica serem assinalados com uma certa pompa.
Apesar de tudo mantenho consideração por IP: admirei algumas suas acções no passado, as suas crónicas costumam ser muito mais equilibradas e sensatas do que este lamentável exemplo. Prefiro ver nisto um passo em falso, felizmente pouco susceptível de influenciar os gostos literários seja de quem for.
Apesar de tudo mantenho consideração por IP: admirei algumas suas acções no passado, as suas crónicas costumam ser muito mais equilibradas e sensatas do que este lamentável exemplo. Prefiro ver nisto um passo em falso, felizmente pouco susceptível de influenciar os gostos literários seja de quem for.
OS PODERES SUPERIORES
quinta-feira, outubro 24, 2013
SÓ O CINEMA
E há ainda este sonho insistente: a minha vida não é mais do que um fotograma do filme "Céline et Julie Vont en Bateau", de Jacques Rivette. Dentro do sonho, a dúvida: antes ou depois de Dominique Labourier e Juliet Berto engolirem o caramelo mágico?
segunda-feira, outubro 21, 2013
HISTÓRIAS DE VIDAS BANAIS
Na sua crónica publicada no semanário "Sol", no passado dia 18, Inês Pedrosa exprime cepticismo a respeito da atribuição do Prémio Nobel à autora Alice Munro. Concede que Munro "não desmerece", mas defende que ela
não é melhor do que Lídia Jorge, Luísa Costa Gomes ou Teolinda Gersão, antes pelo contrário
o que é uma maneira simpática de dizer que é pior do que qualquer uma destas três. Registe-se. E estou à vontade para me manifestar pouco à vontade com esta hierarquização, porque conheço bastante bem a obra das duas primeiras e tenho por elas consideração e estima. Luísa Costa Gomes é até, para mim, uma das autoras mais estimulantes da literatura portuguesa contemporânea, mas daí a afirmar que mereceria mais o Nobel do que Munro vai um valente passo.
Mas a coisa piora. Logo a seguir, IP escreve:
o trabalho do contista não se compara à exigência arquitectónica implícita no trabalho de um bom romancista
e
não venham dizer-nos que escrever muito bem pequenas histórias de vidas banais é a mesma coisa que escrever A Ronda da Noite ou Anna Karenina
Deixa-me pasmado esta apetência pela comparação dos méritos relativos dos géneros literários, à maneira de miúdos que discutem no recreio sobre quem é que tem um papá mais alto e mais rico. Mas vamos dar isso de barato. O que já me custa mais a aceitar sem revolta é a ideia de que um conto é uma história de vida banal, sem comparação com as arquitecturas grandiosas do romance. Será que essa descrição depreciativa se aplica a "The Dead" de Joyce, "Un Cœur Simple" de Flaubert, "For Esmé - With Love and Squalor" de Salinger ou a tantos dos contos de Pirandello, Barthelme ou Chekhov? A concisão, a elipse, a concentração dramática presentes num grande conto exigem menos do autor do que a monumentalidade arquitectónica de um romance que IP tanto preza? Têm a palavra as gerações de leitores e críticos que encontraram nestes e em tantos outros contos algo de supremamente belo e relevante para as suas vidas, a cujas vozes misturo a minha.
não é melhor do que Lídia Jorge, Luísa Costa Gomes ou Teolinda Gersão, antes pelo contrário
o que é uma maneira simpática de dizer que é pior do que qualquer uma destas três. Registe-se. E estou à vontade para me manifestar pouco à vontade com esta hierarquização, porque conheço bastante bem a obra das duas primeiras e tenho por elas consideração e estima. Luísa Costa Gomes é até, para mim, uma das autoras mais estimulantes da literatura portuguesa contemporânea, mas daí a afirmar que mereceria mais o Nobel do que Munro vai um valente passo.
Mas a coisa piora. Logo a seguir, IP escreve:
o trabalho do contista não se compara à exigência arquitectónica implícita no trabalho de um bom romancista
e
não venham dizer-nos que escrever muito bem pequenas histórias de vidas banais é a mesma coisa que escrever A Ronda da Noite ou Anna Karenina
Deixa-me pasmado esta apetência pela comparação dos méritos relativos dos géneros literários, à maneira de miúdos que discutem no recreio sobre quem é que tem um papá mais alto e mais rico. Mas vamos dar isso de barato. O que já me custa mais a aceitar sem revolta é a ideia de que um conto é uma história de vida banal, sem comparação com as arquitecturas grandiosas do romance. Será que essa descrição depreciativa se aplica a "The Dead" de Joyce, "Un Cœur Simple" de Flaubert, "For Esmé - With Love and Squalor" de Salinger ou a tantos dos contos de Pirandello, Barthelme ou Chekhov? A concisão, a elipse, a concentração dramática presentes num grande conto exigem menos do autor do que a monumentalidade arquitectónica de um romance que IP tanto preza? Têm a palavra as gerações de leitores e críticos que encontraram nestes e em tantos outros contos algo de supremamente belo e relevante para as suas vidas, a cujas vozes misturo a minha.
domingo, outubro 20, 2013
sábado, outubro 19, 2013
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Uma leitora lia "Fow Whom the Bell Tolls", de Hemingway, na linha verde do metropolitano, em pé e na versão original.
