domingo, abril 10, 2011

APICHATQUÊ? (1): Apropriadamente, foi no dia 1 de Abril que fui ver "O Tio Bonmee...", de Apichatpong Weerasethakul. A estreia deste filme, de tantas vezes prometida e adiada, quando por fim sucedeu não pôde deixar de se parecer com uma aldrabice adequada à data em questão.


Primeira impressão: um filme imenso, rico, livre e profundo como a vida (ou como deveria ser a vida). Não é, contudo, como cheguei a prever a partir de comentários e críticas que tinha lido, um salto qualitativo ou uma ruptura estética relativamente às obras anteriores de AW. Simplesmente, o mundo do cinema (e muito graças à ousadia do júri de Cannes presidido por Tim Burton) convenceu-se finalmente de que está perante um dos mais importantes e originais criadores contemporâneos. "O Tio Boonmee..." serviu, assim, para atrair atenções que tinham ficado indiferentes a outras obras-primas como "Tropical Malady", "Blissfully Yours" ou o meu favorito pessoal, "Syndromes and a Century".
BROWNIE POINTS: Durante um período excessivamente longo da minha vida, acreditei que a expressão "brownie points" dizia respeito àqueles deliciosos bolinhos quadrangulares de chocolate. Cada ponto, cada brownie: uma unidade monetária gustativa e nutritiva destinada a premiar boas acções e feitos valorosos. E afinal, a etimologia desta expressão é um viveiro de mistérios e conjecturas.

quinta-feira, março 31, 2011

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na inevitável linha verde do metropolitano, um leitor impecavelmente vestido lia "O Processo", de Franz Kafka. Tudo levava a crer que estava a encetar a leitura ali mesmo. Pareceu imperturbável quando se inteirou de que alguém deve ter andado a difamar Josef K., que numa manhã foi preso sem ter cometido qualquer crime.

quarta-feira, março 30, 2011

Si tu es dans un labyrinthe
Pousse-moi du coude
Je suis là dans le coin
Moi que tu ne cherches plus

(Christian Dotremont)

segunda-feira, março 28, 2011

A SÍNDROME DA CHINA: Encontrei finalmente a solução para revitalizar este blog, demasiado intermitente para acompanhar a vibração do mundo contemporâneo. É assim: vou contratar o melhor blogger chinês. Este blog passará a receber pelo menos 400 ou 500 internautas chineses por dia. Vão chover as comissões e os sponsors. Aliás, justifica-se criar um departamento só para o blogger chinês. Sócios, é este o projecto! É este o futuro! Estou concentradíssimo! Para além disto, a única coisa que se me oferece dizer sobre a situação no Sporting é o seguinte: obrigado aos apoiantes do candidato derrotado por, na sua fúria, não terem vandalizado o Lidl, que tem uns iogurtes excelentes e cuja secção de congelados mete respeito.
Essa música é linda....já me suicidei 3 vezes depois de ouvi-la. (Comentário à canção "Minha História", de Chico Buarque, no YouTube.)
IMITATED BY LIFE: Oscar Wilde afirmou que o Tamisa passou a ter nevoeiros mais densos depois dos quadros de Turner, mas nem sempre a vida imita a arte de forma tão obsequiosa. Por exemplo, como eu gostaria que Lisboa se parecesse mais com algumas das cenas de "O Bobo", de José Álvaro Morais, ou "Vai-e-vem" de João César Monteiro.

quarta-feira, março 23, 2011

When will you ever, Peace, wild wooddove, shy wings shut, Your round me roaming end, and under be my boughs? (Gerard Manley Hopkins)
(Cy Twombly)

segunda-feira, março 21, 2011

AQUI CLAMA-SE POR JUSTIÇA: Na "Ler" de Fevereiro, o Rogério escreveu, acerca de Lydia Davis: «Nos melhores momentos, o método recorda Donald Barthelme». (Frase pouco económica, diga-se de passagem: se evocam Barthelme, os momentos em questão são forçosamente os melhores.) Há dias, um amigo e blogger revelou-me, em conversa privada, que devorou (com evidente gosto) livro após livro de Barthelme. E um velho clamor meu faz-se novamente escutar, das profundezas da minha incompreensão: como é possível que um dos mais sublimes escritores americanos do século XX permaneça por traduzir em Portugal? Alguém que me agarre, caso contrário um dia destes fecho-me numas águas-furtadas insalubres e só de lá saio quando tiver traduzido "The Catechist", "Will You Tell Me?", "Kierkegaard Unfair to Schlegel", "Robert Kennedy Saved From Drowning", "King of Jazz", "The Indian Uprising" e mais uns quantos.

quarta-feira, março 16, 2011

CINEMA: Fiquei desapontado com o documentário "Deux de la Vague", de Emmanuel Laurent. Falta-lhe originalidade e não se percebe a quem se dirige: se a quem nada sabe sobre a Nouvelle Vague (mas será que esses irão gastar o preço de um bilhete de cinema para ver um filme sobre o assunto?) se aos iniciados (mas nesse caso teria valido a pena ir mais longe na originalidade, procurar um ponto de vista mais pessoal, não se limitar a repetir uma história tantas vezes contada). A ideia de intercalar imagens de Isild Le Besco (actriz francamente estimável, por sinal) a folhear números antigos dos "Cahiers" ou a passear por Paris não se compreende (esboço de esquema formal? tentativa de descolar do figurino de documentário?). Esperava mais do argumentista Antoine de Baecque. Entre os momentos mais conseguidos:
  • as imagens de um filme de Jean Rouch, caracterizadas por um estilo de montagem precursor de "À Bout de Souffle"
  • Godard, em entrevista, sobre Rossellini: «Admiro-o porque ele tem muitos filhos e muitos cães para alimentar, e no entanto faz filmes ousadíssimos.» (Citado de memória, negrito meu.)

quinta-feira, março 10, 2011

SE ME CONCEDESSEM 2O SEGUNDOS PARA FALAR A SÓS COM O CEO DA MICROSOFT, O QUE EU LHE DIRIA ERA ISTO: Eu sei perfeitamente que tenho ícones não utilizados no meu ambiente de trabalho!
2003 RULES!: Obrigado! Ena, posts de parabéns e agradecimentos! A nostalgia invade-me! Voltámos a 2003! Blair e Bush preparam a invasão do Iraque! Gus Van Sant ganhou a Palma de Ouro! Fari está prestes a sagrar-se melhor marcador da Liga!
À VENDA NAS BOAS CASAS: Já anda por aí o volume 52 dos "Livrinhos de Teatro" dos Artistas Unidos: "A Europeia e outros textos", de David Lescot. Eu fiz a tradução da terceira peça, "O Aperfeiçoamento". Espero vir um dia a assistir a uma encenação desta peça, mas pergunto-me se haverá muitos actores à altura do desafio. Este monólogo exige uma panóplia de qualidades (incluindo de acrobata) que não é comum ver reunidas num mesmo actor. Uma certa dose de insanidade também deve ajudar.

terça-feira, março 01, 2011

ANTES E DEPOIS: Outras das coisas que eram verdade nesse tempo: os votos de feliz aniversário de cada vez que um blog fazia anos (1 ano, 2 anos, 3 anos os mais velhotes). Era piroso, era paroquial mas tinha graça nos vários sentidos da palavra. Dava pouco trabalho; os blogs que eu seguia e que me interessavam cabiam numa página de um cadernito de endereços. Hoje, seria precisa uma página e meia. O 1bsk faz anos hoje. Oito anos. Obrigado a todos os leitores. Isto é para continuar. O ruído destes anos foi o das minhas hierarquias a desmoronarem-se e a reerguerem-se. Muitas coisas passaram ser mais nítidas e mais opacas. E assim é que eu gosto. O olhar de Ingrid Thulin no filme "O Silêncio" continua a presidir a tudo isto.

segunda-feira, fevereiro 28, 2011

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha verde do metropolitano, uma leitora lia "A Sociedade de Consumo", de Jean Baudrillard.

domingo, fevereiro 27, 2011

REVISIONISTAS DE TODO O MUNDO, UNI-VOS!: Pelos vistos, os artigos do Professor João César das Neves não são traduzidos para o idioma árabe. Se o são, não têm a divulgação que merecem. Os povos da Líbia, Bahrein e outras nações insistem na revolta, apesar de JCN ter demonstrado, com a maior limpidez argumentativa, que estão a colocar em risco a sua própria liberdade e que se deviam contentar com a opressão actual em vez de dar largas às suas aspirações por mais democracia e mais justiça. Coitados, correm para a perdição. En passant, JCN encontra espaço para o enésimo paralelo com a 1ª República portuguesa, decididamente um termo de comparação assombrosamente prolífico. Nisto, JCN faz émulos. Há dias, Joe Berardo, em declarações cuja ausência de ecos revela a escassa importância atribuída à criatura, veio preconizar um "novo género de ditadura", corolário lógico de uma democracia que está "podre". Com um sentido do timing devastador, eis que JB se entrega, também ele, ao exercício de historiografia: «Alguém tem que vir com um novo sistema de democracia e, se for preciso, mudar o sistema político (...). [Quando] Salazar tomou conta de Portugal não havia alimentação e havia bombas em Lisboa todos os dias nos anos 30». O comendador tem toneladas de razão: dinamite e distúrbios são muito mais perniciosos para a economia e para a paz pública do que prisões políticas, tortura, degredo e censura. Seja qual for a ponta por onde se lhe pegue, a democracia é um empecilho.
PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: O aspecto mais curioso de "Jane Eyre" é que se presta com igual ductilidade a ser lido como um manifesto proto-feminista e como o seu oposto. A obsessão de Jane em apoderar-se do próprio destino, ainda que à custa da indigência e da solidão mais absoluta, coexiste ao longo do romance com a sua dedicação total a Rochester, que acaba por tomar o lugar de qualquer ambição pessoal que alguma vez tenha alimentado. O conjunto de circunstâncias que lhe permite, no fim, conciliar a adesão estrita aos seus princípios e a união com um Rochester cego e estropiado, para lá da inverosimilhança e do patético, tem algo de prestidigitatório mas não isento de coerência moral. Confesso que o efeito, quer o pretendido pela autora quer o que resultou da minha leitura (não é garantido que coincidam), quase foi comprometido pela personagem - talvez uma das mais sinistras de toda a literatura inglesa - de St. John Rivers, esse monstro rigorista. O simples facto de Jane ter sequer considerado unir-se a ele em matrimónio e de o acompanhar à Índia está de tal modo desfasado do seu carácter que me pergunto se Charlotte Brontë não terá cedido à tentação de testar a credulidade do leitor - um pequeno jogo que, afinal de contas, nunca fez mal a ninguém.

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

MAIS BUSCAS RECENTES QUE VIERAM PARAR AO 1BSK, PARA MAL DOS PECADOS DOS PRINCIPAIS INTERESSADOS:
  • "cinderela de carlos paião em linguagem simbólica" (porque não em morse?)
  • "episódio das aventuras de elion em português" (não olhem para mim, sei tanto como vocês)

E, na categoria "parabéns pelo bom gosto":

  • "operação jean-luc godard diário de notícias"
  • "rui cóias"
  • "retratos de odilon redon"
HÁ UM NOVO GATO EM DOWNING STREET...: ...para erradicar de vez a infestação de roedores no nº 10. «According to Downing Street, the animal has "a high chase-drive and hunting instinct", developed during his time on the streets. A spokesman said he had also shown "a very strong predatory drive" and enjoyed playing with toy mice.»

(Estes ingleses nem para falar de um bichano dispensam a newspeak.)

terça-feira, fevereiro 15, 2011

PEDRO TAMEN: Realmente, as relações humanas não são um rio pacífico e sereno. CARLOS VAZ MARQUES: Dizendo de forma prosaica: isto não é fácil. PEDRO TAMEN: Não, isto não é nada fácil. (Revista "Ler", Fevereiro de 2011)
(Willem de Kooning, "...Whose Name Was Writ in Water", 1975)
CUIDADO COM OS AVENTAIS: Na sua última dádiva ao mundo sob forma de coluna de opinião das 2ªs feiras, João César das Neves enumera alguns dos fantasmas que assombram este nosso mundo tão perigoso: turbulência financeira, globalização selvagem, choque petrolífero, desastres ambientais, fundamentalismo religioso e... perseguição maçónica. É necessária uma presciência superior para reconhecer o perigo maçónico que contamina a sociedade. Para quem não a tem, ou pelo menos não nas doses copiosas que JCN evidencia, ficam aqui alguns conselhos dos Monty Python para reconhecer um maçon na via pública.

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

ESPERAR SEM DESESPERAR: Tarda a estreia em Portugal de "Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives", de Apichatpong Weerasethakul. Interrogo-me sobre as razões da demora. A minha teoria actual é esta: o distribuidor quer dar tempo às pessoas para se esquecerem de que este filme ganhou a Palma de Ouro, e assim passar por descobridor de um genial e desconhecido realizador tailandês. Enquanto o pau vai e vem, comprei o DVD do magnífico "Syndromes and a Century" em Inglaterra.

sábado, fevereiro 05, 2011

MARIA SCHNEIDER (1952-2011): Todos os obituários que li se referiam a ela como a actriz de "O Último Tango em Paris", mas Maria Schneider teve uma carreira longa e preenchida, que incluiu o protagonismo num filme de Jacques Rivette: "Merry-Go-Round" (por sinal, provavelmente o Rivette de que menos gosto). Só após a sua morte fiquei a saber que Maria Schneider era filha do actor Daniel Gélin (que nunca a reconheceu).
EM BUSCA DA PROMISCUIDADE: Onde está a tal "campanha de propaganda massiva" a favor do "adultério, divórcio, promiscuidade, concubinato, perversão, deboche, etc" (gosto sobretudo do "etc" - o que caberá neste "etc", após tão copiosa enumeração?) de que fala João César das Neves? Confesso que nunca dei por ela. Será por não ter canais premium?
THANK YOU FOR THE DAYS: Entro num café de Cambridge (Benet Street). Enquanto saboreio uma sanduíche, a rádio toca, em sucessão, as minhas três canções preferidas dos Kinks:
  • "Lola"
  • "Autumn Almanac"
  • "Days"

Regra geral, incluo a música nos estabelecimentos de restauração entre as 10 maiores pragas da civilização ocidental. Mas desta vez soube bem.

segunda-feira, janeiro 17, 2011

UMA LUZ NO NEVOEIRO: Está resolvido o mistério do ensaio de Manuel António Pina sobre Winnie-the-Pooh. Continua por resolver o mistério da relação entre "American Beauty" e Kant.

quinta-feira, janeiro 13, 2011

REGRESSO AO PASSADO: Lembram-se dos primeiros tempos da blogosfera portuguesa? Ah, as saudades! Os bloggers activos eram tão poucos que se conheciam quase todos pelo nome e apelido (ou por um "nick" bem esgalhado), os insultos choviam (desse ponto de vista, pouco mudou), trocavam-se parabéns nos aniversários, não havia "tag clouds" nem aquelas irritantes e inúteis sugestões no fim dos posts ("Poderá também gostar de..."). Um dos entretenimentos mais populares dessa altura consistia em recensear as palavras-chave mais bizarras cuja busca tinha levado um internauta a um dado blog. Nunca participei nessa actividade lúdica porque não sabia como se fazia, e tinha vergonha de perguntar. Agora, o próprio Blogger permite fazê-lo, com uma facilidade descoroçoante. Por isso, com anos de atraso, aqui ficam as minhas homenagens aos leitores do 1bsk que aqui chegaram graças às seguintes buscas:
  • "bombons garoto" (Parabéns pelo bom gosto.)
  • "american beauty saco de plástico kant" (Finalmente alguém percebeu que o filme de Sam Mendes é uma longa paráfrase da "Fundação Metafísica dos Costumes".)
  • "autor da letra da canção a 13 de maio" (António Botto, creio.)
  • "ensaio winnie the pooh manuel antonio pina" (Deve ter ficado desiludido/a, mas despertou a minha curiosidade.)
  • "laurence sterne diário para eliza" (Vide "bombons garoto".)
THINK: Mas que taluda cretinice. As obras literárias (fiquemo-nos por essas) que devem quase tudo ao pensamento, à premeditação, à "self-conciousness" são em número suficiente para, se transformadas em adobes, construir um T5 com boas áreas e generoso pé-direito, capaz de alojar a família de Ray Bradbury, os amigos de Ray Bradbury e o próprio Ray Bradbury, deambulando de sala em sala à espera da inspiração e do fluxo de criatividade livre do espartilho medonho da reflexão. Abdicar da faculdade de reflectir sobre as coisas é o atalho mais directo para produzir, em vez de literatura, uma papa gelatinosa que nem se aguenta numa estante, à falta de coluna vertebral.