Em que recantos obscuros se escondiam os leitores para exercer a sua actividade sediciosa, quando o metropolitano e a linha verde ainda não existiam?
Em que recantos obscuros se escondiam os leitores para exercer a sua actividade sediciosa, quando o metropolitano e a linha verde ainda não existiam?
sábado, outubro 12, 2013
APENAS CINEMA
Sabia há bastante tempo que Jean-Luc Godard tinha sofrido, algures nos anos 70, um acidente muito grave de motorizada, mas ignorava os detalhes. A leitura da sua biografia(*) esclareceu-me.
(*) "Godard", Antoine de Baecque, Grasset, 2010.
- Foi no dia 9 de Junho de 1971.
- O acidente ocorreu na esquina da Rue de Rennes com a Rue d'Assas, em Paris.
- Nesse mesmo dia, Godard deveria ter apanhado um voo para Nova York, com o objectivo de assinar o contrato referente à co-produção e distribuição do filme "Tout Va Bien".
- Quem conduzia a motorizada era a montadora Christine Aya, que saiu incólume.
- Godard, atropelado por um autocarro após a queda da motorizada, sofreu lesões na bacia, nas costelas, no joelho e na cabeça.
- O objectivo da deslocação era o de comprar um livro de Brecht.
- A rodagem de "Tout Va Bien", adiada por vários meses devido à hospitalização de Godard, acabou por ter lugar em Janeiro e Fevereiro de 1972.
(*) "Godard", Antoine de Baecque, Grasset, 2010.
![]() |
"Tout Va Bien", de Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin (1972). |
quinta-feira, outubro 10, 2013
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Uma leitora lia "Therapy", de David Lodge, na linha verde do metropolitano. Desde que li este livro, cuja personagem principal adquire uma obsessão por Kierkegaard, nunca mais esmoreceu a minha vontade de visitar Copenhaga. Fim da nótula pessoal.
quarta-feira, outubro 09, 2013
NÉVOA
Os dias vão-se sucedendo e é como se uma névoa espessa se tivesse abatido em permanência sobre Portugal, a tal ponto que as fronteiras e os limites outrora definidos com rigor e clareza se esbatem e perdem definição.
Como explicar de outra forma que haja pessoas, aparentemente sérias e irradiando circunspecção e eloquência, capazes de defender que um ministro dos negócios estrangeiros que:
Como explicar de outra forma que haja pessoas, aparentemente sérias e irradiando circunspecção e eloquência, capazes de defender que um ministro dos negócios estrangeiros que:
- Pediu desculpas a outro país por causa de uma investigação judicial em curso.
- Se referiu, na mesma entrevista, a esse processo judicial, emitindo comentários sobre a sua gravidade que nada do que é do domínio público pode justificar.
- Interrogado no parlamento, não só alegou não ter violado o princípio de separação de poderes, como atribuiu as críticas que chovem sobre ele, de todos os quadrantes, a uma tentativa de "assassinato político".
- Tentou desviar canhestramente as atenções com uma conversa sobre o segredo da justiça, como se estivesse a lidar com crianças de 4 anos para as convencer a comer os legumes e ir para a cama a horas, e não com representantes eleitos pelo povo.
sábado, outubro 05, 2013
5 DO 10
As
decisões pusilânimes dos governantes têm prazo de validade e importância proporcional à pequenez daqueles que as tomaram. O
significado das datas, esse, permanece. Feriado ou não, o 5 de Outubro continua
a ser a data em que Portugal deu um passo de gigante no sentido da
modernidade e em que deixou de ter como figura máxima o enésimo membro
de uma dinastia beijada pela graça divina. Viva a República!
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Imagem retirada daqui. |
segunda-feira, setembro 23, 2013
E NADA MAIS QUE O CINEMA
Quando, numa das últimas cenas de "Tokyo Monogatari", a câmara de Ozu enquadra esses actores sublimes e grandiosos chamados Chishu Ryu e Setsuko Hara de encontro ao céu cinzento e uniforme, ao horizonte montanhoso e às inevitáveis linhas de alta tensão, custa a acreditar que o cinema tenha alguma vez podido voltar a ser feito de maneira tão intensa, tão dura, tão do tamanho do ser humano.
Felizmente, nunca faltou quem persistisse nessa aposta insensata, por vezes (quase?) com sucesso.
Felizmente, nunca faltou quem persistisse nessa aposta insensata, por vezes (quase?) com sucesso.
terça-feira, setembro 17, 2013
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Linha verde do metropolitano. Leitora lia "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde. Que a terra me engula se não for verdade.
segunda-feira, setembro 09, 2013
PÉROLAS DA PARIS REVIEW:
MARTIN AMIS: Well, I did one [signing session] with Roald Dahl and quite predictable human divisions were observable. For him, a lot of children, a lot of parents of children. With Julian Barnes, his queue seemed to be peopled by rather comfortable, professional types. My queue is always full of, you know, wild-eyed sleazebags and people who stare at me very intensely, as if I have some particular message for them.
(The Paris Review Interviews, Vol. 3)
(The Paris Review Interviews, Vol. 3)
quinta-feira, setembro 05, 2013
THE MASK SLIPS
But the larger point here, surely, is that Rehn has let the mask slip. It’s not about fiscal responsibility; it never was. It was always about using hyperbole about the dangers of debt to dismantle the welfare state. How dare the French take the alleged worries about the deficit literally, while declining to remake their society along neoliberal lines?
(Paul Krugman)
Que haja quem o escreva, com todas as letras, e que haja quem o leia.
(Paul Krugman)
Que haja quem o escreva, com todas as letras, e que haja quem o leia.
quarta-feira, setembro 04, 2013
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
No cais da estação Campo Grande, linha verde, sentido Telheiras, um leitor lia "David Copperfield", na edição da Relógio d'Água.
Dickens rula! Sempre rulou e sempre há-de rular.
Dickens rula! Sempre rulou e sempre há-de rular.
segunda-feira, setembro 02, 2013
ESTAMOS ENTENDIDOS
Quando um Primeiro-Ministro se sai com uma destas...
ficamos a saber, de uma vez por todas, que foram abolidos todos os limites para a demagogia, a desfaçatez e a falta de sentido democrático. Obrigado ao Primeiro-Ministro por ajudar a dissipar quaisquer dúvidas que alguns ingénuos ainda pudessem alimentar a este respeito.
(Ler também: "Para que serve esta merda?".)
“Já alguém perguntou aos 900 mil desempregados de que lhe [sic] valeu a Constituição até hoje?”
ficamos a saber, de uma vez por todas, que foram abolidos todos os limites para a demagogia, a desfaçatez e a falta de sentido democrático. Obrigado ao Primeiro-Ministro por ajudar a dissipar quaisquer dúvidas que alguns ingénuos ainda pudessem alimentar a este respeito.
(Ler também: "Para que serve esta merda?".)
sábado, agosto 31, 2013
SEAMUS HEANEY 1939-2013
Recordo-me bem da minha reacção emocional quando soube, pela rádio, da atribuição do Prémio Nobel da Literatura ao poeta Seamus Heaney. Os anos passaram, interesso-me cada vez menos pelo Nobel e pelas ondulações mediáticas que o acompanham, mas a admiração por Heaney, sem dúvida um dos grandes do século XX, não fez senão consolidar-se.
Song
A rowan like a lipsticked girl.
Between the by-road and the main road
Alder trees at a wet and dripping distance
Stand off among the rushes.
There are the mud-flowers of dialect
And the immortelles of perfect pitch
And that moment when the bird sings very close
To the music of what happens
(Mais poemas deste autor.)
Song
A rowan like a lipsticked girl.
Between the by-road and the main road
Alder trees at a wet and dripping distance
Stand off among the rushes.
There are the mud-flowers of dialect
And the immortelles of perfect pitch
And that moment when the bird sings very close
To the music of what happens
(Mais poemas deste autor.)
sexta-feira, agosto 30, 2013
SÓ O CINEMA
Esta notícia sobre dois pseudo-afogados que regressam e ficam surpreendidos com a consternação gerada pelo seu desaparecimento fez-me imediatamente lembrar esta cena comovente do belíssimo filme "À Beira do Mar Azul", de Boris Barnet.
MASHA (preocupada): Quem morreu? Digam-me quem morreu!
O AMIGO (eufórico): Foste tu!
By The Bluest Of Seas (1936) pt. 1 por karimberdi
MASHA (preocupada): Quem morreu? Digam-me quem morreu!
O AMIGO (eufórico): Foste tu!
By The Bluest Of Seas (1936) pt. 1 por karimberdi
segunda-feira, agosto 19, 2013
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
No comboio, entre Espinho e o Porto: um leitor lia os "Contos" de Eça de Queiroz. Estava vestido com um pólo dos CTT.
Noutro comboio, entre Coimbra e o Porto: uma leitora lia "El Misterio de la Cripta Embrujada", de Eduardo Mendoza, mas interrompeu a leitura para uma sessão de galhofa com os companheiros de viagem, jovens e espanhóis como ela.
Noutro comboio, entre Coimbra e o Porto: uma leitora lia "El Misterio de la Cripta Embrujada", de Eduardo Mendoza, mas interrompeu a leitura para uma sessão de galhofa com os companheiros de viagem, jovens e espanhóis como ela.
domingo, agosto 04, 2013
FILMES 2012
Passaram-se meses desde que divulguei os lugares 6 a 10 do meu top de 2012. Este atraso colossal, quase digno de uma empreitada pública, deixa-me corado de vergonha. Sem mais demoras, e limitando os comentários ao mínimo, aqui fica a lista dos meus filmes preferidos do ano passado. A lista não segue qualquer ordem particular.