quarta-feira, janeiro 12, 2011

GUIRAUDIE FOREVER: "Le Roi de l'Évasion", de Alain Guiraudie, teve uma passagem relativamente discreta numa sala de Lisboa, no final do ano passado. Muito do que se escreveu sobre este filme, em Portugal e extra-muros, deu destaque ao facto de Guiraudie oferecer uma perspectiva sobre a homossexualidade, (provinciana, protagonizada por homens idosos ou de meia-idade) distante do paradigma dominante (urbano, jovem, chic). Contudo, para mim, a importância e beleza deste filme vão muito além desta constatação sociológica. "Le Roi de l'Évasion" é um filme de uma liberdade formal exaltante, que se desenrola ao sabor das pulsões, da consciência, das pressões sociais e do desejo, numa interacção complexa que é no fundo aquela de que padece qualquer ser humano. É, como é habitual em Guiraudie, uma obra pontuada por diálogos luminosos, de uma comicidade que nunca oculta observações agudíssimas sobre as contradições do amor. "Du Soleil pour les Gueux", realizado por Guiraudie 2001, passará na Cinemateca no dia 26 (escolha de Miguel Gomes). Apetecia-me dizer que todas as desculpas para não ir ver este filme são, por definição, pífias, mas infelizmente sucede que eu próprio deverei estar impossibilitado de me deslocar à Barata Salgueiro neste dia. Fica o apelo, com toda a ênfase e poder de persuasão que tenho para dar: vão ver. Claro que há sempre este prémio de consolação: ("Tout Droit jusqu'au Matin", uma pequenina obra-prima.)

segunda-feira, janeiro 10, 2011

OS TRÊS JOSÉS: José Manuel Fernandes, Joseph Ratzinger e José Policarpo partilham mais do que o nome próprio: o autor dos seus discursos, artigos homilias e outras intervenções não pode deixar de ser a mesma pessoa, a acreditar na frequência insistente com que as mesmas teclas são batidas. Esse esforçadíssimo "negro", nos últimos tempos, acumula os exemplos destinados a provar que os cristãos se mantêm firmes no topo do pódio do martírio a nível global, e que nenhuma outra comunidade religiosa é mais ferozmente perseguida. Nesse exercício de puxar dos galões, contudo, o excesso de zelo é péssimo conselheiro. Meter no mesmo saco atentados, massacres e medidas de separação entre Igreja e Estado é um tour-de-force retórico tão ousado que quase se poderia confundir com má-fé. O laicismo ou a laicidade (distinção que este prolífico autor nunca deixa de fazer) não matam. Aplicar leis emanadas de corpos legislativos, eleitos por vontade popular, não equivale a uma perseguição. Faz parte da natureza das religiões hostilizarem-se e combaterem-se mutuamente em nome da posse da Verdade suprema que reivindicam para si. Atestam-no os milhões que, em nome da religião, morreram ao longo dos séculos e continuam a morrer ainda hoje. Nunca me esquecerei das palavras que li no prefácio a uma edição da Bíblia que uma vez folheei: "Este é o livro da Verdade" (cito de memória, mas a essência era esta). Eis algo que os adocicados discursos ecumenistas nunca poderão disfarçar: as religiões separam os Homens porque se reclamam as únicas detentoras da Verdade revelada, imutável e incontestável. Não são a lei, a laicidade ou o ateísmo que matam, mutilam e escorraçam. Os 3 Josés e os seus satélites (Helena Matos, o bispo de Leiria-Fátima...) precisam, com urgência, de alinhar o seu discurso por um diapasão comum, mais devedor do justo sentido das proporções do que dos delírios centrífugos de um escrevinhador de discursos em roda livre.

quarta-feira, janeiro 05, 2011

MORANGOS COM AÇÚCAR: A personagem Mariana, superiormente interpretada pela actriz Lia Carvalho, não tem vida emocional própria. A sua função exclusiva parece ser a de receptora dos desabafos alheios ("an emotional soup-kitchen", na expressão de John Osborne citada por Doris Lessing a propósito dela própria). O ridículo e fugaz episódio da tentativa de reaproximação aos pais não fez mais do que confirmar isto mesmo. Talvez tenha sido por isso que os argumentistas decidiram, ainda na temporada anterior, casá-la com o cabeça oca do Leo. Não existe sombra de química entre os dois, mas assim se arrumou a questão do par romântico da Mariana, que passou a estar disponível a tempo inteiro para a sua função de confessionário ambulante.
LISTA DE FILMES DO ANO, O FILME QUE FALTAVA: Está encerrada a votação para a eleição do filme que ocupará o 10º lugar da minha lista de melhores do ano. A contagem dos votos forneceu o seguinte resultado. Vencedor: Defensor de Moura. Em segundo lugar, e 1º na categoria de filmes, ficou "La Danse", de Frederick Wiseman, com escassíssimos 2 votos de vantagem sobre "Todos os Outros". A realizadora deste filme, Maren Ade, já veio a público atribuir as responsabilidades pela derrota às empresas de sondagens. Obrigado a todos os que participaram.

domingo, janeiro 02, 2011

LEGITIMIDADE REVOLUCIONÁRIA: Na sua autobiografia ("Under My Skin"), Doris Lessing oferece alguns exemplos de argumentos que eram por vezez usados, nos meios comunistas, para justificar a admiração e a legitimidade de autores desinseridos do cânone revolucionário:
  • D.H. Lawrence? Filho de um mineiro. (Logo, proletário.)
  • T.S. Eliot? Descrevia a decadência da burguesia, não era?
  • Yeats? Irlandês, logo membro de um povo oprimido.
  • Virginia Woolf? Mulher.
  • Orwell? «At that time [meados dos anos 40] he was being insulted by the Party, because he had told the truth about Spain. The trouble was some of us admired him. How did we get around this? I forget.»
MAIS PÉROLAS DA "PARIS REVIEW": STEPHEN KING: When I read Tess of the d'Urbervilles, I said to myself two things. Number one, if she didn't wake up when that guy fucked her, she must have really been asleep. And number two, a woman couldn't catch a break at that time. That was my introduction to women's lit. I loved that book, so I read a whole bunch of Hardy. But when I read Jude the Obscure, that was the end of my Hardy phase. I thought, This is fucking ridiculous. Nobody's life is this bad. Give me a break, you know? James Wood, Harold Bloom, pensem seriamente em pendurar as chuteiras: têm aqui um rival à altura.