Filmes vistos na Cinemateca, festivais, sessões especiais, etc:
Filme mais sobrevalorizado: "Shame", Steve McQueen. Cena mais sobrevalorizada do ano: aquela em que Carey Mulligan canta "New York, New York", em "Shame". O que é que as pessoas viram nesta cena, tão celebrada? Será sempre um mistério para mim.
- "L'Apollonide - Souvenirs de la Maison Close", Bertrand Bonello. Um filme belo, claustrofóbico e doentio. Entretanto também vi o excelente "Le Pornographe", segunda longa-metragem de um realizador que eu não conhecia até aqui.
- "Gebo et l'Ombre", de Manoel de Oliveira. Assombrosa demonstração de como Oliveira continua a ser dos poucos que consegue combinar um perfeito rigor da mise en scène com a liberdade absoluta concedida aos seus actores/cúmplices. De entre estes, sem querer menorizar o talento dos demais, não resisto a destacar o extraordinário Michael Lonsdale.
- "Holy Motors", de Leos Carax. O filme mais original do ano e também uma das mais poderosas homenagens ao cinema, ao que ele possui de indomável e complexo, que vi nos últimos anos. Quanto ao actor principal, Denis Lavant, renunciei até hoje a esgravatar no baú dos adjectivos para me referir ao seu desempenho neste filme, e não é agora que o vou fazer. É trabalho escusado.
- "Tabu", de Miguel Gomes. Tocante e inteligente. O filme certo no tempo certo, um tempo em que o cepticismo relativamente ao cinema português e ao seu próprio direito a existir e a ser apoiado atingiu níveis nunca vistos. O reconhecimento internacional massivo foi, por isso, muito oportuno, para além de merecido.
- "Era Uma Vez na Anatólia", de Nuri Bilge Ceylan. Serviu para me reconciliar com este realizador, depois do passo em falso que foi "Três Macacos".
Filmes vistos na Cinemateca, festivais, sessões especiais, etc:
- "La Nuit du Carrefour", Jean Renoir
- "Providence", Alain Resnais
- "Les Favoris de la Lune", Otar Iosseliani
- "Mercado de Futuros", Mercedes Álvarez
- "Blow Out", Brian De Palma
- "L'Art d'Aimer", Emmanuel Mouret
- "Ashes/Mekong Hotel", Apichatpong Weerasethakul
- "A Summer at Grandpa's", Hou Hsiao-Hsien
- "El Sur", Victor Erice
Filme mais sobrevalorizado: "Shame", Steve McQueen. Cena mais sobrevalorizada do ano: aquela em que Carey Mulligan canta "New York, New York", em "Shame". O que é que as pessoas viram nesta cena, tão celebrada? Será sempre um mistério para mim.
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Michael Lonsdale e Leonor Silveira em "Gebo et l'Ombre", de Manoel de Oliveira (2011). |
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na linha verde do metropolitano, uma leitora com indumentária de veraneante lia "Tess of the D'Urbervilles". Será que Thomas Hardy entra na categoria de literatura de praia? E porque não? Há que pensar fora da caixa, pulverizar fronteiras, insurgir-se contra categorias caducas.
sábado, agosto 03, 2013
SAUDÁVEL DIVERGÊNCIA DE OPINIÕES
I find it the most extraordinary piece of wit & wisdom that America has yet contributed. I am very happy in reading it, as great power makes us happy. It meets the demand I am always making of what seemed the sterile & stingy Nature, as if too much handiwork or too much lymph in the temperament were making our western wits fat & mean.
(Ralph Waldo Emerson, carta dirigida a Walt Whitman a propósito da 1ª edição de "Leaves of Grass")
A mass of stupid filth.
(Excerto de uma crítica à 1ª edição de "Leaves of Grass", no semanário "Criterion")
(Ralph Waldo Emerson, carta dirigida a Walt Whitman a propósito da 1ª edição de "Leaves of Grass")
A mass of stupid filth.
(Excerto de uma crítica à 1ª edição de "Leaves of Grass", no semanário "Criterion")
BERNADETTE LAFONT (1938-2013)
Talvez acabe por ser recordada sobretudo por causa de "Les Mistons" (curta-metragem de Truffaut, um dos filmes fundadores da nouvelle vague) e pelo seu papel no imenso e marcante "La Maman et la Putain", de Jean Eustache. Quanto a mim, associo-a automaticamente a Sarah, personagem discreta mas poderossíssima do lendário filme de Rivette "Out One".
quarta-feira, julho 31, 2013
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Em plena Avenida de Roma, uma leitora lia o "Jornal de Letras", em regime ambulatório. Regra geral, os periódicos não são elegíveis para esta rubrica, mas resolvi abrir uma excepção neste caso por uma pletora de razões.
Na sempre fiel linha verde do metropolitano, um leitor brandia a edição da Guimarães da "Antologia da Páginas Íntimas" de Kafka, deixando no ar a ideia de que a estivera a ler.
Numa ocasião separada, na mesma linha, uma leitora lia "O Cão Amarelo", de Martin Amis.
Indiferentes ao desfile de vaidades e podridões que os rodeia, os leitores em lugares públicos continuam a entregar-se à sua inclinação, que é também uma missão das mais nobres.
Na sempre fiel linha verde do metropolitano, um leitor brandia a edição da Guimarães da "Antologia da Páginas Íntimas" de Kafka, deixando no ar a ideia de que a estivera a ler.
Numa ocasião separada, na mesma linha, uma leitora lia "O Cão Amarelo", de Martin Amis.
Indiferentes ao desfile de vaidades e podridões que os rodeia, os leitores em lugares públicos continuam a entregar-se à sua inclinação, que é também uma missão das mais nobres.
quinta-feira, julho 25, 2013
PÉROLAS DA PARIS REVIEW
INTERVIEWER: Are your characters trying to do what matters?
RAYMOND CARVER: I think they are trying. But trying and succeeding are two different matters.
(...)
RAYMOND CARVER: Any writer worth his salt writes as well and as truly as he can and hopes for as large and perceptive a readership as possible. So you write as well as you can and hope for good readers.
(The Paris Review Interviews, Vol. 3)
RAYMOND CARVER: I think they are trying. But trying and succeeding are two different matters.
(...)
RAYMOND CARVER: Any writer worth his salt writes as well and as truly as he can and hopes for as large and perceptive a readership as possible. So you write as well as you can and hope for good readers.
(The Paris Review Interviews, Vol. 3)
terça-feira, julho 23, 2013
DESVIANTES E PERVERSOS
Portugal tornou-se um paraíso mundial de comportamentos desviantes e perversos.
Quem o diz é João César das Neves, e como sempre tem toneladas de razão. Só hoje, no caminho entre minha casa e a estação de metro, deparei com dois casos de zoofilia (um deles, por sinal, particularmente escabroso tendo em conta a espécie envolvida), um fetichista de mãos, um outro de pés, um exibicionista, uma ninfomaníaca e ainda um cidadão que se entregava a actos aviltantes com um melão pele-de-sapo.
No verão de 2006 não se via nada disto. Era tudo gente serena e canónica nas suas inclinações. As leis laxistas aprovadas pelos fanáticos que ocupam a Assembleia trouxeram-nos para este lamaçal moral onde todos patinhamos.
Quem o diz é João César das Neves, e como sempre tem toneladas de razão. Só hoje, no caminho entre minha casa e a estação de metro, deparei com dois casos de zoofilia (um deles, por sinal, particularmente escabroso tendo em conta a espécie envolvida), um fetichista de mãos, um outro de pés, um exibicionista, uma ninfomaníaca e ainda um cidadão que se entregava a actos aviltantes com um melão pele-de-sapo.
No verão de 2006 não se via nada disto. Era tudo gente serena e canónica nas suas inclinações. As leis laxistas aprovadas pelos fanáticos que ocupam a Assembleia trouxeram-nos para este lamaçal moral onde todos patinhamos.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Um leitor lia um livro de Jorge Luis Borges enquanto esperava na fila para o autocarro da empresa "Mafrense". Foi no terminal de camionetas do Campo Grande. Pareceu-me que o livro era "O Relatório de Brodie", mas não consegui tirar a limpo.
Um leitor em lugares públicos é um peão numa batalha sem fim. Todos os minutos contam!
Um leitor em lugares públicos é um peão numa batalha sem fim. Todos os minutos contam!
domingo, julho 21, 2013
TURISMO CINÉFILO
Ao folhear o "Guide du Routard" dedicado a Lisboa, deparo com um parágrafo relativo ao cinema português. São citados Manoel de Oliveira, João César Monteiro, Pedro Costa, Teresa Villaverde, Manuela Viegas, Joaquim Sapinho e João Pedro Rodrigues, entre outros. O apego dos franceses pelo cinema manifesta-se das maneiras mais inesperadas.
NÃO RECONCILIADOS
Desconfio sempre dos apelos ao consenso. Por mais repletos de boas intenções que estejam, costumam soar em demasia a tentativas de manter o status quo e de fazer prevalecer uma linha de pensamento ou acção, supostamente merecedora de aprovação consensual, em detrimento de outras. Esse tal pensamento ou essa tal acção, na óptica destes patrióticos e responsáveis apelos à concórdia, seriam por definição partilhados por todas as pessoas de bom senso e só o espírito de facção leva a que alguns façam finca-pé em posições heterodoxas.
A crise política que atravessou as últimas semanas, com epicentro em Belém, São Bento e Largo do Caldas e sucursal nas Ilhas Selvagens, encaixa em pleno neste figurino. (Uso o tempo presente, mas não duvido de que o Senhor Presidente da República se encarregará de pôr cobro à crise com uma comunicação sábia e certeira, hoje mesmo, às 20h30, tempo médio de Greenwich.)
A democracia implica a coexistência de opiniões diversas. Pretender que essa diversidade deve ser anulada em nome de um rumo comum é falacioso e perigoso. Acenar com o carácter excepcional da situação pode ser um eficaz meio de coerção, mas não representa um argumento real. Ainda que com fortes constrangimentos, ainda que sob um programa de assistência, governar Portugal pressupõe ainda fazer política e implica escolhas. E quem se responsabilize por essas escolhas, como é óbvio.