quinta-feira, dezembro 30, 2010

DUAS FOTOGRAFIAS DA LIVRARIA CITY LIGHTS: Tal como diz o título do post, aqui estão duas fotografias da livraria City Lights:
OS FILMES DO ANO: Em estreia nas salas (ordem cronológica de visionamento): "Shutter Island", Martin Scorsese "A Serious Man", Ethan Coen/Joel Coen "Les Herbes Folles", Alain Resnais "Noite e Dia", Hong Sang-Soo "Io Sono l'Amore", Luca Guadagnino "Irène", Alain Cavalier "36 Vues du Pic Saint-Loup", Jacques Rivette "Le Roi de l'Évasion", Alain Guiraudie "Copie Conforme", Abbas Kiarostami Para a 10ª vaga, hesito entre "Alle Anderen", de Maren Ade, e "La Danse - le Ballet de l'Opéra de Paris", de Frederick Wiseman. Os leitores poderão ajudar a desempatar, manifestando a sua opinião via e-mail. Claro está que também podem não o fazer, mas olhem que o debate sobre o voto obrigatório está aí a fazer furor, e depois não se queixem. Cinemateca e festivais (ordem cronológica de visionamento): "Les Cinéphiles" (1 e 2), Louis Skorecki "La Chinoise", Jean-Luc Godard "Carl Th. Dreyer", Éric Rohmer "Kasaba", Nuri Bilge Ceylan "L'Hypothèse du Tableau Volé", Raoul Ruiz "Le Nom du Feu"/"Les Signes"/"Correspondances", Eugène Green "Badlands", Terrence Malick "Stranger Than Paradise", Jim Jarmusch "Coitado do Jorge", Jorge Silva Melo "La Marseillaise", Jean Renoir "Les Sœurs Brontë", André Téchiné (Desta vez ficam mesmo 11, sem desempate.) Piores do ano: "O Laço Branco", Michael Haneke "Anticristo", Lars von Trier (pior da década?)

quarta-feira, dezembro 29, 2010

HOMENAGEM QUE JÁ TARDAVA: A imprensa portuguesa fez recentemente eco da eleição das mais belas livrarias do mundo pelo guia "Lonely Planet", onde a livraria Lello, do Porto, figura num honroso 3º lugar. Não parece claro quais os critérios que presidiram à elaboração desta lista: à frase «here are our picks for the best spots to browse, buy, hang out, find sanctuary among the shelves, rave about your favourite writers and meet book-loving characters» sobra em jargão de guia de viagem vivaço aquilo que lhe falta em clareza e rigor. Sem desprimor para a Lello, uma livraria que visito sempre com prazer e que oferece uma razoável selecção, nenhum outro critério que não seja o da beleza arquitectónica pode justificar a sua presença nesta lista. Mas isto é difícil de conciliar com o primeiro lugar do pódio atribuído à City Lights de San Francisco, à qual aproveito para prestar homenagem, meses depois de ter tido a sorte de a visitar. A aura beat e o alto patrocínio espiritual de Kerouac constituem factores intangíveis que contribuem para o seu encanto, porém aquilo que fascina o visitante é, muito prosaicamente, a assombrosa qualidade e variedade da sua oferta. O edifício, se bem que classificado como património municipal, está longe de ser extraordinário, excepção feita a uns frescos vistosos na fachada exterior. O espaço não é dos mais vastos, mas o aproveitamento que dele foi feito é excelente. O teor de palha nas estantes é próximo do zero, tanto assim que percorrê-las exige atenção e tempo em níveis muito superiores aos exigidos pelas livrarias comuns, pejadas de monos. A City Lights é, em suma, uma das melhores livrarias onde já entrei, a par da Gibert Joseph e da Hune, em Paris, da Heffers em Cambridge e da Gotham, em NY (esta infelizmente já desaparecida). Esta afirmação vale o que vale, vinda de alguém com hábitos de viagem comedidos, incapaz de competir com a largueza de horizontes do staff da Lonely Planet. Alguns dos livros que comprei na City Lights:
(Harry Mathews é um membro do colectivo OuLiPo, de nacionalidade norte-americana.)
BOM ANO NOVO, COM PAZ, SAÚDE E CRÓNICAS DO PROFESSOR JOÃO CÉSAR DAS NEVES: Na sua última intervenção, João César das Neves discorre sobre as razões do atraso português e consegue omitir a Inquisição e a expulsão dos Judeus. O que não falta é o elogio ao Estado Novo, que teve como resultado «um país seguro, estável e progressivo», adequadamente contrastado com a "canalhice" da República (supõe-se que seja a 1ª) e com a "podridão" do Liberalismo. A peculiar mundividência histórica de JCN é sobejamente conhecida de todos, mas não é comum vê-la exposta de maneira tão cristalina. Há umas semanas, JCN logrou um feito digno de aplauso: numa só frase («No pecado gravíssimo do sexo fora do matrimónio, o preservativo torna-se um detalhe.»), disse mais (ainda que involuntariamente) sobre o desfasamento entre a Igreja e as pessoas do que muitos tratados, teses e ensaios. Que não nos faltem, no ano de 2011 que está prestes a encetar-se, as crónicas de João César das Neves: às segundas-feiras no "Diário de Notícias", às quintas-feiras no "Destak". Num mundo conturbado, precisamos de pontos de referência inamovíveis.
ABSTENCIONISTA: Não costumo votar nem nos "Ídolos" nem na "Operação Triunfo", mas desde já prometo solenemente o meu voto, e a reincidência nesse mesmo voto, ao candidato ou candidata que interprete uma das seguintes canções:
  • "The Man Who Couldn't Afford to Orgy", John Cale
  • "Kit de Prestidigitação", B Fachada
  • "Superafim", Cansei de Ser Sexy
  • "Stratford-On-Guy", Liz Phair
  • "My Legendary Girlfriend", Pulp

quarta-feira, dezembro 08, 2010

MOMENTOS DE PURA FELICIDADE NA FNAC DO CHIADO: Fui à Fnac. Escolhi um CD (sonatas de Beethoven interpretadas por Murray Perahia). A etiqueta dizia 19 euros e tal. Na caixa, o preço que apareceu foi 9 euros e tal. Abstive-me de aprofundar a razão de ser da discrepância. Fiquei contente. (Regra geral, o meu sentimento depois de passar pelas caixas desta Fnac é o oposto. Não percebo qual é a dificuldade em implementar um regime de fila única, garantindo assim o respeito do princípio sagrado do first come, first served.)
RUI PEREIRA COMO JOYCE: O ministro da Administração Interna, perante a destruição causada pelo tornado de ontem, afirmou: «Isto é mesmo, literalmente, o diabo à solta». Por uma saborosa ironia, o advérbio "literalmente" é dos que mais vezes são usados em sentido não literal. Partindo do princípio de que Rui Pereira não pretendeu sugerir que o próprio Satanás andou a deambular e a deixar pegadas de cascos pela região industrial da Sertã, conclui-se que terá cedido ao pecadilho linguístico de usar a palavra "literalmente" como mero elemento enfatizador. Em defesa do ministro, ele encontra-se na soberba companhia do próprio James Joyce, que inicia o seu famoso conto "The Dead" com a seguinte frase: «Lily, the caretaker's daughter, was literally run off her feet.». Os cépticos afirmarão que, no caso de Joyce, se trata de um recurso estilístico deliberado. Sou de opinião de que o mesmo benefício da dúvida deve ser dado a Rui Pereira.
MAIS PÉROLAS DA "PARIS REVIEW": ALICE MUNRO: We had a fundraising event at the Blyth Theater, about ten miles away from here. Everybody contributed something to be auctioned off to raise money, and somebody came up with the idea that I could auction off the right to have the successful bidder's name used for a character in my next story. A woman from Toronto paid four hundred dollars to be a character. Her name was Audrey Atkinson. I suddenly thought, That's the nurse! I never heard from her. I hope she didn't mind. ("The Paris Review Interviews, vol.2") Alice Munro é uma autora celebrada, a quem não têm faltado prémios e elogios. Talvez esteja escrito nas esferas celestes que acabarei por ler alguma das suas obras. Mas não consigo deixar de alimentar reticências sobre o que poderá ter saído de bom da pena de alguém que afirma «Henry James rewrote simple, understandable stuff so it was obscure and difficult». Qualificar um qualquer autor de contos que denotem atenção especial à natureza humana como um "novo Chekhov" tornou-se passatempo banal e popular. Para quando um novo Henry James?

domingo, dezembro 05, 2010

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um leitor lia "Angels & Insects", de A.S. Byatt, no café Magnólia do cinema Londres. É impressão minha, ou o Magnólia deixou de disponibilizar à sua clientela os petit-fours de menta que, outrora, funcionavam como uma espécie de emblema do estabelecimento?
ÍDOLOS: Nunca pensei vir a escrever um post sobre os "Ídolos", mas aqui vai ele. O Neemias é um logro monumental! Os meus preferidos são a Carolina, o Martim e a Sandra.