É nestas ocasiões que mais sinto vontade de ver filmes de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub.
A crise política que atravessou as últimas semanas, com epicentro em Belém, São Bento e Largo do Caldas e sucursal nas Ilhas Selvagens, encaixa em pleno neste figurino. (Uso o tempo presente, mas não duvido de que o Senhor Presidente da República se encarregará de pôr cobro à crise com uma comunicação sábia e certeira, hoje mesmo, às 20h30, tempo médio de Greenwich.)
A democracia implica a coexistência de opiniões diversas. Pretender que essa diversidade deve ser anulada em nome de um rumo comum é falacioso e perigoso. Acenar com o carácter excepcional da situação pode ser um eficaz meio de coerção, mas não representa um argumento real. Ainda que com fortes constrangimentos, ainda que sob um programa de assistência, governar Portugal pressupõe ainda fazer política e implica escolhas. E quem se responsabilize por essas escolhas, como é óbvio.
É nestas ocasiões que mais sinto vontade de ver filmes de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub.
sábado, julho 20, 2013
O ENIGMA NÃO EXISTE
Já há quem cite Wittgenstein a propósito da crise política, neste caso o ex-ministro Rui Pereira. Pergunto-me se isto é bom ou mau sinal.
O enigma não existe.
Se se pode de todo fazer uma pergunta, então também se pode respondê-la.
(L. Wittgenstein, "Tratado Lógico-Filosófico", 6.5, tradução de M.S. Lourenço, Fundação Calouste Gulbenkian)
O enigma não existe.
Se se pode de todo fazer uma pergunta, então também se pode respondê-la.
(L. Wittgenstein, "Tratado Lógico-Filosófico", 6.5, tradução de M.S. Lourenço, Fundação Calouste Gulbenkian)
sexta-feira, julho 19, 2013
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Na linha vermelha do metropolitano, um leitor cedeu ao sono quase imediatamente após ter começado a ler "Uma Viagem à Índia", de Gonçalo M. Tavares.
Na linha verde, uma leitora lia "The Great Gatsby" na versão original.
E se a Salvação Nacional acontecesse por obra e graça dos leitores em lugares públicos?
Na linha verde, uma leitora lia "The Great Gatsby" na versão original.
E se a Salvação Nacional acontecesse por obra e graça dos leitores em lugares públicos?
segunda-feira, julho 15, 2013
SÓ O CINEMA
"Éloge de l'Amour", de Godard. Revejo-o por necessidade, por compulsão. De cada vez, sinto-me como se tivesse aprendido coisas novas sobre o filme e sobre a vida - mas também como se aquilo que desaprendi e deixei de perceber pesasse mais, muito mais, no outro prato da balança. A perplexidade é um exercício duro e demorado. Toda a ajuda é bem-vinda.
Mas este afinal é um filme que nos fala da ambição mais simples de todas - a de ser adulto. A mais simples e a mais desmesurada. Porque um adulto não é coisa alguma - como é dito no filme. Edgar pode ser o único homem que tenta ser adulto (no filme ou na vida?). Isso não faz dele um exemplo a seguir. Implica apenas que está a caminho de se tornar invisível. Nessa altura, o problema ficará resolvido.
Talvez volte a escrever sobre este filme. Ou talvez não. Não importa.
Mas este afinal é um filme que nos fala da ambição mais simples de todas - a de ser adulto. A mais simples e a mais desmesurada. Porque um adulto não é coisa alguma - como é dito no filme. Edgar pode ser o único homem que tenta ser adulto (no filme ou na vida?). Isso não faz dele um exemplo a seguir. Implica apenas que está a caminho de se tornar invisível. Nessa altura, o problema ficará resolvido.
Talvez volte a escrever sobre este filme. Ou talvez não. Não importa.
domingo, julho 14, 2013
14 DE JULHO
A Bastilha caiu há 224 anos. O mundo mudou. Levou tempo, mas mudou. E para muito melhor, mau grado todos os avanços e recuos e todos os desvarios da natureza humana que não olham a contextos históricos.
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Imagem retirada daqui. |
sábado, julho 13, 2013
PÉROLAS DA PARIS REVIEW
JOYCE CAROL OATES: The thought of dictating into a machine doesn't appeal to me at all. Henry James's later works would have been better had he resisted that curious sort of self-indulgence, dictating to a secretary.
(...)
JOYCE CAROL OATES: Generally I've found this to be true: I have forced myself to begin writing when I've been utterly exhausted, when I've felt my soul as thin as a playing card, when nothing has seemed worth enduring for another five minutes... and somehow the activity of writing changes everything.
(The Paris Review Interviews, Vol.3)
(...)
JOYCE CAROL OATES: Generally I've found this to be true: I have forced myself to begin writing when I've been utterly exhausted, when I've felt my soul as thin as a playing card, when nothing has seemed worth enduring for another five minutes... and somehow the activity of writing changes everything.