quinta-feira, novembro 25, 2010

MAIS PÉROLAS DA "PARIS REVIEW": Segundo a nota biográfica no final do 2º volume das entrevistas da "Paris Review", William Gaddis foi expulso de Harvard «on account of an incident of rowdiness». Da entrevista, contudo, não parece transparecer qualquer animosidade dirigida contra o sistema educativo: INTERVIEWER: Your satire concerning education is quite passionate. You must have had bad experiences. WILLIAM GADDIS: No, really the opposite, in fact. I went to boarding school in New England when I was very young, and to college at Harvard, and had a good education. ("The Paris Review Interviews, vol.2")

terça-feira, novembro 23, 2010

DA DIFERENÇA ENTRE HISTORIADORES E HISTORIADORES DE DOMINGO: «Sei que há uma grande tendência hoje para comparar de forma simplista o regime da I República com o Estado Novo, nomeadamente a nível da repressão. Aliás, há mesmo quem diga que a repressão política na I República foi superior à que se assistiu na ditadura salazarista. Em comum nestas comparações, a meu ver erradas, há um esquecimento importante, provavelmente ligado a desconhecimento de factos, que acaba por falsificar a realidade histórica.» (Irene Pimentel, who knows enough about it.)
PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO:
O centenário do 5 de Outubro serviu de prova em como os historiadores de domingo são legião. No meio da floresta virgem de asserções delirantes sobre a 1ª República (claramente a fase mais negra da história portuguesa desde a traição a Viriato, segundo alguns espíritos valorosos e de pena caudalosa), sabe bem encontrar uma clareira de bom senso e rigor científico.

quinta-feira, novembro 11, 2010

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Uma leitora lia "A Baía dos Anjos", de Anita Brookner. Tudo se passou -salvo monumental traição da memória - na linha verde do metropolitano
MANUEL CINTRA FERREIRA: Nunca o conheci pessoalmente, mas parece-me impossível gostar de cinema em Portugal, nestas décadas entre um milénio e o seguinte, sem ter convivido de perto com a escrita de Manuel Cintra Ferreira, com a sua insuperável erudição cinéfila, com o seu tão visível amor pelos filmes. Foi muito o que aprendi lendo as críticas dos "quatro magníficos" que, nos anos 80 e 90 (não me recordo do período exacto), faziam da crítica de cinema um exercício de inteligência e de paixão, nas páginas do "Expresso": Manuel Cintra Ferreira, Eduardo Prado Coelho, Jorge Leitão Ramos e João Lopes. De Manuel Cintra Ferreira, guardo dezenas de folhas da cinemateca, soltas ou compiladas; outras tantas pequenas lições de história do cinema, discretas apologias de uma arte que se quer dotada de memória. Ele vai fazer-nos falta.

terça-feira, novembro 02, 2010

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Na linha verde do metropolitano, um leitor lia "A Tale of Two Cities". O facto de se tratar da versão original, e de estar de pé, dá direito a 40 pontos de bónus, como não o ignoram os seguidores fiéis desta rubrica, tão numerosos que já justificavam uma flash mob.
TAMBÉM QUERO: Eu também quero ter um mandatário digital.

segunda-feira, novembro 01, 2010

PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: Aquela que se pode designar como a personagem principal de "Le Mauvais Lieu", de Julien Green (1977), é Louise, uma órfã pré-adolescente que vive com a tia. Rapidamente se torna claro que Louise funciona como receptáculo e ecrã para os desejos, pulsões e frustrações dos que a rodeiam. Ao longo da totalidade do romance, assiste-se ao aniquilamento de Louise como personagem e à sua ascensão ao patamar de símbolo da inocência em risco de ser conspurcada, e neste processo o autor demonstra uma perversidade, no plano simbólico e subtextual, de que nem as mais vis de entre as suas personagens, confinadas ao texto e à existência burguesa, seriam capazes. Como estratagema literário - e é talvez isto que mais custa perdoar - é previsível, denunciado e ineficaz.
PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: Um grande, grande livro. Uma busca de felicidade na Londres do pós-WW2, guiada por um imperativo ético em registo semicómico: muito do que sucede à narradora, em termos pessoais e profissionais, decorre da sua obstinação em chamar "pisseur de copie" a um mau escritor protegido por uma autora influente e famosa. O excelente prefácio de Ali Smith elucida a subtileza e o profundo alcance moral deste romance, o décimo oitavo de Muriel Spark, publicado em 1988. "A Far Cry From Kensington" narra uma odisseia da autonomia do espírito e da coragem. A felicidade não surge como um prémio, tão pouco como um caprichoso efeito colateral: antes, como uma radiosa faceta da ordem natural das coisas. O registo, falsamente menor e ligeiro, serve admiravelmente o enredo e a intenção da autora. A ostentação e o excesso de gravidade tê-lo-iam arruinado. Poucas vezes, nos últimos tempos, simpatizei tanto com uma personagem como com a Mrs. Hawkins que engendra esta história, no meio das suas noites de insónia.

quarta-feira, outubro 27, 2010

MAIS PÉROLAS DA "PARIS REVIEW": INTERVIEWER: Is Jorge Luis Borges the only other contemporary poet of note who is also a librarian, by the way? Are you aware of any others? PHILIP LARKIN: Who is Jorge Luis Borges? (...) PHILIP LARKIN: I met Auden once at Stephen Spender's house, which was very kind of Spender, and in a sense he was more frightening than Eliot. I remember he said, Do you like living in Hull? and I said, I don't suppose I'm unhappier there than I should be anywhere else. To which he replied , Naughty, naughty. I thought that was very funny. ("The Paris Review Interviews, vol.2")
O MEU CORAÇÃO SÓ TEM UMA COR, VERMELHO E NEGRO: No meio do caos, quase deixava passar em claro o regresso milagroso do blog do melhorio "O Vermelho e o Negro". De finado a ressuscitado: isto sim, é um percurso meritório, e a segunda lei da termodinâmica que se vá encher de moscas.
MAGISTRATURA DE INFLUÊNCIA: Neste blog, acreditamos nos poderes da magistratura de influência. E não só por constatação empírica das suas virtudes, mas também por convicção moral solidamente ancorada.

quarta-feira, outubro 20, 2010

BALANÇO DO NOBEL: O Vaticano criticou o prémio Nobel da medicina. O PCP criticou o prémio Nobel da paz. A isto chamo eu um excelente balanço. O único aspecto negativo foi a desconsideração da Academia Sueca pelos numerosos bloggers portugueses que, ano após ano, proclamam alto e bom som a parcialidade das escolhas do Nobel da literatura e a sua submissão a agendas terceiro-mundistas, politicamente correctas, esquerdizantes, feministas, altermundialistas, etc. Vargas Llosa foi um erro de casting. Para 2011, espera-se uma escolha mais compatível com as edificações mentais deste respeitado sector da opinião pública portuguesa.
APENAS UMA SUGESTÃO: INTERVIEWER: Some people say they can't understand your writing, even after they have read it two or three times. What approach would you suggest for them? WILLIAM FAULKNER: Read it four times. ("The Paris Review Interviews, vol.2")
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um cavalheiro, no metropolitano (não me recordo em que linha), lia "Um Rapaz da Geórgia", de Erskine Caldwell. (Seria a tradução de Jorge de Sena?) Estava de pé. A menos de um metro dele, um outro cavalheiro, este sentado, lia "The Wrench", tradução inglesa do excelente livro de Primo Levi "La Chiave a Stella". Cheguei a recear que estes dois leitores em lugares públicos, ao tocarem-se, se aniquilassem numa tremenda explosão de energia, mas isso não aconteceu.