(The Paris Review Interviews, Vol.3)
quarta-feira, julho 10, 2013
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Leitora na carruagem do metropolitano, de pé, lendo livro (não identificado) de Orhan Pamuk.
Leitora na plataforma da estação do Campo Grande, subsequentemente na carruagem e novamente fora dela, de pé, lendo "Amor de Perdição".
A linha verde: onde os clássicos e os contemporâneos se encontram!
Leitora na plataforma da estação do Campo Grande, subsequentemente na carruagem e novamente fora dela, de pé, lendo "Amor de Perdição".
A linha verde: onde os clássicos e os contemporâneos se encontram!
sábado, julho 06, 2013
ESCOMBROS
Os leitores mais ou menos fiéis deste blog sabem que a política nacional é aqui um tema tratado de forma esparsa, se não mesmo bissexta. A semana alucinante que o país acabou de viver, apesar da intensidade das emoções, não foi de molde a encorajar-me à prolixidade. Não é que não haja muito para dizer; certamente que HÁ muito para dizer. Sucede que esse muito que há para dizer já foi sendo dito, com várias gradações de incredulidade e escândalo, por batalhões de comentadores e pelas redes sociais. O que resta são escombros, inqualificáveis e indescritíveis, os escombros da credibilidade de que este governo ainda usufruía. Os mais militantes, ou aqueles que estão obrigados profissionalmente a comentar e analisar, irão ainda discutir longamente qual foi exactamente a proporção de inépcia, spin, choque de egos, putsch canhestro e estratégia nos acontecimentos da última semana. Por mim, o caso está encerrado. A não ser que o senhor Presidente da República sofra uma convulsão de lucidez, vamos ver perpetuar-se um governo que estará permanentemente à mercê dos humores de um ministro de Estado, sem qualquer garantia de estabilidade, resultante de uma espécie de tratado de Tordesilhas cozinhado à pressão e sob chantagem.
Acrescento apenas isto, redundante mas demasiado chocante para passar em claro. Tendo acompanhado a vida pública de Paulo Portas ao longo de mais de 20 anos, acreditava ter formado uma ideia aproximada do que ele era capaz, mas eis que ele se ultrapassa. Chega a ser arrepiante, para além de ofensivo para o pudor, presenciar os extremos de ignomínia e falsidade que uma pessoa atinge para satisfazer a sua ambição de poder. Apetece formular a pergunta fatídica: «Como é que ele consegue dormir»? Mas não me parece que se justifiquem inquietações acerca da qualidade do sono do futuro vice-primeiro-ministro.
Acrescento apenas isto, redundante mas demasiado chocante para passar em claro. Tendo acompanhado a vida pública de Paulo Portas ao longo de mais de 20 anos, acreditava ter formado uma ideia aproximada do que ele era capaz, mas eis que ele se ultrapassa. Chega a ser arrepiante, para além de ofensivo para o pudor, presenciar os extremos de ignomínia e falsidade que uma pessoa atinge para satisfazer a sua ambição de poder. Apetece formular a pergunta fatídica: «Como é que ele consegue dormir»? Mas não me parece que se justifiquem inquietações acerca da qualidade do sono do futuro vice-primeiro-ministro.
PÉROLAS DA PARIS REVIEW
JOHN CHEEVER: The legend that characters run away from their authors - taking up drugs, having sex operations, and becoming president - implies that the writer is a fool with no knowledge or mastery of his craft.
(The Paris Review Interviews, Vol.3)
(The Paris Review Interviews, Vol.3)
PÉROLAS DA PARIS REVIEW
INTERVIEWER: Do you have a particular interest in psychology?
HAROLD PINTER: No.
("The Paris Review Interviews", Vol.3)
HAROLD PINTER: No.
("The Paris Review Interviews", Vol.3)
quarta-feira, julho 03, 2013
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
"O Príncipe", de Machiavelli, lido de pé por um passageiro da linha verde do metropolitano, decerto plenamente ciente de como a sua leitura em lugar público se adequa aos tempos que vivemos.
segunda-feira, julho 01, 2013
DEVE & HAVER
Ora então vejamos.
Num dos pratos da balança:
Num dos pratos da balança:
- Insistência inflexível na austeridade, para lá de tudo aquilo que o memorando impunha, com efeitos recessivos profundos à medida de multiplicadores barbaramente subestimados.
- Desvios sucessivos entre as previsões e a realidade, em todos os indicadores: défice, desemprego, PIB, receita fiscal.
- Dois orçamentos inconstitucionais dois.
- Rácio dívida pública/PIB sempre a crescer, apesar das doses cavalares de austeridade.
- Uma economia de rastos.
- Cinismo e insensibilidade no discurso: pode começar-se o florilégio por "Não fui eleito coisíssima nenhuma" e ir por aí fora, sem receio de que falte o material.
- Uma dicção irrepreensível.
- Dizem que tinha muitos amigos lá fora e que transpirava credibilidade.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS
Leitora a ler "Crime e Castigo". Na linha verde do metropolitano, os clássicos nunca deixaram de estar na moda e nunca deixarão de estar!
FONTES
No Diário de Notícias:
SAÍDA DE GASPAR PROVOCA AUMENTO NAS TAXAS DE JURO DE PORTUGAL
com link para o Dinheiro Vivo, onde afinal de contas se lê
JUROS DA DÍVIDA MANTÊM-SE ESTÁVEIS APESAR DA SAÍDA DE GASPAR
Ou de como vale sempre a pena ir consultar as fontes.
SAÍDA DE GASPAR PROVOCA AUMENTO NAS TAXAS DE JURO DE PORTUGAL
com link para o Dinheiro Vivo, onde afinal de contas se lê
JUROS DA DÍVIDA MANTÊM-SE ESTÁVEIS APESAR DA SAÍDA DE GASPAR
Ou de como vale sempre a pena ir consultar as fontes.
sexta-feira, junho 14, 2013
MIL OLHOS
É continuar a tentar. O sucesso exige perseverança, esforço e alguma sorte.
Temos mil olhos, como o Dr. Mabuse. Mas há coisas que nos escapam, de vez em quando. Demasiados leitores e demasiados lugares públicos.
Temos mil olhos, como o Dr. Mabuse. Mas há coisas que nos escapam, de vez em quando. Demasiados leitores e demasiados lugares públicos.
quarta-feira, junho 05, 2013
DA CONCISÃO
Dois jovens de vinte anos passam o seu tempo nos cafés parisienses à volta de raparigas. Uma das tentativas de engate dá para o torto.
Este é sem dúvida um dos melhores resumos de filme que li em toda a minha vida, e olhem que não li poucos. É da autoria de Antonio Rodrigues e diz respeito ao filme "Du Côté de Robinson", de Jean Eustache. (Folhas da Cinemateca, Cinemateca Portuguesa, 2008.)
O facto de se aplicar igualmente a pelo menos 50 % dos filmes da primeira fase da Nouvelle Vague não lhe retira mérito.
sábado, junho 01, 2013
TELHADOS DE PELÍCULA ADERENTE DE MARCA BRANCA
A blogosfera favorece a preguiça. Após ter lido a crónica que Vasco Graça Moura perpetrou há alguns dias, na qual se insurgia contra a proliferação do insulto, cheguei a sentir vontade de meter mãos à tarefa de prospecção dos escritos pretéritos deste cavalheiro e recolher alguns exemplos em que ele próprio deixou fugir (e com que ardor!) o pé para a chinela do impropério. Tratando-se de um caso de contumácia que dura há anos, não faltaria a matéria prima. Demoveu-me a certeza de que alguém, algures, haveria de se dedicar a essa missão, sem dúvida com maior brio e exaustividade. Está feito. E estou certo de que o fundo da arca ficou ainda por raspar.
Vasco Graça Moura é uma figura que me deixa perplexo. Respeito o erudito, o tradutor de Dante e Shakespeare. Admiro a persistência com que tem combatido esse delírio disforme conhecido nalguns meios como "Acordo Ortográfico" e identifico-me com esse combate. Desprezo a criatura que, periodicamente, se entrega aos mais requintados e virulentos exercícios de vitupério dirigidos contra todos aqueles que não partilham das suas mundividências políticas e sociais, muito em particular todos aqueles que votaram PS ou que não consideram José Sócrates o português mais ignóbil desde Miguel Vasconcelos.
Vir agora esta mesmíssima pessoa mostrar surpresa por uma suposta "proliferação do insulto" seria chocante se não fosse, bem vistas as coisas, perfeitamente coerente com o seu défice de sintonia em relação à realidade que o rodeia.
Nem sequer se aplica a expressão "telhados de vidro". O vidro é um material nobre, versátil e mal servido pela sua reputação de fragilidade. Isto são telhados de hóstia, de película aderente de marca branca ou de papel higiénico de folha simples.
Vasco Graça Moura é uma figura que me deixa perplexo. Respeito o erudito, o tradutor de Dante e Shakespeare. Admiro a persistência com que tem combatido esse delírio disforme conhecido nalguns meios como "Acordo Ortográfico" e identifico-me com esse combate. Desprezo a criatura que, periodicamente, se entrega aos mais requintados e virulentos exercícios de vitupério dirigidos contra todos aqueles que não partilham das suas mundividências políticas e sociais, muito em particular todos aqueles que votaram PS ou que não consideram José Sócrates o português mais ignóbil desde Miguel Vasconcelos.
Vir agora esta mesmíssima pessoa mostrar surpresa por uma suposta "proliferação do insulto" seria chocante se não fosse, bem vistas as coisas, perfeitamente coerente com o seu défice de sintonia em relação à realidade que o rodeia.
Nem sequer se aplica a expressão "telhados de vidro". O vidro é um material nobre, versátil e mal servido pela sua reputação de fragilidade. Isto são telhados de hóstia, de película aderente de marca branca ou de papel higiénico de folha simples.
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