terça-feira, outubro 05, 2010

O MEU FAVORITO PESSOAL PARA O NOBEL DA LITERATURA:
Não consultei a sua cotação nas principais casas de apostas, mas duvido que paguem menos do que 1 para 10 000. Fica feita a promessa soleníssima de que, caso o prémio seja atribuído a Michel Butor, irei pagar uma rodada de imperiais (ou uma alternativa não alcoólica) às primeiras doze pessoas que escreverem para este blog, desde que tenham o cuidado de inserir uma citação do autor no assunto da mensagem.
PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: O Processo continua, contra tudo e contra todos, gozando já de uma adesão popular que ninguém pode ignorar. Provavelmente teria deixado passar este livro, não fossem os ecos que ele teve na blogosfera mais atenta. Falo, em particular, das recensões do João Paulo Sousa e do José Mário Silva, decisivas para aguçar a minha curiosidade relativamente ao romance de Dag Solstad. Uma das coisas que achei mais bem conseguidas neste livro foi a escolha do factor responsável pela crise que abala a vida da personagem principal, um professor norueguês do ensino secundário. Em plena aula, ele julga descobrir uma perspectiva nova sobre uma peça de Ibsen, capaz de iluminar a obra e de revelar significados até aí ocultos; algo, enfim, a meio caminho entre o grandioso e o banal. Uma crise pode nascer de um abalo ou de uma acumulação de anos de nulidade; atribuí-la a um evento que mal sobressai de um fundo de mediocridade, a um pequeno novelo de heterodoxia invisível para os demais, revela coragem e clarividência notáveis. Por coincidência, vi pela segunda vez "Coitado do Jorge", de Jorge Silva Melo, enquanto estava a ler "Pudor e Dignidade". No filme, a crise vivida pela personagem de Jerzy Radziwilowicz parece fruto de geração espontânea, isenta de motivo ou de foco. É um processo com vida própria que parece ocupar os interstícios, cada vez maiores, entre os vários planos da realidade, e que suga energia das fricções, dos movimentos dos corpos, dos sons desencontrados. Tudo isto é admiravelmente concretizado pela realização e pelos actores, pelos planos que funcionam como organismos dotados de dinâmica, propósito, contradições. A origem da crise, da ruptura, do conflito é um dos aspectos onde mais limpidamente se revelam a ousadia e a inteligência narrativa do autor. Pena é que, na grande maioria dos casos, a solução adoptada redunde em cedências a psicologia de fascículo.
VIVA A REPÚBLICA!:

1910-2010

Uma homenagem a todos aqueles que a tornaram possível.

quinta-feira, setembro 30, 2010

E AGORA, UM POST QUE REFLECTE A CONDIÇÃO DO MUNDO EM QUE VIVEMOS, A MINHA WELTANSCHAUUNG ACTUAL, E MUITAS OUTRAS COISAS MAIS: O padre Borga deixa cair o microfone:
OLIMPÍADAS: Estão a decorrer em Khanty-Mansiysk, na Rússia, as Olimpíadas de xadrez. A 2 rondas do final, lideram a Ucrânia, na prova absoluta, e a Rússia na prova feminina. As equipas portuguesas (FORÇA PORTUGAL!!!) vão fazendo pela vida, e estão neste momento numa posição pouco mais ou menos correspondente ao que era esperado. Destaque ainda para o meu herói, Vassily Ivanchuk, que alinhou 6 vitórias consecutivas (incluindo esta partida de antologia, frente ao georgiano Jobava), antes de ceder um empate e, ainda hoje, uma derrota face ao azeri Mamedyarov. O Xadrez64 está a realizar uma excelente cobertura do evento. Costumo queixar-me da paucidade de sites portugueses de xadrez dignos de interesse, mas o Xadrez64 tem tudo o que se poderia pedir: é bem concebido, informativo e actualizado com regularidade. Mais informação sobre as Olimpíadas:
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: O jovem que lia "Daisy Miller" na linha verde do metropolitano faria bem em meditar nas seguintes palavras de James Thurber: I have the reputation for having read all of Henry James. Which would argue a misspent youth and middle age. ("The Paris Review Interviews", vol.2)

sexta-feira, setembro 10, 2010

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS:
  1. Na esplanada do Palácio de Cristal, no Porto, uma senhora lia "Cartas a Sandra", de Vergílio Ferreira.
  2. No Alfa Pendular, sentido Porto-Lisboa, um cavalheiro lia "Once There Was a War" (reportagens de guerra de John Steinbeck), e uma senhora a seu lado lia "Wuthering Heights".
AD HOMINEM: Correm rumores segundo os quais eu seria desfavorável ao desregramento dos sentidos. É uma calúnia suja.

sexta-feira, julho 30, 2010

DO USO DAS ADVERSATIVAS: Penélope Cruz casou-se no princípio do mês com Javier Bardem e já se fala que está grávida do actor. Ainda assim, a actriz espanhola não abdica de dizer o que pensa: «Por mim fechava todas as revistas de adolescentes que encorajam as miúdas a fazer dieta. A sua influência nas raparigas novas é horrenda.» ("Metro" de 29/7/2010. Sublinhado meu.) Trocado por miúdos:
  1. Casou-se.
  2. Está grávida.
  3. Ainda assim, diz o que pensa.
  4. A mulher passou-se!
UMA CERVEJA, SEM INFERNO: Samuel Smith's Imperial Stout. The "liquid Christmas pudding" character (raisins and burnt fruit) found in traditional imperial stouts shows very well in this spicy example. It is also very rich, despite being less strong than some counterparts. (Michael Jackson, "Great Beer Guide") Advertência aos paladares aventureiros: esta cerveja está disponível no restaurante junto aos cinemas Monumental Saldanha. (Como diria Homer Simpson: «Hmm, raisins and burnt fruit».)

sábado, julho 24, 2010

AINDA OS ANÉIS ATIRADOS À ÁGUA: E que dizer da letra da canção "A-Punk", dos Vampire Weekend? I saw Johanna down in the subway She took an apartment in Washington Heights Half of the ring lies here with me But the other half's at the bottom of the sea
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS:
  1. Com a devida vénia ao Eduardo: senhora avistada na linha verde do metropolitano, concentrada na leitura de "Cidade Proibida".
  2. Na cafetaria do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, cavalheiro observado a folhear "Na Cova dos Leões", marco do anticlericalismo português da autoria de Tomás da Fonseca.

terça-feira, julho 20, 2010

DIÁLOGOS SIM, MAS SÓ COM LEUCÒ: «Uma coisa é uma companhia de teatro que vai representar Beckett a Aljustrel, outra é o «criador» que nunca saiu do Bairro Alto e que reclama a mensalidade para espalhar cascas de ovo partidas no chão da galeria com uma legenda a dizer «A CRIAÇÃO DO MUNDO». A «cultura», como tudo, não pode ficar refém dos caprichos daqueles que a produzem, tem de existir, em algum momento, um diálogo qualquer com o resto do mundo. A ideia não é acabar de vez com tudo o que não dê lucro, é acabar de vez com tudo o que não agradece a atenção.» Um diálogo com o mundo... Mal por mal, prefiro o critério do lucro, que tem a vantagem de ser limpo de ambiguidades, claro e quantificável. Dialogar com o mundo... Será que era à louvável disposição de dialogar com o mundo que se entregavam Straub e Huillet quando filmaram "Quei Loro Incontri", Barnett Newman quando pintou as "Stations of the Cross", Leonard Cohen quando compôs "Hallelujah", Pascal Quignard quando escreveu os "Petits Traités"? Tenho as minhas dúvidas. E de que mundo estamos a falar? Da "opinião publica", esse conceito nebuloso do qual cada um faz o que lhe convém? Da constelação de vozes, opiniões, convenções, preconceitos e grunhices que afogam tudo o resto com o seu alarido, seja na praça pública, no ar que respiramos ou em todos os magníficos instrumentos que a Web 2.0 coloca à nossa disposição, a começar pelas caixas de comentários dos blogs? Prefiro o monólogo, o ensimesmamento, a não reconciliação. Prefiro os artistas que não agradecem. (Ver também este excelente post do Jorge.)

ANÉIS ATIRADOS À ÁGUA: Obrigado aos numerosos leitores que responderam a este apelo. Dos milhares de mensagens recebidas, selecciono aleatoriamente três:

  • No romance "Mau Tempo no Canal", Margarida arremessa ao mar o seu anel decorado com uma serpente, depois de se casar com André Barreto.
  • Em "O Silmarillion" de Tolkien, o anel originalmente criado por Sauron, e que confere o poder da invisibilidade ao seu portador, solta-se do dedo do rei Isildur e cai a um rio. Subitamente visível, Isildur é morto pelos Orcs.
  • No filme "Match Point", a personagem de Jonathan Rhys Meyers arremessa ao Tamisa o anel da mulher que assassinou. O anel ressalta num parapeito e cai fora de água, o que acabará por livrar a personagem de uma provável condenação.
PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: "Novelas do Defunto Ivan Petróvitch Bélkin", de Aleksandr Púchkin. De quando em quando, um tipo sente uma vontade irreprimível de ler prosa onde entrem samovares, verstas e fidalgos russos roídos pelo tedium vitae.

quarta-feira, julho 14, 2010

NAS MARGENS DA BARATA SALGUEIRO EU SENTEI E CHOREI: O programa da Cinemateca de Junho anunciava, para o mês seguinte, "Jacques Rozier". Afinal vai-se a ver a programação de Julho e nada de Rozier. E eu que antecipava já o imenso prazer que seria rever o glorioso "Du Côté d'Orouët". Nem vale a pena escrever sobre este filme, porque a exaltação que este filme transmite não se explica; é preciso vê-lo, de preferência vê-lo de novo, e só então soltar a verborreia e dizer tudo o que de bom e disparatado nos passa pela cabeça e que tenha a ver, ou não, com a praia de Saint-Gilles-Croix-de-Vie, com o sol a pôr-se no Atlântico, com o vento, a água salgada e o sono, o tempo, a festa e a mágoa. Outros desabafos avulsos sobre a Cinemateca:
  • Para quando um segundo secador de mãos na casa-de-banho dos homens?
  • Mais poltronas!
  • O que será de nós quando a vetusta impressora de agulhas que imprime os bilhetes entregar a alma ao criador?

( AVISO IMPORTANTE: "Orouët" rima com "pirouette".)

14 DE JULHO: A tomada da Bastilha foi há 221 anos. Há quem ache que o mundo era um sítio melhor para se viver em 1789 do que em 2010. Há quem pense que a Revolução Francesa não passou de um acto de arruaça, uma erupção de perversidade jacobina e sans-culottista sem antecedentes nem consequências de maior. Há quem defenda que os antigos regimes, com cambiantes de tirania mais ou menos acentuados, acabariam por cair de podres sem precisar de revoluções nem rupturas. Há até quem considere que esses mesmos antigos regimes não eram tão maus quanto os pintam. Não me incluindo em nenhum destes subconjuntos, resta-me celebrar, ano após ano, a data que simboliza um evento que dividiu em dois a história da humanidade, e que, mau grado todos os desvios e circunvoluções, contribuiu, mais do que qualquer outro, para consolidar os conceitos de cidadania e liberdade e fazer destes a fundação para todas as sociedades actuais com razões para se reclamarem decentes.

quinta-feira, julho 08, 2010

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: "Confissões de Uma Máscara", de Mishima, lidas por um jovem no cais da estação do Campo Grande, direcção (a sempre bela, viçosa e surpreendente) Telheiras.
PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO:
Decidi lê-lo acima de tudo porque se passa em Barcelona. Este foi o romance que revelou o futuro autor de "A Cidade dos Prodígios". É interessante enquanto retrato político e social da época que coincidiu com o final da 1ª Grande Guerra. Do ponto de vista literário, perde-se com demasiada frequência em soluções narrativas algo frouxas e previsíveis, e as personagens não são convincentes. Assinale-se a ousadia da pluralidade de registos (depoimento em tribunal, artigo de jornal, primeira pessoa, terceira pessoa, texto epistolar...).

segunda-feira, julho 05, 2010

PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: "La Tempestad", de Juan Manuel de Prada. Prémio Planeta de 1997. Logo nas primeiras páginas deste romance, um anel é lançado à água. Por coincidência (uma das duas tetas de que se nutre o PLEC, sendo a outra a premeditação), o livro que foi lido antes deste acabava literalmente com um anel arremessado à água. No caso do último opus da saga Ripley, tratava-se do anel de Murchison, um americano demasiado curioso que Ripley fora obrigado a suprimir, anos antes. O seu cadáver fora lançado a um dos afluentes do Sena, e repousara debaixo de água até que um outro americano, não menos curioso, o descobriu e trouxe novamente à superfície. O anel, uma das últimas provas que poderia ajudar a incriminar Ripley, é por este devolvido às profundezas, com um sangue-frio totalmente digno da personagem. Quanto ao livro de Prada, a água é a de um canal veneziano, e o anel foi retirado do dedo de um falsificador e ladrão de arte que acaba de ser alvejado, e que irá morrer nos braços do narrador, um obscuro investigador universitário espanhol obcecado com um famoso quadro de Giorgione. Haverá por aí mais romances nos quais anéis são atirados à água? Leitores, caso vos ocorra algum sabeis para onde escrever.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: No cais da estação de metropolitano da Baixa-Chiado (linha verde, direcção Telheiras), um cavalheiro lia "Temor e Tremor", de Kierkegaard. A sua indumentária (sobretudo as sandálias de praia com a bandeira do Brasil) mais depressa evocavam o estádio estético da vida do que o ético ou o religioso. Mas desde quando a leitura requer dress code?
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um jovem lia "A Fisiologia do Gosto", de Brillat-Savarin, em plena sala Dr. Félix Ribeiro da Cinemateca. Cruel ironia! Há muito tempo que a Cinemateca abandonou qualquer pretensão à excelência gastronómica. Há tempos, não tão distantes quanto isso, o restaurante sito no piso superior do recinto da Rua Barata Salgueiro reservava aos cinéfilos com larica especialidades como os espinafres à 39 degraus e os peixinhos da horta. Agora, a pobreza da ementa é tamanha que já me levou a saciar-me no McDonald's da Rua Rodrigo da Fonseca, entre umas curtas do Griffith e um Godard (autêntico). Nem só de Daney vive um homem.

terça-feira, junho 29, 2010

PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO: Não há mais livros da série Tom Ripley para ler. Este foi o último. Isso deixa-me triste. Era bom que houvesse mais. Queria que houvesse tantos livros de Tom Ripley como de Pepe Carvalho, ou da colecção "Uma Aventura". Mas a realidade que temos é esta, e nenhuma outra.

segunda-feira, junho 28, 2010

PLEC = PROCESSO DE LEITURA EM CURSO:
Leitura motivada em parte por ter tombado, um pouco por acaso, no relato do encontro de Iris Murdoch com Raymond Queneau, e em parte por ser Queneau, de há muitas décadas a esta parte, um dos meus autores de língua francesa favoritos. O PLEC faz-se de acasos e de convicções arreigadas, em garrida e sonora sinergia!
Murdoch referiu-se a Queneau como um "charming ex-surrealist", designação tão curiosa como esta frase sua: «Part of me wants to be Raymond Queneau, another wants to be Thomas Mann» (Peter J. Conradi, "Iris Murdoch - a Life", HarperCollins).
(Ver também isto.)
CLUBE DOS BLOGS MORTOS CADA VEZ MAIS BEM FREQUENTADO: Já se passaram meses, mas ainda não me conformei com o suicídio do "Vermelho e o Negro". Pode ser impressão minha, ou falta de atenção às novidades primavera-verão, mas quer-me parecer que ganha volume a tendência para se calarem as vozes mais originais da blogosfera, e para eclodirem, ocupando canhestramente o espaço deixado vazio, cada vez mais polemistas papagueantes, insonsos e falsamente ousados.
OS TÍTULOS SÃO IMPORTANTES: Acontece-me pelo menos uma vez por ano relembrar uma convicção antiga: "A Hora da Sensação Verdadeira" (Peter Handke) é um dos mais belos e profundos títulos de toda a literatura. Há o paradoxo, ou simulacro de paradoxo (pode uma sensação ser verdadeira)? Há a discreta transição de centro de gravidade, da "sensação" para a "hora", sugerindo que a vivência temporal (balizada por imensidões, antes e depois) é mais importante que a sensação propriamente dita. Há, por fim, a persistência do elemento de autenticidade, dessa "verdade" que é e foi ponto de fuga último de tantos percursos pessoais e tantas narrativas trágicas.

terça-feira, junho 15, 2010

LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS, DELEGAÇÃO DA CATALUNHA: No metropolitano de Barcelona lê-se muito mais do que em qualquer lugar público de Lisboa. Por exemplo, na linha 3 (Zona Universitaria - Trinitat Nova) uma senhora lia "The Great Gatsby" em versão original.

quarta-feira, maio 26, 2010

NEIL HANNON BÁLTICO: Q. encontrou semelhanças entre os concorrentes estónios da Eurovisão e os Divine Comedy. E o leitor o que acha?
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Um cavalheiro lia "The Legacy of Lord Trenchard". Lord Trenchard foi considerado o pai da Royal Air Force. Tudo isto na linha verde do metropolitano, por uma grande margem a mais esplendorosa e desconcertante de todas.

segunda-feira, maio 17, 2010

FAZ-TE UM HOMEM! QUEIMA UM BOTTICELLI!: «tenho de ver se qualquer dia escrevo qq coisa de jeito sobre o imenso Girolamo [Savonarola]. Pelo menos, era homem: queimava arte, ia directo ao assunto – não lhe escapavam os Botticellis desta vida» (Carlos Vidal) Só nas caixas de comentários do "Cinco Dias" é que se lêem estas coisas.
NOTAS AVULSAS SOBRE A VISITA DO PAPA (4): Aulas canceladas, exames adiados, consultas que não se realizaram, desvios no trânsito, atrasos, escolas fechadas, lixo por recolher. Por mais difíceis de contabilizar que sejam, vale a pena pensar um bocadinho na multiplicidade de transtornos humanos que resultaram da incursão papal de um monarca absoluto pelo território de uma República livre, e destas tolerâncias de ponto ridículas, lamentáveis, incompreensíveis e impopulares.

quinta-feira, maio 13, 2010

CLUBE DO REGIME, CINEASTA DO REGIME: No espaço de poucos dias, ficámos todos a saber que o clube de futebol preferido do Presidente da República é o Olhanense, e que o seu filme da vida, pelos vistos, é "O Pianista" (ver rubrica "Os Filmes dos Presidentes"). Acto contínuo, o Olhanense garantiu a permanência na 1ª divisão (já estou velho para lhe chamar "Liga Sagres", ou seja qual for o patrocinador vigente). Será isto um prenúncio auspicioso para os imbróglios judiciais de Roman Polanski?
NOTAS AVULSAS SOBRE A VISITA DO PAPA (3): Quem tomou a decisão de, dentro da Carris, do Pingo Doce, do Diário de Notícias, de outras empresas e serviços, manifestar apoio explícito à visita do papa, saudar Joseph Ratzinger por meio de bandeirolas, dizeres ou qualquer outro meio, julgou talvez estar a homenagear uma figura consensual, um paladino da paz e da concórdia, uma fonte de onde nada pode jorrar senão o Bem. Mas esta visão é ingénua. O papa representa uma religião, uma agenda, uma mundividência. A sua acção e as suas palavras não são universalmente justas nem imunes à contestação. A nenhuma das suas visitas, discursos, atitudes é alheio o objectivo supremo de servir a causa de uma confissão religiosa, e dos valores a esta associados. Concorde-se ou não com o que Joseph Ratzinger diz e faz, apoiá-lo e celebrar a sua presença de forma incondicional e acrítica, por vezes no limite da vassalagem, como o têm feito tantos e com tanto alarido nos últimos dias, implica tomar partido. Haja consciência disso.

terça-feira, maio 11, 2010

NOTAS AVULSAS SOBRE A VISITA DO PAPA (2): Compreendo que um católico anseie por ver o papa porque é o papa, o herdeiro do trono de S. Pedro, o símbolo da sua fé, independentemente do homem, das suas limitações e defeitos, das suas palavras, dos seus antecedentes. Não compreendo que uma comunicação social que se desejaria crítica, lúcida e imparcial, as hierarquias mais elevadas de um país soberano e laico, participem desse êxtase colectivo e abdiquem, em nome do protocolo ou da deferência, da faculdade de julgar, do sentido da proporção, do contraditório a que não deixaria de estar sujeita qualquer outra personalidade.
NOTAS AVULSAS SOBRE A VISITA DO PAPA (1): Uma cidade inteira pára para acolher um padre alemão que nunca na vida, que se visse, fez alguma coisa por essa cidade. Um pedido de desculpas pelo incómodo teria sido oportuno.
LEITURAS EM LUGARES PÚBLICOS: Uma senhora lia "O Vermelho e o Negro" na linha verde do metropolitano. Haveria aqui pasto para trocadilhos cromáticos, indignos de um blog que se pauta pela sobriedade. Mas digam lá se Stendhal, de manhãzinha, num transporte público, não é uma coisa linda. Também na linha verde, outra senhora lia Sartre: "Pena Suspensa".

quinta-feira, maio 06, 2010

MORANGOS COM AÇÚCAR: Por uma razão que me ultrapassa, nos "Morangos com Açúcar" escolhem sempre os piores actores para representar polícias e outros agentes de autoridade. Há figurantes que conseguem ser mais eloquentes, ainda que relegados ao segundo plano, a bebericar um Sumol.
TEATROÀPARTE APRESENTA "APESAR DE TUDO É UMA MÚSICA": O Teatroàparte apresenta a peça "Apesar de Tudo É Uma Música", a partir de Jacques Prévert, com encenação de Bruno Bravo. «Partindo do imaginário de Jacques Prévert para a construção de um espectáculo que visita as diversas linguagens do autor, desde a poesia ironicamente pedagógica aos textos dramáticos plenos de uma fantasia amarga, o teatroàparte fabrica um diálogo entre as palavras e a música, os sons e os silêncios. Um trabalho que pretende ser uma aproximação aos anseios de Jacques Prévert, colocando em palco as figuras maiores e menores que sussurram na sua obra. Um espectáculo com música mas sem ser musical, onde se cantará Prévert e a sua canção.» No Auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, em Telheiras 13 Maio 22h 14 Maio 22h 15 Maio 22h 20 Maio 22h 21 Maio 22h 22 Maio 22h 27 Maio 22h 28 Maio 22h 29 Maio 16h e 22h
PETIÇÃO "CIDADÃOS PELA LAICIDADE": Porque Portugal ainda não é, que me conste, um anexo da Santa Sé. Assinar aqui.

sábado, maio 01, 2010

RETRATO DO ARTISTA ENQUANTO ESTOUVADO: «Je réfléchis quelques instants à l'asile que je choisirais pour la nuit, et j'allai demander l'hospitalité à une personne de vertu moyenne que j'avais connue au commencement de l'hiver.» (Benjamin Constant, Le Cahier Rouge) Considero soberba a expressão "personne de vertu moyenne". "Le Cahier Rouge" (ou "Ma Vie") é um curto texto de cariz autobiográfico que abrange a primeira vintena de anos do autor, e que integra a minha edição de "Adolphe". O destaque vai para os numerosos disparates de juventude (dívidas, paixonetas) que Constant relata com imperturbável candura. Por exemplo, quando o pai o tenta recambiar de Paris para Bois-le-Duc, onde se encontra o regimento a que pertencia, Constant decide fugir para Inglaterra, via Calais. Quando chega a Londres, apesar do capital limitado de que dispõe e da angústia perante as previsíveis consequências do seu gesto, a primeira coisa que faz depois de resolver a questão do alojamento é comprar dois cães e um macaco. A incompatibilidade de feitios com o macaco persuade-o a devolvê-lo, trocando-o por um terceiro cão.
LET'S IGNORE THE TRAILA: Nunca vi um book trailer, nem faço planos para, seja a curto, médio ou longo prazo, colmatar essa lacuna na minha formação cultural. A perda, sem dúvida, é toda minha. Basta olhar para os sorrisos de orelha a orelha que arvoram os consumidores vorazes de book trailers com quem me cruzo na via pública.